19 de maio, Natal, Rio Grande do Norte. Cedo, ligo a televisão, notícias do semiárido: seca, seca e seca. Caminhões abastecem as comunidades com água, o drama de sempre, animais magros, meses sem chuva, dor e tristeza. Abro a janela, vejo o belo mar da Ponta Negra em frente e... está chovendo. O pessoal do Centro João Paulo II diz que não chovia fazia semanas: “Eu trouxe chuva do Sul. Vamos ver se ela também vai para o sertão.”
Mística na reunião da Coordenação Nordeste da Rede de Educação Cidadã (Recid) na varanda, em frente ao mar. Molho as mãos com os pingos de água que caem da calha do telhado, e passo com carinho no rosto dos educadoras/es: sinal de chegada e de esperança. A pergunta: que significa a chuva na vida de cada um? Falo que sou filho de agricultor, para quem a chuva é sempre bem-vinda, é uma bênção. Educadoras/es contam que, felizmente, apesar da seca, não se veem mais os históricos saques em cidades, o povo faminto buscando comida, ou a debandada geral para o Sul. Programas como o Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos, as medidas de emergência anunciadas há semanas pela presidenta Dilma na Bahia dão outro quadro à histórica realidade social de fome e miséria do semiárido.
Entro na internet, abro a edição da Folha do Mate, de Venâncio Aires, minha terra, Rio Grande do Sul. A manchete Seca ‘verde’ é sentida no interior de Venâncio. Na foto, um açude de pouca água barrenta, bois e vacas na sua beira e a explicação: “O verde que ostenta a paisagem do interior de Venâncio Aires mascara a realidade da falta de água potável para consumo humano. A situação vem perdurando desde outubro de 2011 e, desde então, a prefeitura vem socorrendo as famílias rurais com cargas de água para dessedentação humana. A estiagem também vem diminuindo o volume de água armazenada para o consumo de animais e secando os arroios e córregos. E, para piorar a situação, as previsões não são muito otimistas, pois apontam pouca chuva para os próximos dias”.
23 de maio, Palácio do Planalto, plenária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea). A Articulação no SemiÁrido Brasileiro (ASA), que reúne centenas de entidades e organizações, diz em documento: “O semiárido brasileiro neste momento está mergulhado em uma das secas mais cruéis e devastadoras dos últimos 30 anos. Da chegada dos portugueses aos dias atuais, já se somam 72 grandes secas com características similares. Mais de 500 municípios encontram-se em estado de emergência. As plantas cultivadas no entorno das casas, quintais produtivos, estão morrendo, os rebanhos dizimados e as reservas de semente, organizadas em casas e bancos comunitários ou familiares, correm o risco de desaparecer frente à necessidade de alimentação da população. Desde o ano passado não chove o suficiente para acumular água nas cisternas para consumo da família e da produção”.
A ASA louva as políticas e programas dos governos Lula e Dilma que “dão sua parte para garantia mínima da dignidade das pessoas”: Bolsa Família, construção das cisternas para captação de água, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o crédito à agricultura familiar e os processos de assistência técnica, o Seguro Safra, entre outros. Mas não é suficiente. São necessárias mais ações emergenciais e o "cuidado cidadão", ações estruturantes, no campo da captação de água e de acesso à terra, da assistência técnica e crédito, da comercialização, venda de produtos e bancos de sementes. “O semiárido não precisa de bondade. Precisa de justiça, solidariedade e de que os direitos de seus filhos e filhas sejam respeitados. O que o semiárido quer é a continuidade e aprofundamento da política de convivência com o semiárido e que seja cada vez mais afastada e erradicada a política de combate à seca".
As mudanças climáticas, os acidentes naturais não previstos acontecem em todos os lugares e em escala mundial. A Rio+20 e a Cúpula dos Povos acontecerão mês que vem no Rio de Janeiro. Hora de (re)pensar os modelos de desenvolvimento, hora de abraçar uma sociedade do Bem Viver.
Choveu todo fim de semana em que estive em Natal. Chove no Nordeste e no Sul em 24 de maio, quando escrevo este artigo. É a esperança, nascendo sempre de novo nos olhos do povo trabalhador. É a bênção, para quem luta pela vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário