Paulo Kliass
A reunião de julho do Comitê de Política Monetária (COPOM), realizada nos dias 10 e 11, decidiu novamente pela redução da taxa oficial de juros do governo. Para a história recente da política econômica brasileira, trata-se da continuidade de queda da taxa e que chama a atenção por seu ineditismo. A orientação de política monetária, adotada desde a implantação do Plano Real em 1994, tem sido pautada pela ortodoxia absoluta. Tanto assim que o Brasil tem preservado, por mais de uma década, o posto de campeão mundial da taxa real de juros – taxa nominal descontada da inflação do mesmo período.
Assim, a partir de 11 de julho a taxa SELIC desceu para o patamar de 8% ao ano. Trata-se da oitava redução consecutiva promovida pelo COPOM, desde a reunião de 31 de agosto do ano passado, quando ela saiu de 12,5% para 12%. Apesar de continuar sendo muito elevada para as referências internacionais, não se pode negar que essa trajetória de queda na taxa poderia contribuir para liberar as amarras que o financismo tem imposto ao desenvolvimento de nossa economia real. E, além disso, abrem-se as perspectivas para que ela seja ainda mais reduzida. Como a reunião do comitê do Banco Central ocorre a cada 45 dias, haverá ainda mais 3 encontros até o fim do ano. Assim, não seria de surpreender caso se confirmem os cenários em que a SELIC feche dezembro em 7%.
A SELIC caiu e o PIB não cresceu
Ora, frente a tal conjuntura, a maioria das pessoas começa a se questionar – o que é muito compreensível, aliás! – a respeito da tão propalada relação entre queda de juros e retomada da atividade econômica. Sim, porque os economistas críticos da adoção dos “modelitos de planilha” como método para compreender a complexidade da dinâmica econômica sempre martelamos nessa tecla. Os níveis estratosféricos da taxa de juros impedem o bom funcionamento da economia real, aquela associada à produção de bens e à prestação de serviços. Mas, e agora? De repente, a SELIC abaixa de patamar e o PIB continua a patinar. O que estaria acontecendo? Realmente, à primeira vista, a situação pode parecer contraditória.
Todos nos lembramos que o desempenho da economia brasileira em 2011 foi pífio: um crescimento do PIB de apenas 2,7%, muito abaixo da performance dos países da América Latina ou dos parceiros dos chamados BRICs. Ao antever esse ritmo reduzido da atividade de nossa economia, a Presidenta Dilma assumiu a responsabilidade de recomendar à equipe de governo uma mudança de rota da SELIC, já desde o ano passado. Essa orientação contribuiu para alterar o estado de espírito de nossa sociedade, quase toda ela conformada com a dependência, de natureza quase química, em relação ao rentismo.
Além disso, houve também uma redução - ainda que marginal, bem pequena - da atratividade das aplicações em terras tupiniquins para o mercado de recursos financeiros especulativos. Assim, com a queda no ritmo da inundação de recursos externos, a nossa taxa de câmbio recuperou um pouco mais de realismo e logrou uma necessária desvalorização. Por exemplo, em julho de 2011 a cotação do real em relação ao dólar norte-americano chegou a 1,54. Agora, em meados de julho está em 2,08. Se isso se apresentar como uma tendência consistente para o futuro, pode significar melhor capacidade de colocação para nossas exportações e diminuição da concorrência desleal dos importados aqui no setor manufatureiro.
Conseqüências desastrosas do viés ortodoxo
Porém, outras diretrizes ainda deixavam à mostra resquícios de uma orientação conservadora para a saída da crise. No início deste ano o governo anunciou um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento da União, para assegurar a formação do superávit primário e demonstrar que haveria “seriedade e rigor” no controle dos gastos públicos. Pura balela! Afinal a própria peça orçamentária reserva mais de 40% de suas receitas para o pagamento de juros e serviços da dívida pública. E não custa nada repetir: recursos não faltam! Muito pelo contrário, eles sobram. O problema é que as despesas de natureza financeira são consideradas intocáveis, recobertas por uma espécie de manto de santidade e de cumprimento obrigatório. Essas rubricas são pagas pontualmente, sem nenhum questionamento ou atraso. No outro extremo, vítimas de um tratamento nada VIP, estão as demais despesas governamentais: pagamento de pessoal, benefícios da previdência social, gastos com saúde, despesas com educação, projetos de investimento, etc. Nesses casos a orientação permanece sendo a da má vontade, a do retardamento, a do contingenciamento de verbas. Sempre acompanhados do discurso surrado da “ausência de recursos”.
Some-se a esse quadro a nossa problemática ”sino-dependência”. Boa parte da atual estratégia de inserção internacional do Brasil está baseada nas exportações para o gigante asiático. Independente de outras avaliações a respeito da justeza ou não de tal opção de comércio exterior, o fato é que a importância das compras chinesas cresceu bastante com a recessão nos Estados Unidos, Europa e demais parceiros do mundo desenvolvido. Esses países reduziram suas importações de forma geral e a participação relativa da China em nossa pauta exportadora terminou por ganhar ainda mais relevância. Porém, a partir do ano passado a própria economia chinesa foi obrigada a passar por alguns ajustes, dada sua dependência em relação aos países centrais em crise. Com a redução do ritmo de crescimento de seu PIB para “modestos” 9,2% em 2011 e a previsão de “apenas” 7,6% para o ano atual, isso afetou também sua demanda pelas importações de produtos brasileiros. E esse movimento significa redução do ritmo de produção e atividade econômica aqui em nosso País.
Juros: “spreads” elevados e inibição da economia real
É importante ressaltar também a enorme distância existente entre as margens de redução da SELIC e o custo efetivo do crédito no balcão dos bancos. Durante algumas semanas no mês de abril, o governo fez um grande alarde a respeito da utilização do Banco do Brasil (BB) e da Caixa Econômica Federal (CEF) para forçar uma redução das taxas de juros cobradas pelos bancos privados. Apesar dos avanços obtidos naquele momento, o fato é que as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras continuam sendo absurdas. O próprio Ministro Mantega ensaiou algumas críticas no mês de maio aos elevadíssimos “spreads” praticados pela banca privada, mas depois o assunto foi, aos poucos, sendo deixado de lado. Há poucos dias, um levantamento mostrou que as taxas exigidas, por exemplo, no saldo negativo de cartão de crédito chegam a 323% anuais – uma loucura para uma instituição financeira que capta recursos a 8% ao ano. Os custos dos empréstimos para pessoa física e pessoa jurídica continuam elevados, com a conseqüente redução no ritmo de consumo corrente das famílias e dos investimentos empresariais. Outro fato que chama bastante a atenção é a passividade do Banco Central no tratamento da questão. Dada sua condição de órgão fiscalizador e regulador do sistema financeiro, aquela instituição tem a obrigação de adotar medidas para evitar esse tipo de abuso de poder econômico por parte dos bancos privados. Mas, infelizmente, nada é feito a respeito.
Diante desse quadro, apesar da queda na SELIC, o ritmo dos investimentos realizados pelo setor privado não avançam muito. O quadro de incertezas face à natureza assustadora da crise internacional contribui também para tal passividade. Os potenciais iniciadores de novos empreendimentos entram em uma espécie de compasso de espera, “esperando prá ver como é que fica”. O resultado desse conjunto de fatores é que a economia brasileira não deslanchou como poderia e como se esperava. Como o setor público não foi chamado a atuar de forma mais incisiva, as políticas de contenção de despesas ainda apresentam seus efeitos negativos. Assim, as projeções iniciais de crescimento do PIB para o ano de 2012 foram definhando a cada novo mês.
PIB de 2012: previsões cada vez piores
No final de 2011 e início desse ano, o governo adotava o discurso uníssono em torno da necessidade de superar a debilidade do ano passado e recuperar a trilha da atividade econômica consistente com as necessidades do País. A previsão oficial era de um crescimento do PIB de 4,5%. Essa era a meta constante na Lei de Diretrizes Orçamentárias, na Lei do Orçamento Anual e em todos os documentos governamentais. No entanto, pouco a pouco, a dinâmica da economia real passou a demonstrar que as expectativas do governo não lograriam se concretizar. A observação periódica do desempenho dos principais indicadores econômicos obrigava a uma revisão da meta, pois o próprio governo não contribuía com sua parte – promovia redução de gastos públicos e confiava cegamente no sucesso da caracterização do “bom-mocismo” da austeridade fiscal rigorosa.
A realidade não tardou a apresentar seus resultados. A economia rateava e o crescimento efetivo ficaria mesmo bem distante do almejado. Em maio desse ano o Ministério da Fazenda acaba cedendo às evidências: o segredo de polichinelo foi revelado e a meta oficial foi reduzida para 4%. Logo depois, o próprio Banco Central, que trabalhava com uma meta ainda menor de 3,5%, também acaba sendo obrigado a se render à realidade dos fatos. E reajusta sua meta de crescimento do PIB para 2,5%. Tendo já passado mais da metade do ano, as previsões podem ser feitas com mais segurança e muitas delas já trabalham com a hipótese de apenas 2%. Em síntese, um desempenho muito abaixo do possível e do necessário.
Mais uma vez o Brasil perde a oportunidade de dar um passo importante no caminho de aprofundar o desenvolvimento econômico. Enquanto os países do grupo dos BRICs continuam a crescer, aqui em nossas terras deveremos fechar o biênio 2011/12 com uma média anual de apenas 2,3% para o crescimento do PIB. A China deverá chegar a 8,4%, a Índia a 6,3% e a Rússia a 3,9%. Ou seja, todos bem acima de nosso fraco desempenho. E por aqui agora a situação deverá ficar ainda mais complicada, pois é sabido que a capacidade arrecadadora do Estado depende do nível da atividade econômica. Crescimento baixo significa queda na receita obtida com os tributos.
Uma das lições que ficam é que não basta apenas baixar a taxa oficial de juros. O governo deve atuar de forma mais incisiva para reduzir o custo efetivo dos empréstimos, de maneira a evitar o alto endividamento das famílias e estimular os novos empreendimentos. Por outro lado, é essencial romper a lógica financista do superávit primário e retomar a iniciativa dos investimentos públicos de forma a assegurar os níveis da demanda agregada, por meio da geração de emprego e do aumento da renda. Continuar com a política ilusionista e subserviente de fazer apenas agrados e afagos ao grande capital privado nacional e multinacional não tem resolvido a questão. Não podemos depender apenas das decisões desses grupos, pois está mais do que demonstrado que eles não se movem apenas pela sedução tentadora proporcionada por algumas benesses oferecidas pelo Estado.
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