quinta-feira, 24 de maio de 2012

A PIGARRA TUCANA

Por Saul Leblon, na Carta Maior. 
É  um velho truque do conservadorismo brasileiro reiterado ao longo da história: quando a raiz dos problemas repousa nas entranhas de seu aparelho administrativo ou no descaso histórico com as prioridades da população, desfralde-se a bandeira udenista da sabotagem perpetrada por 'agitadores'. 

A lenga-lenga exala naftalina e remete ao linguajar pré-golpe de 64, mas encontra em São Paulo 71 quilômetros de motivações para ser ressuscitada com regularidade suíça pela pigarra do PSDB. Nessa rede escandalosamente saturada e curta do metrô --inferior a da cidade do México, por exemplo, com 200 kms-- os registros de panes, acidentes e interrupções tem exibido frequência preocupante: só este ano foram 143 ocorrências, média de uma por dia. 
Na 4ª feira, a pigarra conservadora aproveitou a greve salarial dos metroviários para isentar a gestão temerária por trás dos transtornos renitentes. A narrativa é a de um 'jornal da tosse'; gargantas raspando pastilhas Walda emitem denúncias de sabotagem e insinuam 'incêndios do Reichstag' de olho nas eleições municipais. Agitadores conturbam o ambiente da metrópole; não fosse isso, os serviços públicos tucans deslizariam no azeite fino de oliva. 
O 'jornal da tosse' por definição é pouco informativo: faltam-lhe pernas para driblar números adversos. Em 2011, o governador Alckmin investiu R$ 1,2 bi dos R$ 4,5 bilhões previstos para a expansão do metrô e não deixou por menos na ponta ferroviária: as compras de trens caíram à metade.
No conjunto do sistema o recuo do investimento foi da ordem de 20% sobre 2010. A média tucana de expansão dos trilhos tem sido de 2,35 kms/ano. Significa que nas mãos do PSDB a rede precisará de cinco décadas para se equiparar a do México. 
O 'jornal da tosse' passa ao largo dessas minças que fazem do metrô de São Paulo o sistema de transporte mais saturado do mundo, com 11,5 milhões de passageiros/por km. Seu forte é a frase lacerdista. Com a palavra, um virtuose na arte, o comentarista da tosse José Serra, que limpa a garganta, ajeita a gengivite e sapeca: "É muito fácil hoje você paralisar o funcionamento de uma linha qualquer. Uma gravata, uma blusa na porta de uma vagão pode provocar [a paralisação]", disse o ex-governador e pré-candidato do conservadorismo ao comando da capital paulista. "Não digo que todas (as ocorrências) foram sabotagem, mas que algumas delas -- com certeza-- têm a ver com isso".(UOL 23-05).
Depois, com uma tossinha matreira o governador Geraldo Alckmin emenda:  "Ano passado não teve eleição, nem nenhuma greve, este ano tem (eleição e greve). Será que é só coincidência?" (UOL, 23-05). 
O 'jornal da tosse' tem uma visão de mundo que o dispensa de atualizar o noticiário. Em setembro de 2010, em plena eleição presidencial, o metrô de São Paulo registrou uma megapane, seguida de protestos com 17 composições apedrejadas. A pigarra tucana emoldurou então a voz do governador em exercício Alberto Goldman, que não perdoou: 'Puseram uma blusa na porta de um vagão paralisando o sistema;isso cheira a sabotagem'. 
Dias depois, perícia do Instituto de Criminalística comprovou que a pane fora causada pelo colapso técnico do metrô paulistano. 'Mas a blusa estava lá', deu de ombros o pigarrento Goldman. Justiça seja feita, a narrativa tucana tem feito esforços de renovação. Soninha Francine, do PPS, incorporou-se à bancada da tosse desde o episódio de 2010, quando era chefe de campanha de Serra na Internet e comentou assim, pelo twitter, o acidente que deixou 250 mil pessoas a pé: "Metrô de Spaulo tem problemas na proporção direta da proximidade com a eleição. Coincidência? #SABOTAGEM #valetudo #medo”.
Bela pigarreada, Soninha. No engavetamento do último dia 16, quando duas composições colidiram numa pane do comando automático, ela reafirmou a disposição de injetar ar fresco no script udenista e dedilhou toda faceira no twitter: "Metrô caótico, é? Não fosse pela TV e o Twitter, nem saberia. Peguei linha verde e amarela; sussa". Convenhamos, 'sussa', num acidente com 143 feridos é uma pérola. A Soninha achou o tom da coisa: conservadorismo fantasiado de Vila Madalena. Essa pigarra leva jeito.

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