Tensão nas grandes alamedas, tensão na memória.
Governo chileno acaba de divulgar nova cifra oficial dos mortos e desaparecidos durante a ditadura do general Augusto Pinochet, que durou de 1973 a 1990: 3.065. Com isso, o total de vítimas – entre presos, seqüestrados, torturados, executados e desaparecidos – chega a 40.018. O anúncio coincide com um período de profundas turbulências enfrentadas pelo primeiro presidente de direita eleito desde o fim da ditadura.
Eric Nepomuceno, na Carta Maior.Como se fosse preciso atualizar a contabilidade do horror, o governo chileno acaba de divulgar uma nova cifra oficial dos mortos e desaparecidos – um neologismo criado na América do Sul para se referir aos assassinados pelo terrorismo de Estado cujos cadáveres sumiram para sempre – durante a ditadura do general Augusto Pinochet, que durou de 1973 a 1990: 3.065. Com isso, o total de vítimas – entre presos, seqüestrados, torturados, executados e desaparecidos – chega a exatos 40.018. Não são contabilizados os exilados, nem os familiares das vítimas.
O número aparece no relatório de 60 páginas entregue ao presidente Sebastián Piñera na quinta-feira, 18 de agosto, por uma comissão integrada por advogados e especialistas em direitos humanos que trabalharam durante um ano e meio com rigor extremo. Tão extremo, que associações de vítimas e familiares protestaram de maneira contundente: dizem ser impossível que, de um total de 32 mil novas denúncias, apenas 9.800 tenham sido consideradas válidas.
O primeiro levantamento sobre vítimas da ditadura chilena começou a ser preparado em 1991, quando foi criada a primeira Comissão da Verdade e Reconciliação. O chamado "Relatório Rettig" limitou-se a contabilizar execuções e desaparições, e chegou a 2.279 pessoas. Em 2003 foi criada a Comissão Valech, que leva o nome do valioso bispo católico que moveu céus e terras para chegar à verdade sobre o terror dos tempos de Pinochet. O objetivo da comissão era ampliar o exame do horror. Num primeiro relatório, chegou-se a 28.459 casos de prisões ilegais, tortura, execuções e desaparecimentos. O religioso morreu durante o trabalho do grupo, que pediu mais prazo para chegar a um segundo relatório esse, cujos resultados foram agora divulgados de maneira discretíssima pelo governo.
O tema é perigoso porque ainda paira entre os militares chilenos um incômodo mal-estar provocado por esse mergulho no passado sombrio do país. E também porque o anúncio coincide com um período de profundas turbulências enfrentadas pelo primeiro presidente de
direita eleito desde o fim da ditadura. Os protestos dos estudantes que se repetem há quase quatro meses desgastaram de maneira cruel a imagem de Piñera. Não há solução à vista, e cresce a cada semana o apoio de amplos setores da população às reivindicações dos jovens, que agora marcham acompanhados por professores, funcionários públicos, donas de casa, profissionais liberais e trabalhadores.
Exigem educação pública gratuita (no Chile, as universidades públicas passaram a cobrar mensalidade na ditadura, e ninguém conseguiu reverter esse quadro; além disso, as universidades privadas, proibidas de ter lucro, ganham milhões graças à subvenção que recebem do Estado), e Piñera não teve idéia melhor que responder a eles dizendo ‘isso, todo mundo quer, mas nada é de graça nessa vida’.
Tudo isso acontece no momento em que se torna cada vez mais claro que o tão decantado modelo chileno, que deveria ser modelo para toda a América Latina – louvado pelos grandes organismos financeiros internacionais, pela direita em geral e pelos defensores do neoliberalismo em particular – revela sua verdadeira face.
Que o Chile vive um auge econômico, ninguém duvida. Mas os que se beneficiam dele estão longe de ser uma parcela ampla da população. Ao contrário: as desigualdades sociais são mais altas que a cordilheira dos Andes, mais evidentes que as montanhas nevadas e mais amplas que as grandes alamedas de Santiago.
De toda a riqueza produzida pelo Chile, 55% ficam nas mãos dos 20% mais ricos da população. Entre 2006 e 2009, a renda dos trabalhadores cresceu 1%. A dos mais ricos, 9%. Em 2006, 13,7% da população vivia na pobreza. Três anos depois, os pobres passaram a ser 15,1% - justamente no período em que a economia mais cresceu.
A estabilidade política fez do Chile o paraíso e a alegria dos investidores estrangeiros. Durante anos, o país foi considerado o mais perfeito modelo das bondades do neoliberalismo.
Ninguém parecia notar os casos de jovens que terminam a faculdade pública e depois levam dez anos pagando o financiamento que receberam para estudar. Ninguém notou o aumento da pobreza, os abismos sociais se abrindo cada vez mais.
É contra isso que os chilenos protestam. E também contra os engodos e miragens de um modelo que começou a ser desmascarado.
Por trás do louvado milagre existe uma verdade: a de uma segregação social perversa e persistente, que agora explodiu e chega às ruas e alamedas de Santiago.
O número aparece no relatório de 60 páginas entregue ao presidente Sebastián Piñera na quinta-feira, 18 de agosto, por uma comissão integrada por advogados e especialistas em direitos humanos que trabalharam durante um ano e meio com rigor extremo. Tão extremo, que associações de vítimas e familiares protestaram de maneira contundente: dizem ser impossível que, de um total de 32 mil novas denúncias, apenas 9.800 tenham sido consideradas válidas.
O primeiro levantamento sobre vítimas da ditadura chilena começou a ser preparado em 1991, quando foi criada a primeira Comissão da Verdade e Reconciliação. O chamado "Relatório Rettig" limitou-se a contabilizar execuções e desaparições, e chegou a 2.279 pessoas. Em 2003 foi criada a Comissão Valech, que leva o nome do valioso bispo católico que moveu céus e terras para chegar à verdade sobre o terror dos tempos de Pinochet. O objetivo da comissão era ampliar o exame do horror. Num primeiro relatório, chegou-se a 28.459 casos de prisões ilegais, tortura, execuções e desaparecimentos. O religioso morreu durante o trabalho do grupo, que pediu mais prazo para chegar a um segundo relatório esse, cujos resultados foram agora divulgados de maneira discretíssima pelo governo.
O tema é perigoso porque ainda paira entre os militares chilenos um incômodo mal-estar provocado por esse mergulho no passado sombrio do país. E também porque o anúncio coincide com um período de profundas turbulências enfrentadas pelo primeiro presidente de
direita eleito desde o fim da ditadura. Os protestos dos estudantes que se repetem há quase quatro meses desgastaram de maneira cruel a imagem de Piñera. Não há solução à vista, e cresce a cada semana o apoio de amplos setores da população às reivindicações dos jovens, que agora marcham acompanhados por professores, funcionários públicos, donas de casa, profissionais liberais e trabalhadores.
Exigem educação pública gratuita (no Chile, as universidades públicas passaram a cobrar mensalidade na ditadura, e ninguém conseguiu reverter esse quadro; além disso, as universidades privadas, proibidas de ter lucro, ganham milhões graças à subvenção que recebem do Estado), e Piñera não teve idéia melhor que responder a eles dizendo ‘isso, todo mundo quer, mas nada é de graça nessa vida’.
Tudo isso acontece no momento em que se torna cada vez mais claro que o tão decantado modelo chileno, que deveria ser modelo para toda a América Latina – louvado pelos grandes organismos financeiros internacionais, pela direita em geral e pelos defensores do neoliberalismo em particular – revela sua verdadeira face.
Que o Chile vive um auge econômico, ninguém duvida. Mas os que se beneficiam dele estão longe de ser uma parcela ampla da população. Ao contrário: as desigualdades sociais são mais altas que a cordilheira dos Andes, mais evidentes que as montanhas nevadas e mais amplas que as grandes alamedas de Santiago.
De toda a riqueza produzida pelo Chile, 55% ficam nas mãos dos 20% mais ricos da população. Entre 2006 e 2009, a renda dos trabalhadores cresceu 1%. A dos mais ricos, 9%. Em 2006, 13,7% da população vivia na pobreza. Três anos depois, os pobres passaram a ser 15,1% - justamente no período em que a economia mais cresceu.
A estabilidade política fez do Chile o paraíso e a alegria dos investidores estrangeiros. Durante anos, o país foi considerado o mais perfeito modelo das bondades do neoliberalismo.
Ninguém parecia notar os casos de jovens que terminam a faculdade pública e depois levam dez anos pagando o financiamento que receberam para estudar. Ninguém notou o aumento da pobreza, os abismos sociais se abrindo cada vez mais.
É contra isso que os chilenos protestam. E também contra os engodos e miragens de um modelo que começou a ser desmascarado.
Por trás do louvado milagre existe uma verdade: a de uma segregação social perversa e persistente, que agora explodiu e chega às ruas e alamedas de Santiago.
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