Para Nostradamus e para os Maias, em tempo e geografia tão diferentes, o mundo acabará dia 22 de dezembro próximo. Erraram. O mundo já acabou no fim de semana que passou. Aqui no Brasil, foi tudo pelos ares. Não sobrou nada.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, acaba de acusar o ex-presidente Lula de tentar suborna-lo, propondo que se o julgamento do mensalão fosse adiado, ele poderia blindar políticos e empresários na CPI do Cachoeira. Na mesma conversa, realizada no escritório de advocacia do ex-ministro Nelson Jobim, o ex-presidente da República, para justificar a blindagem, teria insinuado que Gilmar Mendes viajou para Berlim a fim de encontrar-se com o senador Demóstenes Torres com passagens e estadia pagas pelo bicheiro Carlos Cachoeira.
Gilmar confirmou à “Folha de S. Paulo” suas declarações dadas à revista “Veja”. O Lula não quis se pronunciar. E Nelson Jobim, sobre o encontro, disse não ter sentido pressão por parte do Lula.
Quer dizer, misturou tudo. Mais do que barro no ventilador, tempestades de cocô varrem o país de Norte a Sul. Por que estaria o Lula tão interessado em protelar o julgamento dos 38 mensaleiros na mais alta corte nacional de justiça? Por que acentuou que o julgamento seria inconveniente? Apenas para não prejudicar o PT e seus candidatos nas eleições municipais de outubro, esperando até a prescrição da maioria dos crimes de que são acusados os réus? Ou estaria ávido de evitar a condenação de José Dirceu, o “chefe da quadrilha”? Mas por que? Ninguém esquece que durante o processo de sua cassação o ex-chefe da Casa Civil declarou que o Lula não desconhecia nada do que se passava em seu gabinete.
Dessa vez não dá para esconder a sujeira debaixo do tapete. Ela é o tapete, os móveis, a sala, a casa, o quarteirão, o bairro, a cidade, o estado e o país.
Gilmar Mendes começou a falar, outros terão que falar também, importando menos os motivos ou a singularidade de que todos os caminhos passam pelo Cachoeira. Que chegassem a José Dirceu, admitia-se, mas ao Lula?
Seria o Supremo Tribunal Federal suscetível de pressões, como o seu presidente, Ayres Brito, acaba de dizer que não é? Em nome de que, na conversa com Gilmar, o Lula teria achado possível influenciar a ministra Carmem Lúcia e o próprio Ayres Brito? Por que um encontro em Berlim com Demóstenes Torres?
E a CPI que investiga o bicheiro? Seria composta por um aglomerado de fantoches capazes de livrar a cara de políticos e empresários através da manipulação de cordéis distantes do prédio do Congresso?
Fica impossível botar a culpa na imprensa pelo fim do mundo. E pelo inevitável quadro de horror que começa a ser revelado.
E A DILMA, COMO FICA?
Nessa história surrealista da conversa entre o ex-presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes, uma indagação não pode deixar de ser feita: e a presidente Dilma, como fica?
Claro que solidária com o antecessor, em todas as situações, mas estaria confortável diante de mais essa intromissão do Lula em assuntos de seu governo? Afinal, o primeiro-companheiro teria tentado interferir nas prerrogativas do Judiciário, a começar pela marcação de data de seus julgamentos. Outra iniciativa igualmente indevida do ex-presidente veio no reverso da medalha: dispôs-se a blindar políticos e empresários nos trabalhos da CPI do Cachoeira, ou seja, intrometendo-se na alçada exclusiva do Legislativo. A chefe do Executivo vem mantendo o delicado equilíbrio entre os poderes da União, coisa que seu mentor e conselheiro quis abagunçar. Mesmo como líder inconteste do PT, que tenta salvar do naufrágio, o Lula agiu como condômino principal do governo, o que não terá agradado a sucessora.
NEM TANTO, SENHOR MINISTRO...
Extrapolou o presidente do Supremo, Ayres Brito, ao dizer que a mais alta corte nacional de justiça está vacinada e não aceita “faca no pescoço”. Mais ou menos, porque o passado está cheio de exemplos em sentido contrário.
O então presidente Floriano Peixoto mandou prender alguns deputados, apesar de a Constituição proibir. Rui Barbosa impetrou habeas-corpus em favor deles, junto ao Supremo. Um ministro, assustado, indagou do marechal o que aconteceria se o Supremo concedesse a medida e veio a resposta: “E quem dará habeas-corpus ao Supremo?” Por via das dúvidas a corte não se pronunciou e os deputados foram mandados para o interior da Amazônia...
Café Filho, presidente da Republica, teria sido acometido de um pequeno enfarte. Licenciou-se, diziam seus adversários apenas para estimular o golpe que seu substituto daria nas instituições, impedindo a posse do sucessor eleito, Juscelino Kubitschek. O general Lott acabou com a brincadeira, garantindo os direitos do futuro presidente. Café Filho ficou bom de repente e anunciou que voltaria. Bem que o ministro da Guerra tentou dissuadi-lo com palavras, mas, não conseguindo, botou de novo a tropa na rua e Café Filho em prisão domiciliar. Logo ele impetrou mandado de segurança junto ao Supremo para garantir-lhe o direito de reassumir. Olhando os tanques estacionados na Avenida Rio Branco, os ministros escusaram-se de apreciar o recurso, alegando motivos de força maior.
Só para ficarmos num terceiro momento de nossa crônica política: os militares tomaram o poder, depondo o governo constitucional de João Goulart, e baixaram o primeiro Ato Institucional, estabelecendo que suas determinações estariam à margem de apreciação judicial. Rasgaram incontáveis vezes a Constituição e as leis, cassaram mandatos aos montes, impuseram eleições indiretas, criaram os senadores biônicos, puseram o Congresso em recesso e dissolveram os partidos políticos. O Supremo apenas assistiu os diversos capítulos daquela novela de horror, sem se pronunciar. Era ou não a faca no pescoço?
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