sábado, 24 de abril de 2010

HORIZONTE

O horizonte das palavras.
António Ramos Rosa
Sem direcção, sem caminho escrevo esta página que não tem alma dentro.
Se conseguir chegar à substância de um muro acenderei a lâmpada de pedra na montanha.
E sem apoio penetro nos interstícios fugidios ou enuncio as simples reiterações da terra, as palavras que se tornam calhaus na boca ou nos meus passos.
Tentarei construir a consistência num adágio de sílabas silvestres, de ribeiros vibrantes.
E na substância entra a mão, o balbucio branco de uma língua espessa, a madeira, as abelhas, um organismo verde aberto sobre o mar, as teclas do verão, as indústrias da água.
Eu sou agora o que a linguagem mostra nas suas verdes estratégias, nas suas pontes de música visual: o equilíbrio preenche os buracos com arcos, colinas e com árvores.
Um alvor nasceu nas palavras e nos montes.
O impronunciável é o horizonte do que é dito.
António Víctor Ramos Rosa - Faro, Portugal, 17 de outubro de 1924 - Além de poeta é ensaista. Estreou na poesia em 1958 participando da coletânea O Grito Claro, e desde então, não parou mais. Considerado um dos grandes escritores portugueses, recebeu diversos prêmios nacionais e estrangeiros ao longo de sua vida.

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