quinta-feira, 24 de maio de 2012

Por Carlos Chagas
Ou  terá sido uma palhaçada? O palhaço e seu diretor de cena deixaram o picadeiro do circo, perdão, o plenário da CPI,  cientes de que a platéia voltará às arquibancadas, mas agora  para botar fogo na lona. Um retornou  para a cadeia, outro foi jantar num dos badalados restaurantes de Brasília. A verdade é que devem ter saído  arrependidos do anti-espetáculo encenado durante três horas, na terça-feira.  Já estarão  imaginando o massacre de que não escaparão no próximo depoimento. Não precisava, o Carlinhos Cachoeira, ter sido insolente  como foi, não por alegar  o direito constitucional de ficar calado, mas  pelos   trejeitos orgulhosos e soberbos,  na suposição de estar abafando. Nem o advogado Márcio Thomas Bastos precisava ter distribuído sorrisos de superioridade  sempre que seus olhos cruzavam com  senadores  ou deputados perplexos diante do silêncio presunçoso de seu cliente. Tratou-se de um erro de estratégia do excepcional advogado, a demonstrar que ninguém acerta sempre.
Vão pagar pelo que fizeram e pelo que não fizeram, quando teria sido  muito  mais benéfico para a causa já perdida de ambos, caso um aconselhasse e o  outro obedecesse,  respondendo com abobrinhas e com  humildade  os variados questionamentos dos parlamentares. Pelo contrário, situaram-se num patamar superior, acima do bem e do mal.O resultado foi uma irritação que dificilmente vai desaparecer entre os integrantes da  CPI, agora ávidos da réplica prevista para os primeiros dias de junho. Convocado  outra vez, o bicheiro não deve contar sequer  com a isenção dos inquisidores, prontos para  destruí-lo,  não mais para ouvi-lo, no que parece vir a ser agora  uma questão  pessoal.  
Que o Cachoeira é um bandido, já se sabia. Mas a partir de seu comparecimento  ao plenário da CPI, transformou-se num bandido  condenado à fogueira. Deputados e senadores não pedirão esclarecimentos, da próxima vez em que se confrontarem com ele: vão agredi-lo, desnuda-lo, expô-lo à execração pública. Afinal, foram humilhados,  não lhes faltando  munição para arcabuzá-lo. Réu, o infeliz imaginou poder comportar-se como o  chefe de quadrilha que era. Esqueceu, ou nunca soube,  que  papéis devem ser desempenhados   num tribunal, entre acusados e acusadores...
TODO MUNDO FOI DA RESISTÊNCIA...
Mil anos atrás,  este  que vos escreve deslumbrou-se pela primeira vez com a maravilha  que era e continua sendo Paris. Poucos  anos haviam decorrido do fim da II Guerra Mundial e  nem precisávamos puxar pela memória de  transeuntes,  motoristas de  táxi, garçons de bar, diplomatas,  banqueiros e povão nas ruas.  Antecipavam-se,  tinham  sido todos  da Resistência, nenhum deixava de contar as  ações heróicas de que participara  na luta contra o nazismo. 
Parecia que a França jamais se havia curvado à truculência germânica, que a ocupação fora  mero pretexto para a posterior  distribuição de medalhas e a exaltação do espírito indomável do berço da liberdade.
Ninguém  lembrava de que se não fossem os americanos, os franceses estariam falando alemão até hoje. Aliás, uma das maiores charges da época foi publicada no New York Times, mostrando um De Gaulle imenso e arrogante,  quando expulsou a Otan de seu território, mandando embora um soldadinho dos Estados Unidos e exclamando: “Suma daqui e só volte quando os boches nos invadirem novamente!”
Pois é. Excessos existem de todos os lados. Até violências inomináveis, como a tortura, os seqüestros, os assassinatos e a ocultação de cadáveres, praticados pelos agentes do Estado brasileiro durante a ditadura militar.  Estava certa a presidente Dilma quando lembrou que a Lei da Anistia impede a punição de quantos se envolveram naqueles horrores,  afirmando em seguida   que “não perdoaremos”. 
Só que  tem um problema: durante os anos de chumbo, quantos resistiram? Hoje, parece que foram todos, com o PT à frente, o PMDB, o PSDB, mais a Ordem dos Advogados, a ABI, a CNBB, os operários em massa, toda a classe média, os banqueiros, os empreiteiros, os donos da terra e os sem-terra. Não foi bem assim. Excluindo certas elites que davam sustentação direta  ao regime  e até financiavam os horrores, a grande maioria da população acomodou-se. Ignorou,  propositadamente, as profundas agressões aos direitos humanos e ao esfacelamento das instituições democráticas. À exceção de uns poucos idealistas e de outro tanto de truculentos,  iguaizinhos aos que assolavam a nação, a sociedade conviveu com os generais-presidentes. Ninguém deixou de pular o Carnaval nem de comparecer ao Maracanã ou ao Morumbi para delirar com nosso craques. Disputavam-se  empregos, alimentação, casa própria, família, escolas, universidades e tudo o mais que se disputa  hoje, mesmo sem,  lá e cá, conseguirmos o necessário.
Sendo assim, fica  meio ridículo agora assistir  todo mundo apregoando, e alguns até se locupletando, por terem resistido contra a ditadura militar.  Mais ou menos como os franceses,  na década de Cinqüenta, diziam haver  resistido, enfrentado e vencido o nazismo.  E olhem que nossos  valores são  completamente diferentes.  O Brasil é muito  maior do que seus excessos, suas contradições e seus horrores. Continua aqui, apesar de tudo...

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