Por Carlos Chagas
Poucas vezes por ano abrimos espaço para alinhar coisas que nos incomodam, daquelas a que nos acostumamos, mas, sem dúvida, despertam nossa indignação. Aproveitando a última semana de 2011, vale referir algumas novas.
A quem pensam enganar essas grandes lojas, supermercados e revendedoras de automóveis quando anunciam seus produtos cercados de noves? Noves, no caso, são ofertas que só tapeiam os incautos: 99 reais e 99 centavos por uma cadeira, 999,99 por uma geladeira, 9.999,99 por um som, 29.999,99 por um carro. Por que não assumem a fantasia, acrescentando mais alguns centavos? O freguês é bobo, como regra, mas nem tanto. Fica pior quando dividem as vendas em prestações, também floridas pelos nove. Será ética essa propaganda?
Apesar de lei já aprovada no Congresso, anos atrás, determinando a igualdade de decibéis nas transmissões, as grandes e as pequenas redes de televisão insistem em aumentá-los na hora dos anúncios. Diminuem durante a programação normal, seja em filmes, programas de auditório e toda parafernália apresentada nas telinhas. Imaginam que a publicidade gritada em nossos ouvidos aumentará o número de clientes, só que aumenta mesmo a indignação do telespectador, obrigado a digitar as teclas das maquininhas de controle remoto que fazem baixar e levantar o áudio. Nada mais antipático, ainda que rotina até mesmo nos canais a cabo.
Para ficarmos na televisão, incomoda sobremaneira assistir programas evangélicos onde tresloucados pastores ameaçam o auditório e a audiência com o fogo do inferno, as chamas eternas que fazem todo mundo tremer. Em especial quando, em seguida, exigem contribuições pecuniárias como passaporte para o céu. Existem pastores honestos, cuja função é explicar a Bíblia e dar conselhos éticos, mas cresce o número de picaretas que nem respeitam a gramática, quanto menos os textos religiosos. O diabo (com todo respeito) é que a presença deles multiplica-se em todos os horários, porque remunerar, remuneram muito bem as empresas televisivas. Quando não são seus proprietários.
Outra praga do reino midiático corre por conta da imprensa escrita. Fora as exceções, os jornais adotaram a prática publicitária de turvar suas primeiras páginas, por inteiro ou pela metade, superpondo folhas que ao invés de apresentarem notícias, enganam o leitor com anúncios variados, de eletrodomésticos a laticínios, bebidas, residências e tudo o mais. E com o título do jornal no alto, para dar a impressão de normalidade. Quem vai à banca da esquina e compra o seu diário gostaria de, ainda antes de chegar em casa, passar os olhos nas manchetes e chamadas principais, mas é obrigado a separar, rasgar e embolar a mistificação, jogando-a no lixo ou na calçada. De preferência, sem saber do que se trata.
Tem mais. O cidadão está em casa, descansando na poltrona depois de um dia árduo de trabalho e o telefone toca. Pode ser um parente, um amigo, uma namorada, mas não é. Do outro lado, ouve-se mil vezes de dia e de noite, vem a voz melíflua e pernóstica de alguém que com intimidade exagerada se diz a “Marinhinha”, a Mariazinha” ou a “Ermengarda”, chamando-nos pelo nome, porque já pesquisou. Sem mais aquela, oferece produtos e planos variados a preços módicos, com vantagens mentirosas, ou, com muita frequência, pede auxílio para entidades beneficentes das quais nunca ouvimos falar. Quem lhes deu o direito de invadir nossa privacidade? Ajudar criancinhas órfãs, velhinhos desamparados e doentes de todas as espécies é nosso dever, e o cumprimos junto a organizações sérias, com recibo. A maioria desses pedidos telefônicos, porém, envolve arapucas, daquelas que embolsam as contribuições apenas para irrigar as contas bancárias de quem telefona, sem ajudar ninguém.
Incomoda também não apenas um indivíduo ou uma família, mas quarteirões inteiros, quando alta noite ou de madrugada certos energúmenos resolvem dar festas em suas residências sem respeitar o direito a um relativo silêncio de que dispomos. Todos tem a prerrogativa de celebrar aniversários, formaturas, dias festivos ou até coisa nenhuma. O que não dá para aceitar são essas festas de “bate-estaca”, com DJs ou sem eles, berrando e apresentando conjuntos e bandas que não seriam abomináveis caso adotassem performances civilizadas. Chamar a polícia não adianta, seja em bairros populares, seja em conjuntos com sofisticadas mansões. O resultado é o mesmo: os agentes da lei não aparecem. E quando se dão ao favor de atender o telefone, respondem que precisamos ir à delegacia, lavrar auto de perturbação da ordem. Vale essa mesma indignação para quem mora perto de auditórios especializados em cultos religiosos cujos alto-falantes voltam-se para a vizinhança, repetindo em altos brados aquilo que a televisão também mostra.
Não tem fim, o rol das coisas que deixam o cidadão comum exasperado em sua residência. Agora, se sair de casa, pior ainda. Em especial nas grandes cidades, mas também nas pequenas, o trânsito tornou-se infernal. Em nome do crescimento econômico, as montadoras continuam produzindo milhões de veículos por ano, sem o menor controle por parte das autoridades públicas quanto ao seu destino. Fossem em maior parte para exportação e ainda lavaríamos as mãos, concluindo que o problema era dos outros. Só que é nosso. Trafegar nas ruas e avenidas exige paciência redobrada, e o que dizer dos estacionamentos em filas duplas e agora triplas, nas ruas e nas calçadas? Não aparece um guarda ou agente encarregado da fiscalização. Nas horas do rush dá vontade de sumir. Como os transportes públicos são lamentáveis, no país inteiro, assiste-se a congestionamentos quilométricos, sob o anúncio dos governos de que vão construir mais pontes, viadutos, avenidas e túneis. Só que não adiantará nada. Os automóveis particulares sempre serão em maior número. Dever dos governantes, mesmo, seria investir nos metrôs e nas vias expressas para ônibus, assim como regular a liberação de novas viaturas particulares, mas falta coragem. Além do risco da reação da indústria automobilística, capaz de eleger ou derrubar a maioria dos ditos representantes do povo.
Perturba todo mundo, também, a propaganda desmedida a respeito de estarmos voltando a ser uma ilha de paz e prosperidade em meio a um mundo conturbado. Essa estratégia é perigosa, como demonstrou a ditadura militar. Pois não é que está voltando? Já somos a quinta economia do mundo, até ultrapassamos o Reino Unido, no último fim de semana. Ganha a mídia o projeto de erradicação da miséria, como nos últimos nove anos ouvimos 24 horas por dia que o desemprego estava caindo, que milhões de novos postos de trabalho com carteira assinada tinham sido criados. Pode até ser meia verdade, porque das demissões, nunca falaram. Já que saímos de casa, o que dizer da multidão de pedintes e infelizes vendedores de todas as coisas, postados nos semáforos? Oferecem Papais Noéis de plástico, nestes últimos dias do ano, como também garrafas d’água, biscoitos, panos de prato, bolas de borracha e muito mais. Fora os que apenas se entregam à caridade pública. Autoridades e elites os ignoram, sem perguntar sobre o desemprego. Não querem ser incomodados...