Incluo-me entre os céticos com as celebrações dezembrinas, principalmente o Natal, esse simulacro nórdico, um sincretismo importado e deslocado que esteriliza nossas originalidades.
Se ainda fosse o Saci-pererê a distribuir presentes montado na mula sem cabeça, ou aquele outro velhinho barbudo sorridente, o Papai Lula, atrás de nova função que lhe permita dar alegria a milhões de brasileiros.
O que gosto nesta ditadura do calendário é que ela nos força à reflexão: qual o saldo do ano que passou e quais as metas do vindouro.
Atolados no presente da agenda intensa, parar alguns dias para fazer esse balanço e pular ondinhas pode trazer entendimentos e planejamentos inusitados, um exercício a ser sorvido com a calma do feriado prolongado ou no luxo de férias de verão.
Daqui da praia, com essa brisa atlântica que refresca a cara do país, sinto o clima de felicidade e confiança nunca sentido nas décadas que tenho de Brasil. Você conhece algum brasileiro que piorou de vida neste ano?
2010 marca o fim do ciclo FHC-Lula, que empoderou na sequência dois líderes de extrema capacidade e inteligência, luminares de seus grupos políticos (que deveriam agora, pós-tudo, tentar aproximá-los).
Foi uma era complementar de 16 anos que acaba em pleno emprego, moeda forte, mercado interno robusto, recorde de exportações, crédito crescente, investimentos crescentes, projeção global, democracia consolidada, estabilidade consensual, confiança, explosão imobiliária. Escolha o índice.
Não vou aqui ser completamente Poliana (só um pouquinho, que é gostoso e inédito).
Temos problemas enormes: corrupção desembestada, lacunas estruturais, carga tributária terrível, insegurança pública, insuficiência educacional, fragilidade jurídica etc. Mas também não vamos fazer como alguns balanços de fim de governo que se viu por aí, destacando esses problemas e tratando quase como apêndice o fato de que dezenas de milhões de brasileiros melhoraram de vida, descobriram sentido e orgulho na brasilidade.
O personalismo e a soberba de Lula (essa de batizar o maior campo do pré-sal com o seu nome foi demais), aliados à ganância despudorada e ilegal que mancha a política nacional, dificultam a justa apreciação deste governo de mais poucos dias. Mas fico feliz ao ler que outros não-petistas chegam à mesma conclusão que eu, manifesta aqui há mais de ano, de que Lula é até agora o maior presidente que o país já teve.
O Brasil estava destinado à grandeza desde o berço, diz o hino, mas burrice e imaturidade incrementais impediram a realização mínima desse potencial.
16 anos de estabilidade político-econômica e consenso em torno das regras básicas do capitalismo mudaram a cara e o espírito do país. A democracia brasileira vingou com a inteligência erudita de FHC e a inteligência intuitiva de Lula.
FHC trouxe ordem e estrutura ao caos. Lula mostrou o caminho dentro dessa ordem. E o caminho do Brasil sempre foi óbvio: envolver e incluir na prosperidade a enorme massa excluída desde a colônia. Nunca teríamos começado a realizar nosso potencial se a maioria de nós seguisse vivendo às margens da produção e do consumo.
Isso é tão lógico quanto óbvio, mas precisamos de um retirante miserável no poder para dar urgência e prioridade ao ululante. Lula sabia como nenhum outro dirigente brasileiro das necessidades dessa massa e como era indispensável envolvê-la no desenvolvimento. Suas políticas sociais, sua valorização do salário mínimo e do emprego, seu controle da inflação abriram as portas do mercado a dezenas de milhões de novos cidadãos, e cidadania, hoje, é consumo.
Na campanha eleitoral deste ano vimos como é profundo o entendimento de que o consenso é forte, popular, seminal. Nenhum candidato relevante ameaçou o modelo atual, muito pelo contrário.
Ao governo que entra todo o apoio para que melhore ainda mais as condições econômicas e sociais do país. O incremental está dado. Nossas deficiências expostas são o mapa do caminho. O desenvolvimento virá do enfrentamento de questões mapeadas.
Sérgio Lima/Folhapress |
Ensaio da cerimônia de posse da presidente Dilma Rousseff |
E depois do primeiro presidente pobre, a primeira presidente mulher pode também surpreender. (Já foi emocionante ver o ensaio da posse, com aquela dublê de presidente solitária de pé no conversível escoltada por seguranças mulheres correndo. O país de chuteiras virará o país de saias?)
O ciclo FHC-Lula acaba com o Brasil confiante como nunca.
2010 foi um ano memorável que encerrou uma década transformadora.
2011 tem tudo para iniciar uma década ainda melhor. 2014 tem Copa, 2016, Olimpíadas.
Feliz Brasil Novo para você.
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