O Estado de S.Paulo, Editorial.
É decerto do interesse do Brasil receber os impostos sobre
quantias transferidas por seus cidadãos ou empresas para paraísos fiscais. Mas
não da forma como propõe a Suíça. Em entrevista a Jamil Chade, correspondente
do Estado em Genebra, a presidente da Confederação Suíça, Eveline
Widmer-Schlumpf, propôs um acordo fiscal ao Brasil, a exemplo dos que seu
governo já concluiu com a Áustria e o Reino Unido, pelo qual os bancos suíços
em que brasileiros tiverem conta remetam de volta os impostos incidentes sobre
os depósitos lá efetuados, mantendo, no entanto, sigilo absoluto sobre o total
das contas e os nomes de seus titulares. Encerrando-se aí as pendências, isso
significaria que o País renunciaria a seu direito de processar os depositantes
por lavagem de dinheiro e sonegação de impostos e desistiria de tentar
recuperar recursos públicos desviados.
Ou seja, o País trocaria uma certa receita por um indulto
àqueles que infringiram a lei, o que representaria, na verdade, um incentivo à
corrupção. Quem conseguir transferir para a Suíça dinheiro sujo, teria a
segurança de que o máximo que lhe poderia acontecer é ter parte dele devolvida
a título de pagamento de impostos.
Por meio desse esquema, o governo da Suíça estaria
procurando fugir de uma regulamentação internacional sobre os paraísos fiscais,
pela qual o Grupo dos 20 (G-20) vem pressionando. Eveline Widmer-Schlumpf, que
é também ministra das Finanças, disse que já discutiu a ideia com o ministro da
Fazenda, Guido Mantega, em janeiro deste ano, durante o Fórum Econômico
Mundial, em Davos, e que pretende voltar à carga em setembro durante a reunião
do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Tóquio. Encarando
o tema sob o ponto de vista estritamente financeiro, a presidente suíça
considera que "será um acordo que trará ganhos para ambos os lados. Não
queremos dinheiro de pessoas que não tenham pago os seus impostos".
Seria uma proposta construtiva, se não ignorasse os aspectos
jurídicos e morais da questão. Não há no Brasil impedimentos legais para que
pessoas físicas ou jurídicas transfiram recursos para contas no exterior. Mas,
naturalmente, se essas remessas forem processadas por bancos, devem ser informadas,
a depender de seu valor e frequência, ao Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf). Além disso, devem constar das declarações de renda, com
especificação da origem dos recursos, estando sujeitas à tributação. Assim, as
transferências feitas de acordo com a lei não configuram evasão fiscal.
Esse não é o caso, porém, do fluxo de recursos para fora do
País proveniente de atividades ilícitas, especialmente do narcotráfico e do
desvio de recursos públicos. Segundo o Banco Central da Suíça, os bancos
daquele país têm depósitos de brasileiros da ordem de US$ 6 bilhões, valor que,
segundo fontes do mercado, poderia ser apenas a ponta de um iceberg. Tantas
fortunas surgiram de repente no Brasil que bancos suíços têm funcionários que
falam português.
Celebrar um acordo para receber impostos sobre esse
dinheiro, legalizando-o, seria totalmente inaceitável sob o ponto de vista da
moralidade pública, que impõe uma luta incessante contra a corrupção e contra o
crime organizado, fonte também de muitos recursos depositados no exterior.
Tanto num caso como no outro, se esse dinheiro saiu do Brasil, não foi
propriamente para fugir ao pagamento de impostos. Embora a carga fiscal aqui
seja pesada, os altos rendimentos proporcionados por aplicações financeiras
normais podem compensá-la. Na Suíça, além de juros muito baixos, os
depositantes pagam taxas pela guarda de seus recursos. O que é difícil para
muitos depositantes estrangeiros é justamente demonstrar a origem legal dos
valores depositados.
Mais sintonizada com a opinião pública no País, a Associação
dos Bancos Suíços, embora não seja contra as tratativas com o Brasil, insiste
em que a prioridade é fechar acordos do gênero com países europeus. A opção do
País só pode ser a de reforçar a luta no G-20 pela transparência e controle do
fluxo internacional de recursos ilícitos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário