Pessimismo empresarial trava retomada, diz presidente do
BNDES
Por Valdo Cruz/Ana Estela de Sousa Pinto, da FolhaPress.
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, comemora o fato de
não estar mais "solitário" dentro do governo na defesa de uma taxa
cambial mais competitiva e insinua que o real poderia estar ainda mais
desvalorizado.
Declara-se motivado com o fato de que o desafio de
"salvar, revigorar, reindustrializar cadeias que perdemos" ter se
tornado consenso no governo. "Fui solitário neste processo", disse em
entrevista à Folha.
Ele atribui boa parte da estagnação da indústria ao fato de
a moeda brasileira ter passado por "longos períodos" de valorização.
Cita especificamente os "últimos dois anos",
período no qual o dólar chegou a ameaçar cair abaixo de R$ 1,50, quando diz ter
vivido um "período de grande angústia". Conselheiro da presidente
Dilma, Coutinho diz que o empresariado brasileiro é ciclotímico e está numa
posição "muito mais pessimista" do que o potencial brasileiro
justifica no momento.
Para ele, esse é um dos fatores para a demora na recuperação
do crescimento. O empresariado "travou um pouco o investimento".
Ele evita fazer previsões sobre o crescimento do PIB
(Produto Interno Bruto), mas diz que indústria começa a dar sinais de recuperação.
Classificando a era dos juros altos como uma "página
virada" e nosso "último ato" a recuperação da "solidez
cambial", Luciano Coutinho diz que o país tem, agora, dois desafios
principais: a redução da carga tributária e a melhoria da competitividade e da
produtividade.
Coutinho reconhece, porém, que a redução da carga
tributária, "complexa e imperfeita", é difícil de ser implementada,
por envolver disputas federativas.
No curto prazo, o governo vai atacar os "custos
sistêmicos" do país, entre eles o de energia, afirma.
Responsável pelas ações do governo no financiamento de
grandes projetos da economia, o presidente do BNDES aponta o setor de bens de
capital como o que mais "sofreu" na indústria brasileira e anuncia
que vai adotar medidas para revigorá-lo. Ressalva, porém, que serão estímulos
progressivos. "É fácil, muito mais fácil destruir do que construir."
Rebatendo as críticas de que o governo Dilma está se
limitando a medidas pontuais para combater a crise, Coutinho diz que são elas
que permitem uma "transição" para a indústria "sobreviver"
durante o período de turbulências. Reconhece, porém, que, apesar de serem
"necessárias", não são "suficientes".
Segundo ele, o que o governo tem feito é dar
"oxigênio" para "manter vivo" o setor de bens de capital
durante o desaquecimento da economia brasileira. Diz, porém, que apesar de
"um ou outro pequenininho" estar na UTI, não há problemas mais
graves. "Problema eu tive em 2008 para 2009, aqui foi problema",
quando a economia nacional entrou em recessão.
Leia trechos da entrevista.
Joel Silva/Folhapress | ||
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, no escritório do banco de fomento em São Paulo, no Itaim |
Folha - No momento em que o BNDES completa 60 anos, a
indústria brasileira passa por um momento delicado, num quadro em que nossa economia
não dá sinais de recuperação. Qual o papel do banco hoje?
LUCIANO COUTINHO - Não sei se é um momento delicado, acho
que é rico em desafios positivos para o país. Tivemos mudanças qualitativas
importantes na combinação câmbio e juros, uma redução real da taxa de juros,
considerada alta demais diante dos bons fundamentos macroeconômicos.
Ficamos com uma herança de juros muito altos, mas isso está
sendo corrigido, tirando proveito de uma janela de oportunidade que é a crise
internacional.
Estamos caminhando firmemente para ter um patamar de juros
condizente com nossa condição macroeconômica.
O que é isso?
O Brasil é um dos poucos países que está reduzindo sua
dívida líquida sobre o PIB, tem um superávit primário, caminhando para um
déficit nominal muito baixinho. Um déficit nominal de 1%.
Todos os países desenvolvidos estão com deficit de 6%, 7%,
8% do PIB. Os europeus vão suar sangue para chegar a 5%, 6%.
Temos uma condição macroeconômica privilegiada, e isso vai
se refletir numa taxa de juros mais baixa. O que abre caminho para uma grande
mudança qualitativa em termos de desenvolvimento do sistema financeiro privado
do país e do mercado de capitais.
Então, nós precisamos ter em perspectiva que temos, e repito
sempre isso, uma fronteira de investimentos de alta rentabilidade, que será um
fator de propulsão do crescimento brasileiro.
A combinação dessas duas grandes condições é que nos
permitirá crescer, aumentar os investimentos em relação ao PIB, e crescer a
taxas mais altas do que das taxas recentes. E essas taxas poderão ser tanto
mais altas quanto mais capazes sejamos de enfrentar os dois grandes desafios
que restam, que são estruturais. Quais? O desafio da competitividade e da produtividade. E o
da estrutura tributária. São os dois desafios de longo prazo.
Por que ainda não enfrentamos de frente esses dois desafios?
A taxa de câmbio passou dos R$ 2, os juros estão mais baixos, mas a confiança
do empresário segue também muito baixa.
É verdade. Estamos falando de uma circunstância de curto
prazo. Precisamos lembrar aqui duas coisas. Primeiro, o empresariado é muito
ciclotímico. O mercado é ciclotímico em geral.
Ele vai para a euforia quando, em 2010, tínhamos um estado
de euforia que ia além da realidade. Quando as coisas, especialmente com a
crise internacional, são mais difíceis, o empresariado também cai numa posição
muitas vezes mais pessimista do que o potencial brasileiro.
Ele está mais pessimista do que deveria estar?
Acho que sim. Está muito afetado pela conjuntura de curto
prazo de um lado. De outro, aí é uma questão específica da indústria, tivemos
muitos períodos de apreciação cambial.
Primeiro, foi o Plano Real, um período de cinco anos, até
que ele se desfez da forma como foi concebido e foi para o sistema flutuante.
Aí tivemos um período relativamente curto de câmbio mais favorável. Depois,
veio um outro período, também longo, de contínua apreciação cambial, que vem de
2004 até a crise de 2008.
Houve uma breve interrupção e o sucesso brasileiro em vencer
a crise levou de novo a um ciclo de apreciação. Esse mais recente.
Até 2010 e 2011.
Esse mais recente, até o ano passado, quando a política de
redução de juros e a intervenção regulatória, de regulação do mercado cambial,
via impostos, via IOF, mitigou a situação.
E a crise internacional também mudou de mão. Aí você
conseguiu escapar de uma trajetória de apreciação cambial.
Agora, ao longo desses períodos, a indústria veio perdendo
substância. Foi perdendo lentamente mercado no exterior, porque vários
concorrentes se aparelharam, tomaram market share.
O México capturou nosso market share de manufaturados no
mercado americano. Houve a tremenda expansão chinesa para todos os mercados de
manufaturados. Esse movimento começou a induzir a um esvaziamento das nossas
cadeias produtivas, com ampliação da importação de partes, de peças.
Esse processo tornou-se mais claramente percebido por todos
nos últimos dois anos.
Eu pessoalmente vivi um período de grande angústia com isso.
Em muitos momentos eu fui solitário neste processo.
Foi um momento de críticas à política cambial do governo por
parte do empresariado.
Eu fui solitário neste processo e acho que, depois, hoje,
isso virou.
Aquele sentimento meu, que era solitário, virou um sentimento
de todos. O que me deixa muito feliz, porque finalmente acho que sociedade
brasileira e o empresariado brasileiro começam a compreender porque é tão
relevante ter uma indústria forte e competitiva.
Porque a indústria é essencial hoje em nossa sociedade, não
tanto para gerar empregos, porque a indústria cada vez mais eficiente vai para
padrões de automação mais profundos, mas porque, nos serviços pré e
pós-manufatura, ela cria empregos de alta qualificação.
Na pré-manufatura são serviços de engenharia, design,
informatização, sistemas.
Depois, vêm os serviços pós, desde os de assistência até os
de marketing, que só se cria quando você tem uma indústria.
O que o país ainda está devendo, ainda não está sendo
resolvido, ficou para trás?
Ficou por conta de um conjunto de fatores. O câmbio
apreciado.
Quais são os fatores?
Primeiro, a subida de uma série de custos sistêmicos, como o
de energia na margem. Combinada com o aumento de carga tributária sobre os
insumos em geral e sobre a energia também.
O Brasil passou de uma economia onde os custos sistêmicos
eram competitivos, nos anos 70 e parte dos anos 80, para uma economia em que
eles se tornaram altos.
De outro lado, tivemos um saudável processo, mais recente,
do governo do presidente Lula, de aumento da taxa de crescimento do país.
Esse processo, embora aquém do que todos gostaríamos que
fosse, combinado com a transição demográfica brasileira, que fez reduzir o
crescimento da população economicamente ativa, produziu um aumento muito saudável
do emprego formal.
Num contexto em que a economia cresce e a taxa de desemprego
cai, os salários reais sobem. O que é saudável, porque melhora a distribuição
de renda no país.
O que ajuda a segurar a popularidade da presidente Dilma.
Por mérito do governo. Mas não quero discutir política. O
fato é que isso afeta o custo da competitividade, há uma pressão sobre os
custos sistêmicos e um aumento de custo de salário unitário.
Combinados com a apreciação da taxa de câmbio, provocaram
uma pinça de esmagamento da rentabilidade da indústria, da taxa de retorno na
atividade industrial, reduzindo sua competitividade.
Temos também um problema de produtividade, sim,
especialmente do trabalho. O Brasil precisa subir rapidamente a produtividade
do trabalho, ter uma agenda de reforço da automação para preservar a capacidade
competitiva da indústria.
Temos um tremendo desafio, que é salvar, revigorar,
reindustrializar cadeias que perdemos, de tal maneira que a indústria
brasileira volte a ter um papel relevante na dinamização da economia
brasileira. Eu me sinto muito motivado no momento em que a compreensão desse
desafio começa a se tornar consensual.
Dentro do governo?
Na sociedade. Que é mais importante, porque agora há uma
compreensão disso.
Por que estou motivado? Porque temos até uma cobrança, que
até certo ponto é injusta, de que o governo só está atuando num plano tático,
de medidas, quando na verdade a grande angústia é a compreensão de que os
problemas são mais estruturais e precisamos de estratégias de longo prazo.
O que posso assegurar é que o governo está plenamente
consciente desses grandes desafios.
Eu não mencionei, quando falei dos custos, um outro fator,
que é a subida da carga tributária, que não é um fator de um governo, vem desde
os anos 70.
À medida que foi subindo, tornou-se tecnicamente mais
cumulativa, complexa e imperfeita. Foi ficando qualitativamente pior, não só
maior como pior. O governo tem plena consciência de todos esses problemas e
desafios estruturais, quais sejam, de ganhar competitividade, produtividade,
reduzir a carga tributária, os custos sistêmicos, inclusive os de energia.
Porém, a complexidade desses problemas é muito maior do que o manejo diário.
Obviamente é uma questão complexa.
O sr. vê possibilidades de a reforma tributária avançar no
curto prazo, já está em estudo no governo?
Há uma reflexão que está sendo feita a respeito de como
começar. Não quero adiantar, mas há uma reflexão permanente sobre o melhor
caminho.
Agora, um pouco para responder à percepção de que nada está
sendo feito, o que não é verdade, chamo a atenção primeiro para o fato de um
dos grandes desafios brasileiros, que era o primeiro que o empresariado sempre
colocava, os juros muito altos, esta é uma página que está sendo virada. Vamos
fazer pouco disso? Não.
Segundo, a questão da chamada guerra dos portos. Uma batalha
difícil foi enfrentada, outra página que está sendo virada, e que é fundamental
para a questão da indústria. E a melhoria relativa da taxa de câmbio real.
Relativa, ainda?
Sim.
Ela deveria ser mais alta ainda?
Acho que a gente deve continuar com o sistema de câmbio
flutuante, mas... Eu não quero dar um número, mas eu acho...
Poderia ser maior e seria melhor?
Enfim, se fosse, melhor. Isso é uma coisa que nós temos que
pensar em faixa, e não em números.
Seguinte, como os problemas estruturais são difíceis, gera
uma ansiedade.
Temos de transformar essa ansiedade em uma consciência e uma
criação de condições para enfrentar as questões estruturais. Porque as questões
estruturais não podem ser enfrentadas só por governos.
São questões que demandam uma ampla consciência da
sociedade, do Congresso Nacional, para poder enfrentar reformas mais profundas.
O sr. diria que as duas mudanças essenciais são o custo da
energia e a reforma tributária?
Não só o custo da energia, mas o de vários insumos
importantes, incluindo energia. A questão tributária e a da produtividade do
trabalho.
E o desenvolvimento do mercado de capitais?
O desenvolvimento de mercado de capitais. O BNDES tem um
papel importante em, primeiro, cumprir o papel clássico de suprir créditos, de
longo prazo enquanto o mercado não se estrutura. Segundo, o BNDES tem de se
preparar para esses novos grandes desafios do futuro.
Quando o sr. pensa na cadeia produtiva da indústria, qual
foi a etapa que mais sofreu com essa crise recente, houve em algum setor um
problema grave de desindustrialização?
Se olharmos com visão de prazo mais longo, quem sofreu mais?
Foram os setores de bens de capital. O Brasil chegou a ter, no início dos anos
80, uma indústria de bens de capital muito mais importante. Ela veio perdendo
substância. Perdemos empresas de setores importantes na área de equipamentos de
telecomunicações, de eletrônica em geral, um pouco de indústria de informática,
na área de farmacêutico e química. Aí, sim, tivemos um renascimento mais
recente por causa do mercado de genéricos, mas perdemos muita substância. E
permitimos um esvaziamento de valor agregado dentro da cadeia automotiva, que
era muito integrada e começou a ficar uma indústria só de montagem final. Num
período mais recente, algumas destas tendências se agravaram.
Um dos fatores que vamos preparar, num contexto de
recuperação da nossa capacidade e da nossa densidade industrial, é um processo
de revisão da política do BNDES da Finame, do financiamento de máquinas e
equipamentos. Queremos induzir o fabricante a ganhar mais capacidade de agregar
valor no país. Sabemos que, para reverter esse processo, no que toca a
equipamentos e bens de capital, teremos de criar estímulos e fazer isso de uma
maneira progressiva. É fácil, muito mais fácil destruir do que construir.
Leva quanto tempo?
Não sei exatamente, depende muito do setor. Em algum setor
pode levar cinco, em outro, dois.
Por que o setor de bens de capital foi o que mais sofreu na
indústria?
Temos uma agenda muito difícil de reforço da estrutura de
capital das empresas. Precisamos recuperar primeiro o oxigênio. Esse período de
desaquecimento da economia, num período mais recente, inspira que nós nos
preocupemos em manter vivo o setor para que ele possa retomar o oxigênio para
enfrentar o desafio. Temos uma agenda, de médio e longo prazos, de ganhar
capacidade. Na agenda de curtíssimo prazo temos que assegurar a capacidade de
sobrevivência da indústria. Daí porque o governo tomou uma série de medidas,
que falaram que eram "medidas pontuais, determinou compras de equipamentos".
O que quero dizer é que as medidas táticas têm seu valor e seu lugar, sua
necessidade, não podemos descartá-las, essas medidas táticas é que permitem uma
transição para sobreviver. Elas são necessárias, o que não são é suficientes.
A principal crítica não é nem sobre as medidas de curto
prazo, mas a falta das de longo prazo.
Mas elas estão sendo gestadas.
Na área tributária?
Não, a área tributária é a mais difícil. Porque qualquer
mexida em sistema tributário tem impacto sobre a distribuição entre esferas de
governo e regiões do país. Mudanças tributárias primeiro têm um certo grau de
risco. Precisaríamos estar num grau de solidez macroeconômica tal, estamos
chegando perto disso, porque qualquer mudança no sistema tributário pode
produzir perdas maiores do que as previstas. Um sistema mais perfeito tem de
combinar uma redução paulatina da carga tributária, porque não é realista
imaginar uma redução radical da carga tributária, como muitos querem. Esse é o
desafio mais difícil, precisa ser amadurecido, não é apenas uma coisa de um
governo, são propostas que precisam ser amplamente costuradas. Começa na
sociedade e com o sistema político, porque caso contrário a chance de sucesso é
pequena.
Pensando nos gargalos industriais que o sr. citou, que são a
questão tributária, a da energia, eficiência, da automação, a questão de
desenvolvimento de um mercado de capitais de financiamento de longo prazo. Qual
deles tem mais chance de progresso?
O que tem mais chance de andar mais rápido, com a redução da
taxa de juros, é o desenvolvimento financeiro, porque o nosso é sofisticado e
temos estoque de poupança preexistente, em grande parte ancorado em papéis
públicos que podem migrar para papéis privados. Esta é uma reforma muito
relevante e pode acontecer. O outro, que está em processo de reflexão, tem a
ver com os custos de energia, mas eu não posso adiantar, mas há uma reflexão a
respeito e pode resultar em algum avanço importante.
No caso do custo de energia, a presidente quer uma decisão
até o final do ano, é isso?
É, existe uma reflexão em nível de governo deste tema. O
tema do aumento da produtividade e da competitividade é de médio e de longo
prazo, mas que precisa começar e temos de impulsioná-lo. Acredito que aqui não
se constrói da noite para o dia, mas temos de começar a caminhar. Temos
condições de avançar em muitas cadeias importantes. Na área de óleo e gás,
continuar avançando no agronegócio e na sua base industrial. Temos capacidade
de revigorar a nossa indústria automotiva e agregar valor dentro dela.
Temos condição de sustentar e avançar na capacidade
competitiva de vários sistemas, nos quais o Brasil ainda tem competitividade,
mas tem de preservar. Falo de celulose e papel, da siderurgia. Temos que
retomar nossa reflexão a respeito do nosso complexo intensivo de informação,
cadeia de fornecimento em telecomunicações, em eletrônico de consumo, nós
estamos trabalhando intensamente para trazer a indústria de display, que é
fundamental.
Temos condições de avançar na indústria farmacêutica, que
tem hoje uma nova geração de produtos de base biotecnológica. Temos que
capturar essa oportunidade. Temos que avançar em toda a indústria tanto de
equipamento como de consumo para construção. É uma cadeia poderosa. Temos uma
oportunidade nova, com a Vale, com a obtenção do licenciamento do projeto Serra
Sul, no Pará, vai agregar mais R$ 40 bi de investimentos nos próximos anos, um
outro Carajás.
Então, o Brasil tem muita oportunidade e precisamos
enxergá-las. Precisamos voltar a pensar a longo prazo. Se tivesse de sintetizar
tudo o que estou falando, é o seguinte: o Brasil desorganizou seu modelo de
crescimento, nos anos 70, porque tinha um calcanhar de aquiles, que dependia na
margem intensamente de poupança externa. Esse modelo foi desarmado pela crise
da dívida no início dos anos 80, jogou o ônus da dívida em cima do setor
público, desorganizou as finanças públicas, deu quase hiperinflação, tivemos de
suar sangue para vencer e fizemos um longo caminho de recuperar a saúde fiscal
do Estado, o último ato foi recuperar solidez cambial. E, milagrosamente,
conseguimos recuperar um volume de reservas internacionais, que é um colchão
superimportante.
Por que o Brasil está demorando tanto a se recuperar neste
ano?
Tem uma combinação de vários fatores pontuais e outros
conjunturais. Primeiro, você tem a digestão do ciclo de endividamento das
famílias, que não é feito da noite para o dia. Segundo, os estoques altos em
vários setores. Terceiro, o setor privado é ciclotímico, ele travou um pouco o
investimento. E aqui há fatores pontuais. Um pouco de perspectivas, uma visão
de mais de curto prazo do setor empresarial. E, no plano do investimento
público, a reorganização do Dnit, caiu um pouquinho o investimento.
Pouquinho?
Transportes está sendo recuperado. Esses fatores pontuais
vão ser recuperados. Meus dados mais recentes do Finame já apontam uma
recuperação na ponta.
Para quando?
Preciso ver ainda qual o ritmo disso, mas parou de cair e
está embicando para cima, a venda de bens de capital na Finame. Vamos superar
isso, as medidas estão tomadas.
Quando o sr. falou em dar oxigênio para a indústria, eu
imaginei logo em hospital.
O sr. colocaria a indústria na UTI ou numa unidade
semiintensiva?
Esse negócio de hospital já não existe mais.
Mas o sr. falou que ela precisava de oxigênio para se manter
viva.
Olha, o oxigênio você obtém tornando o ar mais puro e
fazendo as pessoas aprenderem a respirar bem. Com aeróbica.
Então está na fase de reabilitação, fisioterapia?
Está longe [disso], tem um ou outro pequenininho na UTI ou
querendo entrar, mas não estamos tendo nenhum problema. Problema eu tive em
2008 para 2009, aquilo que foi problema.
O sr. acha que tem de reduzir superávit primário para
impulsionar investimento público?
Não, precisamos manter o superávit para garantir que o BC
possa seguir reduzindo juros.
arte2/Editoria de Arte/Folhapress | |
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