Lula: mídia é dominada por 9 ou 10 famílias e imprensa brasileira deveria assumir que tem candidato e partido.
A três meses e meio do término de seu governo, o presidente Lula está certo da vitória de sua candidata à presidência da República, Dilma Rousseff, mas recomenda: "cautela". Numa conversa exclusiva de uma hora com o Terra no Palácio do Planalto, Lula, provocado, esmiúça o que pensa da mídia e sobre a mídia. Diz que, de alguma forma, o país tem, terá que discutir e legislar - no Congresso, ele ressalva - sobre o assunto. Para definir como percebe o olhar da chamada grande mídia, Lula resume:
- Eles têm preconceito, até ódio...
A ênfase, a contundência no julgamento e comentários quando o tema é este, mídia, são permeadas por gestos e palavras que mostram um presidente da República disposto e pronto para o próximo comício. Bem humorado, carregado de adrenalina. Antes do início da entrevista, Lula quer conversar, diluir ansiedades e tensões.
"Baby...", diz a um jornalista, "pô, que gravador é esse, não tinha um digital?", provoca outro. Segura a
gravata de um terceiro, parece admirar o tecido, os desenhos, e opina:
- Mas essa gravata... esses desenhos parecem uma ameba!
O presidente da República faz as honras da casa, pede que se sirva um cafezinho, uma água antes de, atraído para o tema, partir para o ataque:
Lula - Na campanha passada, os caras diziam porque o avião do Lula... porque o Aerolula... (Estavam) disseminando umas bobagens... vai despolitizando a sociedade. Agora, estão dizendo que a TV pública é a TV do Lula. Nunca disseram que a TV pública de São Paulo é do governador de São Paulo e as outras são dos outros governadores... Para Lula, críticas à falta de liberdade na área de comunicação, mais do que injustas, não têm sentido. Ele diz duvidar que outros países tenham mais liberdade de informação do que o Brasil:
- Nesse momento do Brasil, falar em falta de liberdade de comunicação? Eu duvido. Eu quero até que vocês coloquem em negrito isso aqui. Eu duvido que exista um país na face da Terra com mais liberdade de comunicação do que neste País, da parte do governo.
O presidente se mostra disposto a um duro embate com setores da mídia:
- A verdade é que nós temos nove ou dez famílias que dominam toda a comunicação desse País. A verdade é que você viaja pelo Brasil e você tem duas ou três famílias que são donas dos canais de televisão. E os mesmos são donos das rádios e os mesmos são donos dos jornais.
"No Brasil - foi o Cláudio Lembo que disse isso para o Portal Terra -, a imprensa brasileira deveria assumir categoricamente que ela tem um candidato e tem um partido. Seria mais simples, seria mais fácil. O que não dá é para as pessoas ficarem vendendo uma neutralidade disfarçada", cobra Lula.
O presidente sinaliza que mudanças nessa área deverão ser discutidas no Congresso Nacional e poderão ser viabilizadas no próximo governo:
- O Brasil, independentemente de que de quem esteja na Presidência da República, vai ter que estabelecer o novo marco regulatório de telecomunicações desse País. Redefinir o papel da telecomunicação. E as pessoas, ao invés de ficarem contra, deveriam participar, ajudar a construir, porque será inexorável.
A primeira das três partes da entrevista com Lula que o Terra publica ao longo desta quinta-feira.
Terra - Presidente, em 1978 o senhor era um líder operário, estava na Bahia em um encontro de petroleiros, no Hotel da Bahia, eu era um estudante de comunicação, ainda tinha AI-5, censura à imprensa. Na década seguinte, nos anos 80 e 90, em inúmeras conversas com o senhor o assunto acabava de alguma forma passando pelo monopólio na mídia. No ano 2002, na véspera da eleição, de novo conversamos sobre isso. Em 2006, a uma semana do senhor ser reeleito presidente, numa conversa o senhor disse que não iria "tirar nada" de ninguém, que isso não seria democrático, mas que a ideia era redistribuir meios, ajudar os meios, ter uma maior diversidade de opinião. Chegando agora, nesta reta final (em 2010) o senhor tem feito críticas duras, dizendo que a imprensa, a mídia tem um candidato e não tem coragem de assumir e, ao mesmo tempo, o contraditório diz que existiria um Projeto Político, projeto vocalizado outro dia pelo José Dirceu, para "enquadrar meios de comunicação". Então, queria que o senhor dissesse o que o senhor realmente pensa disso, e se realmente existe uma expectativa, se existe alguma coisa em relação a isso...
Luiz Inácio Lula da Silva - Olha, primeiro, na nossa passagem pela Terra... não pelo Terra, pela Terra, a gente ouve coisas absurdas, que a gente gosta e que a gente não gosta. Veja, qualquer coisa nesse País tem o direito de me acusar de qualquer coisa. É livre. Aliás, foi o PT que, no congresso de São Bernardo do Campo, decidiu que era proibido proibir. Era esse o slogan do PT no congresso de 1981.
Terra - O Caetano vai dizer que é dele...
Lula - O que acontece muitas vezes é que uma crítica que você recebe é tida como democrática e uma crítica que você faz é tida como antidemocrática. Ou seja, como se determinados setores da imprensa estivessem acima de Deus e ninguém pudesse ser criticado. Escreveu está dito, acabou e é sagrado, como se fosse a Bíblia sagrada. Não é verdade. A posição de um presidente é tomada como ser humano, jornalista escreve como ser humano, juiz julga como ser humano. Ou seja, temos um padrão de comportamento e julgamento e, portanto, todos nós estamos à mercê da crítica. No Brasil - , e foi o Cláudio Lembo que disse para o Portal Terra -, a imprensa brasileira deveria assumir categoricamente que ela tem um candidato e tem um partido, que falasse. Seria mais simples, seria mais fácil. O que não dá é para as pessoas ficarem vendendo uma neutralidade disfarçada. Muitas vezes fica explícita no comportamento que eles têm candidato e gostariam que o candidato fosse outro. Tiveram assim em outros momentos. Acho que seria mais lógico, mais explícito. Mas, eles