segunda-feira, 28 de maio de 2012

Por Carlos Chagas.
Para Nostradamus e para os Maias, em tempo e geografia tão  diferentes, o mundo acabará dia 22 de dezembro próximo. Erraram. O mundo já acabou no fim de semana que passou. Aqui no Brasil, foi tudo pelos ares. Não sobrou nada.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, acaba de acusar o ex-presidente  Lula de tentar suborna-lo, propondo que se  o julgamento do mensalão fosse adiado, ele poderia blindar  políticos e  empresários na CPI do  Cachoeira. Na mesma conversa, realizada no escritório  de advocacia do ex-ministro Nelson Jobim,  o ex-presidente da República, para justificar a blindagem,  teria  insinuado que Gilmar Mendes  viajou  para Berlim a fim de encontrar-se com o senador Demóstenes Torres com passagens e estadia pagas pelo  bicheiro Carlos Cachoeira. 
Gilmar confirmou à “Folha de S. Paulo”  suas declarações dadas à revista  “Veja”.  O Lula não quis se pronunciar. E Nelson Jobim,  sobre  o encontro, disse não ter sentido pressão por parte do Lula.
Quer dizer, misturou tudo. Mais do que barro no ventilador, tempestades  de cocô varrem o país de Norte a Sul. Por que estaria o Lula tão interessado em protelar o julgamento dos 38 mensaleiros na mais alta corte nacional de justiça? Por que acentuou que o julgamento seria inconveniente? Apenas para não prejudicar o PT e seus candidatos nas eleições municipais de outubro, esperando até a prescrição da maioria dos crimes de que são acusados os réus? Ou estaria ávido de evitar a condenação de   José Dirceu, o “chefe da quadrilha”? Mas por que? Ninguém esquece que durante o processo de sua cassação o ex-chefe da Casa Civil declarou que o Lula não desconhecia  nada do que se passava em seu gabinete.
Dessa vez não dá para esconder  a sujeira debaixo do tapete. Ela é  o tapete,  os móveis, a sala,  a casa, o quarteirão, o bairro, a cidade, o estado e o país.
Gilmar  Mendes começou a falar, outros terão que falar também, importando  menos os motivos ou a singularidade de que todos os caminhos passam pelo Cachoeira. Que chegassem a José Dirceu, admitia-se, mas ao  Lula? 
Seria o Supremo Tribunal Federal suscetível de pressões, como o seu presidente, Ayres Brito,  acaba de dizer que não é?  Em nome de que, na conversa com Gilmar, o Lula teria achado possível influenciar a ministra Carmem Lúcia e o próprio Ayres Brito? Por que um encontro em Berlim com Demóstenes Torres?
E a CPI que investiga o bicheiro? Seria composta por um aglomerado de  fantoches capazes de livrar a cara de políticos e empresários através da manipulação de cordéis distantes do prédio do Congresso?
Fica impossível  botar a culpa na imprensa  pelo fim  do mundo. E pelo inevitável quadro de horror que começa a ser revelado.                                 
E A DILMA, COMO FICA? 
Nessa história surrealista da conversa entre o ex-presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes, uma indagação não pode deixar de ser  feita: e a presidente Dilma, como fica? 
Claro que solidária com o antecessor, em todas as situações, mas estaria confortável diante de  mais essa intromissão do Lula em assuntos   de seu governo? Afinal, o primeiro-companheiro teria tentado interferir nas prerrogativas do Judiciário, a começar pela marcação de  data de seus julgamentos. Outra iniciativa  igualmente indevida do ex-presidente veio no reverso da medalha: dispôs-se a blindar políticos e empresários nos trabalhos da CPI do Cachoeira,  ou seja, intrometendo-se na alçada exclusiva do  Legislativo. A chefe do Executivo vem mantendo  o delicado equilíbrio entre os poderes da União, coisa que seu mentor e conselheiro quis abagunçar.  Mesmo como  líder  inconteste do PT, que tenta salvar  do  naufrágio, o Lula agiu como condômino principal do governo, o que não terá agradado a sucessora.
NEM TANTO, SENHOR MINISTRO...
Extrapolou o presidente do Supremo, Ayres Brito, ao dizer que a mais alta corte nacional de justiça está vacinada e não aceita “faca no pescoço”. Mais ou menos, porque o passado está cheio de exemplos em sentido contrário.
O então presidente Floriano Peixoto mandou prender alguns deputados, apesar de a Constituição  proibir. Rui Barbosa impetrou habeas-corpus em favor deles, junto ao Supremo. Um ministro, assustado, indagou do marechal o que aconteceria se o Supremo concedesse a medida e  veio a resposta: “E quem dará habeas-corpus ao Supremo?” Por via das dúvidas a corte  não se pronunciou e os deputados foram mandados para o interior da Amazônia...
Café Filho, presidente da Republica, teria sido acometido de um pequeno enfarte. Licenciou-se, diziam seus adversários apenas  para estimular o golpe que seu substituto daria nas instituições, impedindo a posse do sucessor eleito, Juscelino Kubitschek.  O general Lott acabou com  a brincadeira, garantindo os direitos do futuro presidente. Café Filho ficou bom de repente e anunciou que voltaria. Bem que o ministro da Guerra tentou dissuadi-lo com palavras, mas, não conseguindo, botou de novo a tropa  na rua e Café Filho em prisão domiciliar. Logo ele impetrou mandado de segurança junto ao Supremo para garantir-lhe o direito de reassumir. Olhando os tanques estacionados na Avenida Rio Branco, os ministros escusaram-se de apreciar o recurso, alegando  motivos de força maior.
Só para ficarmos num terceiro momento de nossa crônica política: os militares tomaram o poder, depondo o governo constitucional de João Goulart, e baixaram o primeiro Ato Institucional, estabelecendo que suas determinações estariam à margem  de apreciação judicial. Rasgaram incontáveis vezes a Constituição e as leis, cassaram mandatos aos montes, impuseram eleições indiretas, criaram os senadores biônicos, puseram o Congresso em recesso e dissolveram os partidos políticos. O Supremo apenas assistiu os diversos capítulos daquela novela de horror, sem se pronunciar. Era ou não a faca no pescoço? 

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