Demóstenes e o
”duplipensar” da grande imprensa.
As delicadas relações do senador goiano
com o bicheiro Carlinhos Cachoeira - e a possibilidade de que o governador
tucano Marconi Perillo venha a ser o próximo alvo- pôs em operação o
"duplipensar" orwelliano que, desde a posse de Lula, está incorporado aos
manuais de redação.
Por Gilson Carroni Filho, da Carta Maior.
Qualquer pessoa de bom senso, que tenha lido os articulistas da
grande imprensa, desde o surgimento dos escândalos envolvendo o senador
Demóstenes Torres, concluirá facilmente que os trabalhadores das oficinas de
consenso, aturdidos com o que lhes parece um ponto fora da curva, uma
desconstrução dispendiosa e extemporânea, são como aqueles motoristas que
imaginam poder dirigir um veículo com os olhos presos ao retrovisor. Não
enxergam a clareza da realidade. O círculo do jornalismo de encomenda, minúsculo
e cego, está só, murado no seu isolamento.
A pedagogia dos fatos,
inexorável nas suas evidências, parece passar ao largo das redações. O que se
faz ali não é jornalismo, mas um simulacro de literatura de antecipação marcada
por profundo pessimismo e cenários de devastação. Talvez George Orwell e seu
clássico “1984” expliquem melhor o suporte narrativo da fábula que não deixa de
trazer uma concepção de história autoritária e retrógada.
As delicadas
relações do senador goiano com o bicheiro Carlinhos Cachoeira - e a
possibilidade de que o governador tucano Marconi Perillo venha a ser o próximo
alvo- pôs em operação o "duplipensar" orwelliano que, desde a posse de Lula,
está incorporado aos manuais de redação. Como o objetivo é afastar o ex-varão de
Plutarco de cena, para prosseguir atacando o governo da presidente Dilma, os
"cães de guarda" cumprem a tarefa com afinco.
No reduzido vocabulário da
"Novilíngua", o “duplipensamento" é assim explicado por um dos personagens de
“1984”: "capacidade de manter simultaneamente duas crenças opostas,
acreditado igualmente em ambas (...). Saber que está brincando com a realidade
mas, mediante o exercício de tal raciocínio, convencer a si próprio, que não
está violentando a realidade. O processo deve ser consciente, pois do contrário
não funcionará com a previsão necessária: mas, ao mesmo tempo, deve ser
inconsciente para não produzir sensação de falsidade e culpa". Com esse
trecho, cremos ter decifrado os sorrisos de Merval Pereira, Dora Kramer, Augusto
Nunes, Eliane Catanhede, entre outros, quando confrontados com a palavra
"ética".
Para eternizar a ordem que defendem com unhas e dentes o cenário
político, submetido ao pensamento único, passa por processos de ocultamento e
simplificação, visando a eliminar todas as possibilidades de pensar dos membros
do Partido Imprensa.
Outra implicação do "duplipensar" da mídia
corporativa é a constante alteração do passado. O registro – e consequentemente
a memória - dos fatos ocorridos devem ser refeitos sempre, a fim de adaptarem-se
ao presente. O trabalho de um "bom" editorialista é reescrever a visão dos
veículos em que trabalha para que não contradiga a realidade de hoje. Assim, por
exemplo, Folha, Globo e Estadão podem condenar o golpe de 1964, mesmo o tendo
apoiado ostensivamente. Se um livro denuncia um líder político como Serra e
outras figuras no seu entorno, a solução é simples: Ele nunca foi escrito e,
portanto, jamais será resenhado, sendo passível de punição severa quem não
entender como funcionam as "leis naturais".
Além da eliminação do passado
como elemento de desarmonia com o presente e como instrumento de verificação das
afirmações do Partido Imprensa, este recorre a outros meios, bem mais
convencionais, para moldar a consciência de seus filiados e simpatizantes
(leitores e telespectadores): educação permanente assegurada pela propriedade
cruzada dos meios de comunicação, atividade coletiva sem intervalos, o que pode
ser obtido mediante ampla oferta de blogs, sites, jornais e redes que digam
sempre o mais do mesmo . Para concluir, vem a valorização do poder político como
fim, não como meio.
O incômodo Demóstenes deve, após a sequência de
denúncias, ter um diagnóstico clínico que despolitize o seu desvio. Merece,
pelos serviços prestados, um roteiro que conte a tragédia do Catão caído, até
que, finalmente, desapareça na lata de lixo reservada aos que fugiram da trama
original. Assim agem os bons autores ao tomar como ponto de partida uma
realidade familiar e palpável e transformá-la em espetáculo perecível. Em tempo:
o DEM, assim como o PFL, nunca contou com o apoio das corporações midiáticas por
um simples motivo: nunca existiu.
Vejam como operam nossos talentosos
colunistas. Orwell ficaria tão contente que, com certeza, lhes arrumaria um
lugar no Ministério da Verdade.
"Em um mês, o senador Demóstenes
Torres passou de acima de qualquer suspeita para abaixo de qualquer certeza, num
episódio que desafia os romances policiai s mais surpreendentes. Alem da atuação
implacável contra a corrupção, ele tinha a cara, vestia o figurino e se
comportava como um incorruptível homem de bem - e talvez seja mesmo sócio da
holding criminosa de Cachoeira" (Nélson Motta, 6/04/2012, o
Globo).
"Demóstenes Torres não seria beneficiado pelo "vício insanável
da amizade" - expressão usada pelo notório Edmar Moreira (o deputado do
"castelo") para definir o principal obstáculo a punições -, pois os amigos que
fez ali estão entre as exceções e os demais confirmam a regra.Por terem sido
alvos do senador na face clara de sua vida agora descoberta dupla, podem querer
mostrar-se ao público em brios. O problema, porém, é a falta de
credibilidade". (Dora Kramer, 6/04/2012, Estado de São
Paulo)
"Esse personagem que o senador criou para si próprio não era
uma mentira de Demóstenes, ele incorporou esse personagem e acreditava nele.
Podia acusar com veemência seus colegas senadores apanhados em desvios, como
Renan Calheiros, enquanto mantinha o relacionamento com o bicheiro Carlinhos
Cachoeira porque, como todo psicopata, não misturava as personalidades
“(Merval Pereira, reproduzindo argumento do psicanalista Joel Birman,
30/03/2012, O Globo).
Admiráveis funcionários de um jornalismo
inqualificável.
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