A Flip e a Geração Subzero
Por Felipe Pena, do Jornal do Brasil.
As coletâneas costumam ser pretensiosas e elitistas. Na Flip
deste ano, por exemplo, a revista Granta teve a pretensão de apresentar os
vinte melhores autores brasileiros com menos de quarenta anos em uma coletânea
de contos destinada ao público externo. Mas que critérios definem os melhores?
E quem define esses critérios? Figurinhas carimbadas pela “mídia especializada”
e referendadas pelas panelas literárias levam vantagem nessa escolha?
Talvez a atitude mais honesta seja assumir que a escolha é
pessoal, como fez o crítico Nelson de Oliveira, organizador do livro Geração
00, que, ainda assim, manteve o caminho da pretensão ao tentar reunir os
melhores autores de uma década. E que também foi elitista, pois prevaleceram os
escritores cuja prosa se aproxima da elipse, da referência intelectualizada, da
erudição construída, do beneplácito da crítica, da receita caseira que apregoa
que a literatura é para poucos. E os poucos são eles próprios.
Esses autores não estão preocupados com os leitores, mas
apenas com a satisfação da vaidade intelectual, baseando suas narrativas em
jogos de linguagem que têm como objetivo demonstrar uma suposta genialidade. É
estranho que boa parte deles manifeste preocupações sociais e tendências
políticas progressistas em suas entrevistas, enquanto suas práticas
profissionais os levam a uma torre de marfim representada por feiras e
festivais que os mitificam como ícones da literatura para aqueles que também se
enxergam como elite.
Felizmente, há uma massa de leitores no país que ignora essa
tentativa de forjar novos cânones para a literatura. É um público que se
preocupa apenas com o prazer da leitura, com a relação afetiva com o livro, com
as reflexões que uma história bem contada pode provocar e com a socialização
dessas histórias e dessas reflexões. Sim, a socialização, pois aquele que tem
prazer na leitura sempre recomenda o livro ao amigo mais próximo.
É para esse leitor que foi organizada a coletânea Geração
Subzero, a ser lançada na Off Flip, neste sábado (só poderia ser no circuito
OFF mesmo, cuja tradução mais fiel é FORA). São vinte autores congelados pela
“crítica especializada”, mas adorados pelo público. O livro não é uma
antologia. Os contos e autores não têm a pretensão de figurar entre os melhores
de sua geração ou estilo (bem diferente da revista Granta). Tampouco foram
escolhidos exclusivamente pelo organizador da obra, que apenas observou os
nomes comentados em redes sociais, blogs, salas de aula e grupos de discussão
cujo objeto era simplesmente o prazer da leitura, além de ouvir os signatários
do Manifesto Silvestre, um documento que defende o entretenimento como conceito
de valor na literatura.
Todos os autores reunidos no livro cederam seus direitos
autorais para a ONG Ler é dez, leia favela, que forma leitores no Complexo de
favelas do Alemão, no Rio de Janeiro. Como Silvestre da Silva, personagem de
Camilo Castelo Branco no livro Coração, cabeça e estômago, os escritores da
Geração Subzero colocam a cara na vidraça e esperam pelas pedras e flores.
Mais
pedras do que flores.
Os trocadilhos vão causar indigestão e os
intelectualismos, cefaleia.
Mas o coração não será atingido.
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