Por Nizan Guanaes, da Folha
Nosso lugar no pódio. . .
Escrevo emocionado do estádio de Wembley, uma das grandes
catedrais do mundo, como a de Notre-Dame ou a de São Pedro. Até uma anta
futebolística como eu sente o peso do lugar, que, mesmo reformado como o
Maracanã, será sempre o histórico Wembley.
Tudo numa Olimpíada é carregado de significado. A glória e a
derrota: entramos na historia e saímos dela em frações de segundos.
Ver Michael Phelps conquistar a 18ª medalha de ouro é estar
num momento do século que não passará. E há muito de shakespeariano no choro de
Rebecca Adligton, de quem a Inglaterra esperava mais ouro neste ano e que terá
de remoer seus bronzes pela vida inteira. A trama era digna de Glória Perez: a
feia e simpática inglesa disputando com uma italiana sensual que posou nua para
a "Vogue". Só que Lady Gold virou as costas para as duas favoritas,
num enredo superado apenas por Carminha e Nina.
Esporte é novela, teledramaturgia pura, reality show de alto
nível.
Rezo apenas para que o Brasil --nosso povo, nossos
governantes em todos os níveis, nossos empresários grandes, médios e pequenos--
entenda que agora é a nossa hora.
A mais difícil e a mais bela. Como diria Churchill, "our finest
hour".
Terei 56 anos na nossa Copa e 58 na Olimpíada. Os dois
eventos formam oportunidade única de o Brasil assumir o lugar que já é dele. A
questão desses tempos é ser e não ser. Não basta ser, você tem de ser
percebido.
O Brasil melhorou muito nos últimos três governos. Mas nossa
história não pode ser contada pelos mercados e por seus interesses. Ela tem de
ser contada por nós, "we, the people", como lindamente escreve a
Carta americana.
Temos de cuidar de nossos interesses e de como nossos
filhos, nossas empresas, nossos produtos, nossos livros e nossa arte são
percebidos no mundo neste século. E este século pode ser nosso.
Digo isso não por megalomania. Não precisamos dominar o
mundo, mas podemos encantá-lo. O Brasil tem tudo para ser a "soft"
potência do século. O que não pode acontecer agora é a montanha parir um rato.
Nestes próximos quatro anos, todos os olhos do mundo estarão voltados para nós.
Não é hora de "forfait". É hora de brio, de amor próprio, de sangue
nos olhos.
É preciso ter senso de história. A velhinha inglesa que se
despede de nós depois de um dia de sol e de um anoitecer gelado tem isso no seu
dedicado sorriso de voluntária da Olimpíada. A Inglaterra, que de história
entende bem, até escalou sua rainha de 86 anos para brilhar como "Bond
girl" neste mundo midiático.
A discussão sobre ser o dinheiro da Copa ou da Olimpíada
mais bem usado na saúde ou na educação é uma discussão mal posta. Dinheiro mal
usado é mal usado em qualquer lugar. Se usarmos esse dinheiro apenas para
sediar dois eventos, sem dúvida o custo será maior que o benefício. Mas o Rio
de Janeiro, o Estado e a cidade, já está usando a Olimpíada para se posicionar
como marca, lugar de negócios, sociedade e destino.
Estou em Londres a convite de um dos patrocinadores da Olimpíada,
a revista "Fortune", que realizou um dos muitos eventos empresariais
paralelos. Tudo foi bancado com o dinheiro chinês da municipalidade de
Changdun, onde ocorrerá o próximo fórum global da revista, com a presença do
líder chinês e dos maiores empresários do mundo, ou seja, enquanto a bola ou o
cronômetro correm, a grana corre também.
É um jogo grande, e o Brasil entrou nele por conta própria.
Volto feliz do evento sob a lua cheia de Londres, e o "dean" da
Harvard Business School, que participou do fórum da "Fortune", com
sorriso maroto e cabeça brilhante, me diz: "It's you, guys, in four
years", e todos os olhos do ônibus se dirigem a mim.
Meus amigos e inimigos, ninguém mais é uma pessoa. Agora
somos todos um país. Se um de nós em Santa Catarina ou na Bahia atropelar um ciclista
francês, o Brasil terá atropelado um ciclista francês. Os olhos do mundo
estarão postos em nós.
Cheios de curiosidade, de preconceito e de inveja.
Não é hora de amarelar nem de ser soberbo. Nem de vir com
burrice, achando que se trata de jogo de futebol ou de vôlei. O que está em
jogo é a evolução do país das commodities para o do valor agregado.
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