Por Carlos Chagas
Existem momentos, raros, na vida de todos nós, em que o tempo parece interromper-se.
O que era, deixou de ser.
O que será, ainda não é.
O passado terminou e o futuro não começou.
O presente, assim, adquire as características do eterno.
As formaturas exprimem esses momentos.
Ao entrar neste auditório, vocês deixaram de ser alunos da unb.
Quando saírem, depois de diplomados, serão jornalistas, publicitários, cineastas - enfim, comunicadores sociais.
Importa, então, aproveitar estes instantes eternos para, pela última vez, em conjunto, praticarmos aquilo que alunos e professor praticaram nos últimos anos.
Vamos continuar questionando.
Vamos cultivar a dúvida.
Vamos erodir as teorias.
Vamos contestar os mitos.
Vamos implodir os modelos.
Vamos desfazer verdades absolutas.
Porque esta é a função primeira do jornalismo:
Opor os fatos às ilusões.
No exercício de nossa profissão, do princípio ao fim, nosso trabalho debe ser pautado pela realidade.
É ela o deus que devemos adorar.
As ilusões, as verdades absolutas, os modelos, os mitos e as teorias, são o demônio que precisamos exorcizar.
Comecemos pelo nosso próprio mundo, a universidade.
Ao contrário do que muitos pretendem, a universidade não é uma simpls matriz produtora de mão de obra para a sociedade.
Jamais, apesar das tentativas, a universidade será reduzida a um forno produtor de pão para o banquete das elites.
É claro que vocês se prepararam para trabalhar nos jornais, nas revistas, no rádio, na televisão, nas agencias de notícias e nas assessorias de imprensa.
Vocês estão preparados para ingressar nesse estranho universo cibernético de sites, blogs, e-mails, portais e equivalentes.
No entanto, muito mais do que preparados para ganhar salários nessa variada gama de atividades e de serviços, vocês estão preparados para questioná-los.
Vocês estão em condições de renová-los, reformá-los e até, se preciso for, de revolucioná-los.
Porque uma universidade não é uma instituição destinada a servir aos detentores do poder, seja esse poder político, econômico, sindical, esportivo, artístico ou cultural.
Uma universidade existe para contestar o mundo á sua volta.
Até para rejeitá-lo, repelí-lo e modificá-lo.
Uma universidade também existe para revolver as entranhas do mundo situado dentro de nós mesmos.
Significa, uma universidade, um centro permanente de não aceitação de postulados, programas, doutrinas e ideologias de qualquer espécie.
Somos, por isso, uma fonte inesgotável de resistência ao que acontece à nossa volta.
Um arquipélago de divergências em meio a um oceano de dúvidas.
Será preciso, assim, de humildade para compartilharmos essa última trincheira de resistência, esse derradeiro refúgio da liberdade.
No ano de 1900, na sordonne, o mais famoso dos catedráticos de física, o professor lipmann, iniciava sua aula inaugural dizendo-se com dó de seus alunos.
Com pena deles porque haviam decidido estudar física.
Poque a física, dizia o catedrático, já estava pronta, acabada, definida e empacotada. Nada mais haveria a descobrir e a pesquisar.
Pobre professor lipmann, que para sorte dele morreu antes de saber da existência de einstein e da teoria da relatividade, da física quântica e de quanta fascinação veio e continuará a vir.
Não é a oportunidade, agora, mas não resisto à tentação de questionar a mais nova das verdades absolutas, o mais cruel dos mitos de nosso tempo, a chamada globalização.
Para uns tantos ingênuos e outro tanto de malandros, globalização significa o fim da história.
Depois da globalização não existe mais nada.
Argumentam esses patetas a prevalência absoluta do capitalismo, só porque o dinheiro consegue circular de um extremo a outro do planeta em questão de segundos, num digitar de teclas.
Fosse assim e globalizado estava o mundo quando o prmeiro troglodita conseguiu dominar o fogo e fez com que sua alfdeia se comunicasse com as outras através de sinais de fumaça, não mais pelos decibéis de sua garganta.
Mas globalizado o mundo não ficou quando nossos ancestrais aprenderam a utilizar o jumento como meio de transporte?
Ou quando os navegadores descobriram o caminho das índias, levando madeira da espanha para o extremo oriente e de lá trazendo especiarias?
Ou globalizados não se sentiram nossos avós quando da invenção do telégrafo?
Quem garante que daqui a cinquenta anos nossos netos não rirão de nossas pretensões globalizantes porque eles, sim, estarão globalizados, trazendo água de venus e minério de marte?
Mas com certeza os netos dos nossos netos rirão deles, porque globalizados aí sim estarão, ao buscar o elixir da longa vida em andrômeda e cérebros descartáveis na ursa maior.
Já me alongo.
Ainda uma referência à universidade, que nos diz respeito diretamente. Outro mito a destruir.
Volta e meia ressurge a campanha contra esse canudo que vocês receberão dentro em pouco. A campanha contra o diploma de jornalista, porque, dizem, o dom de escrever nasce com o indivíduo, não se adquire na universidade.
É a mesma coisa do que permitir ao “seu” manoel, do açougue aqui na esquina, um craque na arte de cortar carne, de tirar costelas e filés, que ele troque o avental pelo jaleco, entre no hospital e vá operar alguém de apendicite.
Ou imaginar que o camelô da rodoviária, um mestre na palavra, que vende tudo o que apresenta em sua bancada, vista a beca e vá defender uma causa no supremo tribunal.
O dom de escrever faz o escritor, e o escritor não está proibido de escrever nos jornais. Apenas o fará como colaborador, não como jornalista.
Porque o jornalista não é nem melhor nem pior do que o escritor. Apenas, é diferente.
Além de saber escrever, para exercer a profissão o jornalista necessita saber editar, diagramar, selecionar, diferenciar estilos e conhecer o mundo á sua volta, até para questioná-lo.
Precisa, o jornalista, de conhecimentos ordenados de história, geografia, sociologia, ética e filosofia, entre outros.
As escolas de jornalismo apresentam falhas e deficiências? Que sejam modificadas, aprimoradas, melhor elaboradas. Jamais extintas.
Se estão formando mais professores de jornalismo do que jornalistas, que se modifiquem seus currículos, mas retirar o sofá da sala para acabar com o adultério, como na velha piada, trata-se um velhaco raciocínio.
O diploma é essencial, expresso pelo que vocês representam aqui, nesta noite: vocês formam um conjunto forjado nos bancos universitários, um conjunto capaz de lutar pela melhoria de seus padrões de vida, tanto quanto pela liberdade da notícia e pela verdade da informação.
É isso que incomoda muita gente.
Chegou a hora de dizer adeus. Mesmo aposentado, é nesta casa que me abrigo, é para esta casa que volto nos momentos permanentes de dúvida.
Afirmo o oposto do que afirmava o professor lipmann. Porque eu invejo vocês.
Vocês enfrentarão desafios e realizarão mudanças muito maiores do que aquelas que tentei realizar e enfrentar.
Não deixo mensagem alguma. Nos anos em que convivemos, espero haver demonstrado que, como vocês, fui e continuo sendo uma fonte permanente de dúvidas.
Ficam apenas algumas exortações:
Rebelem-se contra o preconceito dos que pretendem resumir a vida a um sistema, qualquer que seja esse sistema.
Insurjam-se diante de doutrinas, ideologias ou modelos que apregoam dispor de respostas para todas as perguntas.
Sacudam a poeira da intolerância dos que apresentam o ser humano como mero conjunto químico dotado de inteligência.
Mas, releguem ao lixo da história a afirmação oposta, de que precisamos nos conformar com a injustiça, a fome, a miséria e o sofrimento para recebermos a recompensa na outra vida.
Levantem-se contra a teoria das ditaduras tanto quanto contra a ditadura das teorias.
Cultivem o senso grave da ordem e o anseio irresistível da liberdade.
Creiam, acima de tudo, no poder da razão, porque da razão nasce a liberdade, da liberdade a justiça, da justiça o bem comum, e do bem comum o amor.
O amor, a derradeira oferta do indivíduo à sociedade.
E de um professor aos seus alunos.
Adeus.
O que era, deixou de ser.
O que será, ainda não é.
O passado terminou e o futuro não começou.
O presente, assim, adquire as características do eterno.
As formaturas exprimem esses momentos.
Ao entrar neste auditório, vocês deixaram de ser alunos da unb.
Quando saírem, depois de diplomados, serão jornalistas, publicitários, cineastas - enfim, comunicadores sociais.
Importa, então, aproveitar estes instantes eternos para, pela última vez, em conjunto, praticarmos aquilo que alunos e professor praticaram nos últimos anos.
Vamos continuar questionando.
Vamos cultivar a dúvida.
Vamos erodir as teorias.
Vamos contestar os mitos.
Vamos implodir os modelos.
Vamos desfazer verdades absolutas.
Porque esta é a função primeira do jornalismo:
Opor os fatos às ilusões.
No exercício de nossa profissão, do princípio ao fim, nosso trabalho debe ser pautado pela realidade.
É ela o deus que devemos adorar.
As ilusões, as verdades absolutas, os modelos, os mitos e as teorias, são o demônio que precisamos exorcizar.
Comecemos pelo nosso próprio mundo, a universidade.
Ao contrário do que muitos pretendem, a universidade não é uma simpls matriz produtora de mão de obra para a sociedade.
Jamais, apesar das tentativas, a universidade será reduzida a um forno produtor de pão para o banquete das elites.
É claro que vocês se prepararam para trabalhar nos jornais, nas revistas, no rádio, na televisão, nas agencias de notícias e nas assessorias de imprensa.
Vocês estão preparados para ingressar nesse estranho universo cibernético de sites, blogs, e-mails, portais e equivalentes.
No entanto, muito mais do que preparados para ganhar salários nessa variada gama de atividades e de serviços, vocês estão preparados para questioná-los.
Vocês estão em condições de renová-los, reformá-los e até, se preciso for, de revolucioná-los.
Porque uma universidade não é uma instituição destinada a servir aos detentores do poder, seja esse poder político, econômico, sindical, esportivo, artístico ou cultural.
Uma universidade existe para contestar o mundo á sua volta.
Até para rejeitá-lo, repelí-lo e modificá-lo.
Uma universidade também existe para revolver as entranhas do mundo situado dentro de nós mesmos.
Significa, uma universidade, um centro permanente de não aceitação de postulados, programas, doutrinas e ideologias de qualquer espécie.
Somos, por isso, uma fonte inesgotável de resistência ao que acontece à nossa volta.
Um arquipélago de divergências em meio a um oceano de dúvidas.
Será preciso, assim, de humildade para compartilharmos essa última trincheira de resistência, esse derradeiro refúgio da liberdade.
No ano de 1900, na sordonne, o mais famoso dos catedráticos de física, o professor lipmann, iniciava sua aula inaugural dizendo-se com dó de seus alunos.
Com pena deles porque haviam decidido estudar física.
Poque a física, dizia o catedrático, já estava pronta, acabada, definida e empacotada. Nada mais haveria a descobrir e a pesquisar.
Pobre professor lipmann, que para sorte dele morreu antes de saber da existência de einstein e da teoria da relatividade, da física quântica e de quanta fascinação veio e continuará a vir.
Não é a oportunidade, agora, mas não resisto à tentação de questionar a mais nova das verdades absolutas, o mais cruel dos mitos de nosso tempo, a chamada globalização.
Para uns tantos ingênuos e outro tanto de malandros, globalização significa o fim da história.
Depois da globalização não existe mais nada.
Argumentam esses patetas a prevalência absoluta do capitalismo, só porque o dinheiro consegue circular de um extremo a outro do planeta em questão de segundos, num digitar de teclas.
Fosse assim e globalizado estava o mundo quando o prmeiro troglodita conseguiu dominar o fogo e fez com que sua alfdeia se comunicasse com as outras através de sinais de fumaça, não mais pelos decibéis de sua garganta.
Mas globalizado o mundo não ficou quando nossos ancestrais aprenderam a utilizar o jumento como meio de transporte?
Ou quando os navegadores descobriram o caminho das índias, levando madeira da espanha para o extremo oriente e de lá trazendo especiarias?
Ou globalizados não se sentiram nossos avós quando da invenção do telégrafo?
Quem garante que daqui a cinquenta anos nossos netos não rirão de nossas pretensões globalizantes porque eles, sim, estarão globalizados, trazendo água de venus e minério de marte?
Mas com certeza os netos dos nossos netos rirão deles, porque globalizados aí sim estarão, ao buscar o elixir da longa vida em andrômeda e cérebros descartáveis na ursa maior.
Já me alongo.
Ainda uma referência à universidade, que nos diz respeito diretamente. Outro mito a destruir.
Volta e meia ressurge a campanha contra esse canudo que vocês receberão dentro em pouco. A campanha contra o diploma de jornalista, porque, dizem, o dom de escrever nasce com o indivíduo, não se adquire na universidade.
É a mesma coisa do que permitir ao “seu” manoel, do açougue aqui na esquina, um craque na arte de cortar carne, de tirar costelas e filés, que ele troque o avental pelo jaleco, entre no hospital e vá operar alguém de apendicite.
Ou imaginar que o camelô da rodoviária, um mestre na palavra, que vende tudo o que apresenta em sua bancada, vista a beca e vá defender uma causa no supremo tribunal.
O dom de escrever faz o escritor, e o escritor não está proibido de escrever nos jornais. Apenas o fará como colaborador, não como jornalista.
Porque o jornalista não é nem melhor nem pior do que o escritor. Apenas, é diferente.
Além de saber escrever, para exercer a profissão o jornalista necessita saber editar, diagramar, selecionar, diferenciar estilos e conhecer o mundo á sua volta, até para questioná-lo.
Precisa, o jornalista, de conhecimentos ordenados de história, geografia, sociologia, ética e filosofia, entre outros.
As escolas de jornalismo apresentam falhas e deficiências? Que sejam modificadas, aprimoradas, melhor elaboradas. Jamais extintas.
Se estão formando mais professores de jornalismo do que jornalistas, que se modifiquem seus currículos, mas retirar o sofá da sala para acabar com o adultério, como na velha piada, trata-se um velhaco raciocínio.
O diploma é essencial, expresso pelo que vocês representam aqui, nesta noite: vocês formam um conjunto forjado nos bancos universitários, um conjunto capaz de lutar pela melhoria de seus padrões de vida, tanto quanto pela liberdade da notícia e pela verdade da informação.
É isso que incomoda muita gente.
Chegou a hora de dizer adeus. Mesmo aposentado, é nesta casa que me abrigo, é para esta casa que volto nos momentos permanentes de dúvida.
Afirmo o oposto do que afirmava o professor lipmann. Porque eu invejo vocês.
Vocês enfrentarão desafios e realizarão mudanças muito maiores do que aquelas que tentei realizar e enfrentar.
Não deixo mensagem alguma. Nos anos em que convivemos, espero haver demonstrado que, como vocês, fui e continuo sendo uma fonte permanente de dúvidas.
Ficam apenas algumas exortações:
Rebelem-se contra o preconceito dos que pretendem resumir a vida a um sistema, qualquer que seja esse sistema.
Insurjam-se diante de doutrinas, ideologias ou modelos que apregoam dispor de respostas para todas as perguntas.
Sacudam a poeira da intolerância dos que apresentam o ser humano como mero conjunto químico dotado de inteligência.
Mas, releguem ao lixo da história a afirmação oposta, de que precisamos nos conformar com a injustiça, a fome, a miséria e o sofrimento para recebermos a recompensa na outra vida.
Levantem-se contra a teoria das ditaduras tanto quanto contra a ditadura das teorias.
Cultivem o senso grave da ordem e o anseio irresistível da liberdade.
Creiam, acima de tudo, no poder da razão, porque da razão nasce a liberdade, da liberdade a justiça, da justiça o bem comum, e do bem comum o amor.
O amor, a derradeira oferta do indivíduo à sociedade.
E de um professor aos seus alunos.
Adeus.
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