Por Carlos Chagas.
Inexistem sinais de que a presidente Dilma designará proximamente os sete integrantes da Comissão da Verdade, lei sancionada há quase um mês para apurar e divulgar nomes e feitos de agentes públicos implicados em crimes de tortura e assassinato durante os anos de chumbo do regime militar. Possivelmente começará a decidir só depois de encerradas as curtas férias por ela programadas até 10 de janeiro. Diversos obstáculos levantam-se diante da escolha imprescindível para o funcionamento da lei.
Não poderão ser militares, tendo em vista o espírito de corpo inerente às forças armadas, mesmo tendo-se presente que em 1964 os generais de hoje eram no máximo aspirantes, ou nem isso. Nada tiveram com as práticas mal-sãs dos tempos bicudos, ainda que por sentimentos corporativos pareçam infensos a permitir que antigos companheiros sejam levados à execração pública. Até porque, se porventura indicados para a Comissão, insistiriam em levar as investigações ao fundo do poço, ou seja, à elucidação e identificação dos autores de crimes verificados do outro lado. Porque parte dos que se opunham à ditadura militar seqüestraram, torturaram e assassinaram adversários e até companheiros.
Também não poderão ser escolhidos quantos sofreram na mão dos agentes da repressão. Sendo parte ativa daquele processo execrável, faltaria a eles a isenção necessária para discernir culpados e inocentes entre os que forem arrolados.
O diabo é que tanto hoje quanto naqueles idos a ninguém foi nem será dado permanecer sem opinião formada previamente. Claro que a tortura e demais crimes praticados por agentes do poder público precisam no mínimo ser identificados, mas quem poderá ignorar as ações do terrorismo? Ou impedir que elas sejam expostas pela defesa dos torturadores? Censurar os depoimentos não dá, ficando óbvio que a mídia divulgará os dois lados.
Entregar a tarefa aos partidos seria desastroso, porque situação e oposição logo definiriam os dois campos, quando nada para agradar ou acutilar o governo.
Para a designação dos sete membros da Comissão da Verdade sempre haverá a hipótese de a presidente Dilma apelar para entidades da sociedade civil, do tipo OAB, CNBB, ABI e outras, mas não faltarão vozes a protestar ou a concordar com o fato delas também se terem insurgido, aliás, justa e necessariamente, contra o regime militar.
Apelar para instituições do Estado indicarem representantes, como o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal Militar e outras altas cortes, além da Procuradoria Geral de Justiça, poderia configurar uma saída, não fosse a letra da lei da Anistia que impede qualquer punição a eventuais culpados. Estariam passando um recibo de impotência judiciária.
Em suma, a presidente Dilma dá a impressão de encontrar-se numa sinuca de bico, em especial porque também sofreu os efeitos da tortura. Ela e quantos mais, hoje no poder?
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