quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A CRISE DENTRO DA CRISE

Sérgio Paulo Muniz Costa, do Jornal do Brasil.
Não está clara, por enquanto, a causa imediata da crise no Egito, mas pode-se dizer, com alguma segurança, que, mesmo sobrevivendo à revolta popular dos últimos dias, Mubarak não deverá ter uma sobrevida política muito longa. O Egito não é Tunísia, nem o Líbano, nunca é demais repetir. O que se passa ali está sendo acompanhado pelos diversos atores na região, dispersos num leque que vai dos americanos aos iranianos, passando pelo governo brasileiro, um dos novos players. É natural que ressurja nessas circunstâncias o fantasma da revolução iraniana, porém é improvável que aconteça ali uma ruptura nos moldes da ocorrida no Irã em 1979. Uma crise política que alcança as ruas com tamanha intensidade sempre provoca temores de uma mudança de governo, ou mesmo de regime, que ameace a tênue paz interestatal no Oriente Médio. Mas uma queda de homem forte no Egito, ou um novo arranjo de poder no país, não significa necessariamente o rompimento da paz com Israel.A crise, é claro, já fez amplos estragos, com rachaduras no sistema de contenção do Hamas na Faixa de Gaza, a perda de cacife do mediador que vinha sendo o Egito na questão palestina e uma crescente ansiedade israelense. O pano de fundo do levante popular é a estagnação social, política e econômica que o regime não consegue superar, porém é difícil acreditar que a sua substituição nessas circunstâncias promova uma democracia estável que oportunize mudanças reais. Com ou sem Mubarak, o regime tentará uma maquiagem de reformas. Se derrubado, abrem-se as opções para a oposição laica, aparentemente fraca, ou para o fundamentalismo religioso, cuja força política no Egito é difícil estimar.O Exército é o fiel da balança e tudo tende a tomar o rumo para o qual ele se incline. Os choques entre polícia e militares, alguns episódios de confraternização entre tropa e manifestantes, bem como a tensão com o alto comando indicam a possibilidade de um golpe militar, que tanto pode degenerar em caos ou favorecer a estabilização do regime. Mas as peças estão sendo movidas, pois nas últimas horas parece que o governo está queimando os últimos cartuchos para suprimir os protestos, a partir de algum acordo entre os principais agentes da crise que está se desenrolando por trás da crise das ruas.  Os telefonemas internacionais para o líder egípcio e apelos por uma “transição ordeira” são o sinal de que a sucessão de Mubarak já foi desencadeada. Esta é a crise do momento, aguda no seio da conturbação que tomou conta do país. Se deste desenlace vier a superação da crise mais ampla que lavra nas principais cidades, aí estará uma boa pista sobre a verdadeira causa do levante. No intrincado jogo de poder do Oriente Médio, quais as consequências de um processo de sucessão no Egito - um país central do mundo árabe muito diferente da Arábia Saudita – conduzido em termos familiares e sem apoio político e militar?  Estamos diante de uma antecipação ou de uma precipitação de fatos? Tudo é sucessão? Resolvida esta, resolve-se tudo, por ora? Essas são algumas das perguntas relevantes para a conformação do futuro da região.* Historiador. Foi delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de assessoria da OEA para assuntos de segurança hemisférica.

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