Por Carlos Chagas.
Mais uma confirmação de que as manhãs de sexta-feira constituem o ponto alto dos trabalhos semanais do Senado. Porque não sendo deliberativas, e sem restrições para o tempo dos pronunciamentos, prestam-se as sessões no plenário para análises, denúncias e observações desvinculadas da rotina parlamentar.
Anteontem coube ao senador Roberto Requião produzir uma das mais agudas críticas ao modelo econômico neoliberal que nos assola desde os tempos de Fernando Henrique. Para o senador, vivemos um período prolongado de traição nacional, ainda que com certas nuanças diferenciadas nos governos Lula e Dilma.
Requião começou reconhecendo amplo retrocesso no desenvolvimento nacional, porque em poucos anos voltamos aos tempos do Brasil Colônia e da República Velha: de novo, o país tornou-se exportador de matérias primas e importador de produtos industrializados, ou seja, nossa indústria, como todos reconhecem, passa por inequívoco período de decadência. Cada vez mais enviamos soja, minério de ferro e café para o exterior, prontos para em poucos anos também mandarmos petróleo em profusão, assim que o pré-sal comece a produzir. Não adianta, para o senador, culparmos a China, nosso maior importador de comodities, como não adianta apenas denunciar nossas elites neoliberais, responsáveis pelas privatizações e agora empenhadas em recriar, através da grande imprensa que domina, o monstro da inflação. Trata-se de mero pretexto para obstar investimentos e para conter a expansão do crédito e o consumo. A essas elites deve-se a desaceleração aguda da economia, verificada desde 2011.
Disse Requião que em vez de promover investimentos, os governos do PT terminaram por sufocar até o Mercosul, cujo parlamento não se reúne há um ano e meio. Uma opção seria aproveitar esse mercado de 300 milhões de pessoas, que não deve ficar imobilizado. O ponto de partida estaria num projeto nacional de desenvolvimento, não bastando reduzir agora os juros que criminosamente vinham aumentando, muito menos diminuir o IPI de alguns produtos. São medidas paliativas incapazes de evitar o desastre iniciado com a mentira do superávit primário e continuado com as privatizações, por sinal agora retornando em nova onda que visa atingir portos e aeroportos. “Ninguém lembra que os Estados Unidos, a meca do neoliberalismo, não possuem um único porto privado, ou que sua navegação de cabotagem só pode operar com navios construídos em seus estaleiros e com tripulações exclusivamente americanas”, completou o ex-governador do Paraná.
A solução para o Brasil sair do sufoco, em suas palavras, está nos investimentos que o governo não faz, e ainda inibe a iniciativa privada de faze-los. Por que, indagou, não começar liberando as dívidas dos Estados e Municípios com a União, desde que os recursos para o seu pagamento sejam obrigatoriamente utilizados em obras de infra-estrutura? Só no ano passado Estados e Municípios carrearam 29 bilhões para os cofres do governo federal e, mesmo assim, nem em 200 anos conseguirão saldar seus débitos. Esse dinheiro poderia ser transformado em ferrovias, rodovias, portos, hidrelétricas e, em especial, na preparação de mão de obra qualificada, pois no Brasil já existe carência de engenheiros, economistas, cientistas, técnicos, médicos e professores. Numa primeira etapa haverá que robustecer a capacidade de investimento das unidades federativas, em vez de endivida-las cada vez mais através do BNDES. Estaria aberto um novo capítulo na industrialização nacional, que não se recupera com ridículos níveis de investimento, finalizou o senador.
CUIDADO COM A ARGENTINA.
Numa demonstração de serem as sextas-feiras dias privilegiados na Câmara Alta, também ocupou o microfone o senador Paulo Paim, que começou lembrando a necessidade de Congresso acabar de uma vez por todas com o voto secreto de deputados e senadores. Enfatizou que o eleitor tem o direito de saber como seu representante votou, em todos os casos. Não aceita o argumento de que o Poder Executivo poderá retaliar, sempre que perceber um de seus aliados votando contra seus interesses. Vale mais a consciência de cada um.
O tema do discurso de Paim, porém, foi outro. Para ele, o governo brasileiro precisa reagir diante da Argentina, que vem violando os acordos do Mercosul e da Organização Mundial do Comércio, restringindo as importações do Brasil e, em especial, do Rio Grande do Sul. O governo de Buenos Aires adota uma postura agressiva por conta de seu déficit na balança comercial com nosso país. Apela para práticas protecionistas. A presidente Cristina Kirschner acaba de declarar como objetivo “não precisar importar mais um prego, queremos que tudo seja produzido na Argentina”, Trata-se, para o senador gaúcho, de uma afirmação sem lógica, mas as exportações brasileiras estão sendo interrompidas. Produtos permanecem há meses nos postos de fronteira, inclusive os perecíveis. Medidas são tomadas para complicar as importações, valendo referir que 2 milhões e 200 mil pares de calçados produzidos no Rio Grande do Sul estão há 180 dias retidos na fronteira. Isso significa falência para empresas brasileiras e desemprego para o nosso trabalhador.
A hora, para Paulo Paim, é de o Brasil endurecer, ainda que negociando sempre.
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