Uma confissão: a viagem da presidente Dilma a Cuba me faz sentir “inveja de política externa”. Como historiadora e analista política que vem viajando à ilha e escrevendo sobre ela há 25 anos, já teci fantasias sobre ter a oportunidade de assistir a meu próprio presidente fazer uma viagem dessas.
Mas, nos EUA, a ideia de que eleitores e financiadores de campanhas cubano-americanos puniriam um presidente que fosse longe demais nos leva a ignorar as transformações monumentais, embora lentamente implementadas, advindas sob Raúl. Perda nossa, ganho do Brasil.
Quando primeiro decidi escrever uma coluna sobre a viagem de Dilma a Cuba, imaginei que eu falaria sobre o teor das reformas econômicas, sociais e políticas -empresas privadas, acúmulo de capital e produtividade agora são coisas patrióticas, e não contrarrevolucionárias- abrangidas no eufemismo governamental sobre “atualização do socialismo cubano”.
Mas, quando uma jornalista de uma séria agência de notícias internacional me telefonou para falar sobre a visita, ela me surpreendeu ao apresentá-la, como a imprensa brasileira vem fazendo, como um teste da política de direitos humanos de Dilma.
Após um ano na Presidência, Dilma vem lentamente, e com alguns desvios incômodos, assinalando a intenção de fazer dos direitos humanos uma parte de sua agenda nacional e internacional.
Em Cuba, porém, não são o blog de Yoani Sánchez nem a comparação autoelogiosa e historicamente falsa que ela traçou com Dilma na juventude que merecem atenção ou são medidas de avanço dos direitos humanos.
Os tuítes dela não se comparam às críticas aguçadas e profundamente focadas ao governo que podem ser encontradas, por exemplo, em nada menos que o site da Arquidiocese de Havana, www.espaciolaical.org.
Ali, uma gama inusitada e ideologicamente diversificada de vozes critica o governo, a burocracia e o Partido Comunista por sua opressão desumanizadora dos cidadãos cubanos. As críticas não medem palavras, mas sua intenção é serem construtivas, e não histriônicas -escritas no espírito de uma oposição leal, nacionalista.
A Igreja Católica não é a única outra voz ativa no país, mas sua voz, e a de numerosos outros acadêmicos, figuras culturais e jornalistas, torna obrigatório perguntar “o que significa a dissidência na Cuba de Raúl? E qual seria a melhor maneira de potências externas apoiarem o movimento em Cuba em direção a uma sociedade e economia abertas?”.
O “diálogo político” que o ministro Patriota e a presidente Dilma pretendem realizar com Cuba, além da geração de empregos (o porto de Mariel) e os primeiros passos em direção ao aumento do comércio e dos investimentos, tem muito mais chances de reforçar transformações positivas do que se poderia conseguir brincando de favorito com este ou aquele “dissidente”.
Nos EUA já tivemos mais de um século de experiência tentando e não conseguindo identificar vencedores na política interna cubana.
Se não posso ter meu presidente em Havana, permita-me a liberdade de oferecer uma sugestão não solicitada a Dilma: falar com Raúl sobre opções para a imprensa brasileira abrir sucursais em Havana em tempo para a viagem do papa Bento 16, em março.
A cobertura das transformações na ilha e das vozes que fazem parte dela só poderá ajudar a vocês e seu público, no momento em que o Brasil se abre para Cuba e Cuba se abre para o Brasil. E talvez também ajudar Washington a ver Cuba além de sua política doméstica.
*Julia Sweig é diretora do programa de América Latina e do Programa Brasil do Council on Foreign Relations, autora de “Inside the Cuban Revolution” e “Cuba: What Everyone Needs to Know”, e escreveu para a ‘Folha’.
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