Por Guilherme Fiuza, da Revista Época.
O Brasil ético está escandalizado com o aperto de mão entre
Lula e Paulo Maluf. O ex-presidente teria ido longe demais com esse gesto. É
uma concessão muito grave para tentar eleger um prefeito, dizem os homens de
bem. E o assunto não sai de pauta, com a corrente de indignação se espalhando
pela imprensa, pelas escolas e esquinas deste Brasil ultrajado. Todo cientista
político teve sua chance de dizer que aquela foto é um “divisor de águas no
processo ideológico brasileiro”, um “retrocesso no campo progressista”, um
“monumento ao vale-tudo”. Mas nunca é tarde para avisar a esta nação
escandalizada: o aperto de mão entre Lula e Maluf não tem a menor importância.
Um comentarista bradava no rádio um dia desses: “Maluf
apoiou a ditadura!”. Não, essa não é a grande credencial do ex-governador de
São Paulo. Vamos a ela: Maluf é procurado pela Interpol. Independentemente dos
resultados dos vários processos em que já foi réu por corrupção, Maluf é
símbolo de cinismo e trampolinagem. Mesmo assim, não pode fazer mal nenhum a
Lula.
O ex-operário que governou o Brasil por oito anos escolheu
como um de seus principais aliados José Sarney. Para quem não está ligando o
nome à pessoa, Sarney é o protagonista do caso Agaciel Maia – aquele que
revelou a transformação do Senado Federal em balcão de favores particulares. Em
telefonemas divulgados pela TV em horário nobre, Sarney aparecia usando a
presidência do Senado para reger o tráfico de influência na cúpula do
Legislativo. Mostrando influenciar também o Judiciário, o parceiro de Lula
conseguiu, por meio do filho Fernando, instituir a censura prévia ao jornal O
Estado de S. Paulo, até hoje proibido de mencionar a investigação dos negócios
de Fernando Sarney no Maranhão.
O que fez Lula diante desse escândalo? Disse que Sarney não
podia ser julgado como uma pessoa comum. Segurou-o bravamente na presidência do
Senado. Até que a tempestade passasse, deu-lhe a mão e não soltou mais. Qual o
problema, então, de dar a mão a Maluf, só um pouquinho, para eleger o príncipe
do Enem?
O aperto de mão com Sarney incluiu outras manobras típicas
da ditadura que Maluf apoiou. Lula mandou sua ministra Dilma Rousseff intervir
na Receita Federal para resolver pendências fiscais da família Sarney. Essa
denúncia foi feita por Lina Vieira, ex-secretária da Receita. Ela contou
detalhes do abuso de poder da então chefe da Casa Civil. Lina aceitou uma
acareação com Dilma, que fugiu – e depois virou presidente.
"Nunca é tarde para avisar: o aperto de mão entre Lula e Maluf não tem a menor importância".
Quando sua sucessora saiu em campanha, Lula nomeou como
ministra-chefe da Casa Civil a inesquecível Erenice Guerra. Braço direito de
Dilma, com quem confeccionou o dossiê Ruth Cardoso (contrabando de informações
de Estado para chantagem política), Erenice montou um bazar com parentes e
amigos no Palácio. Apesar de ter afundado crivada de evidências de tráfico de
influência, Erenice recentemente foi puxada pela mesma mão que apertou a de
Maluf: desinibido, o padrinho já tenta publicamente ressuscitá-la.
As aventuras de Dilma e Erenice só foram possíveis com a
queda do antecessor, José Dirceu – o que mostra uma verdadeira linhagem criada
por Lula na Casa Civil. E Dirceu só caiu porque o suicida Roberto Jefferson
resolveu atrapalhar um esquema que estava funcionando perfeitamente. Pois bem:
no momento em que a Justiça se prepara para julgar o mensalão, o maior
escândalo de corrupção já visto na República, protagonizado por todos os homens
do presidente Lula, o Brasil resolve se escandalizar porque o chefe supremo dos
mensaleiros tirou uma foto com Paulo Maluf.
É sempre triste deixar a inocência para trás, mas vamos lá.
Coragem. Em todo o seu vasto e conhecido currículo, Maluf jamais chegou perto
de engendrar um golpe desta dimensão: o uso do poder central para fazer uma
ligação direta dos cofres públicos com a tesouraria do partido do presidente. O
malufismo nunca sonhou com um valerioduto.
Como se vê, o Brasil, esse distraído, precisa atualizar a
legenda do famoso encontro: se quiser continuar dizendo que ali está a esquerda
sujando as mãos com a direita, vai ter de inverter a foto.
E, para concluir o jogo dos sete erros: qual dos dois usou
crachá de coitado para vampirizar o Estado? Roubar a boa-fé dá quantos anos de
cadeia?
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