Há cenas de forte simbolismo registradas na bem-sucedida operação de retomada da Vila Cruzeiro, na Penha, pelo poder público. Por exemplo, a foto de uma coluna liderada por um blindado da Marinha, seguido por veículos da Polícia Militar, estampada na primeira página de ontem do GLOBO, se conjuga com tomadas inéditas, transmitidas ao vivo pela TV, de hordas de bandidos armados em fuga pelo alto do morro em direção ao Complexo do Alemão, área que se torna uma das últimas grandes trincheiras no Rio desses grupos de criminosos. As imagens trazem causa e efeito: diante de uma operação conjunta do Estado brasileiro — policiais com o suporte de uma das forças armadas —, traficantes e seus fuzis não tiveram alternativa a não ser a fuga em massa, como nunca registrada na cidade.
O problema do tráfico e crimes correlatos na região metropolitana da cidade não foi resolvido na quinta-feira, mas, no plano político e psicológico, foi dado duro recado à marginalidade: o projeto de segurança em aplicação no Rio de Janeiro é para valer, não se esgota nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), e ele ganha uma musculatura invejável com a integração de instrumentos de outras instâncias do Estado brasileiro. Neste sentido, os fatos que se desenrolam nos últimos dias vão além deste recado. Constituem-se um divisor de águas na segurança pública brasileira. A sociedade entendeu, e é palpável o apoio popular a este avanço articulado contra o banditismo, feito com planejamento e calma, como tem defendido o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. Assistir à fuga desesperada de bandidos gerou alegria e, ao mesmo tempo, frustração, pois parecia fácil cercá-los no alto da passagem entre as duas comunidades. Mas não era, segundo explicou Beltrame ao GLOBO. Lembremo-nos que a crônica da luta contra o crime no Rio está repleta de ações pirotécnicas de tomadas de áreas, depois devolvidas ao tráfico pela impossibilidade de as polícias mantê-las sob controle.
Destaque-se, ainda, a participação do Tribunal de Justiça do Rio, parte relevante da operação conjunta do Estado, ao aceitar transferir mais presos perigosos para fora do Estado e qualquer detido nos atos de terror, de destruição de veículos nas ruas.
As autoridades não podem perder este momento especial e inédito. Ficou provado que as Forças Armadas têm condições de ajudar bastante no apoio logístico, tópico, nesta guerra, em que está em jogo o estado de direito democrático. A atuação na operação de policiais federais, a cessão de 800 soldados de elite do Exército — vários com experiência em favelas do Haiti —, para o cerco do Complexo do Alemão, a mobilização de mais carros blindados para o transporte de soldados do Bope e helicópteros da Aeronáutica, tudo isto está dentro desta acertada percepção. "Mudou o paradigma", declarou ontem, no Rio, o ministro da Defesa, Nelson Jobim. E a sociedade agradece.
Há muito o tráfico deixou de ser uma questão de segurança pública simples. Já foi no passado, mas, no caso do Rio, uma longa sucessão de governos incompetentes e populistas permitiu o enraizamento de quadrilhas na região metropolitana. Ao mesmo tempo, a corrupção, que chegou à alta hierarquia da Secretaria de Segurança, praticamente extinguiu o poder público como força repressora do crime. Tantos desmandos só poderiam desaguar nesta situação, cujo enfrentamento tem de ser de todos — sociedade e Estado.
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