As recentes movimentações do prefeito de São Paulo nos fazem pensar sobre algumas questões de fundo do sistema político brasileiro e deixam no ar várias perguntas.
Desde o início do ano, são insistentes as notícias de que Gilberto Kassab vai abandonar o DEM, partido ao qual esteve filiado nos últimos 15 anos e pelo qual se elegeu deputado federal, vice-prefeito e prefeito da capital. Antes, atuara na interseção empresarial-política, com seu primeiro mentor, Guilherme Afif, com quem militou na Associação Comercial de São Paulo. Pelo antigo Partido Liberal, havia obtido um mandato de vereador, apoiado pelos colegas corretores de imóveis.
É possível não se impressionar com essa biografia, mas ninguém pode acusá-la de ser incoerente. Em qualquer quesito, Kassab sempre foi um político com clara identidade liberal, na acepção em que a expressão é usada em nosso vocabulário político, como sinônimo de direita moderna.
Aliás, foi esse perfil que levou Serra a convidá-lo a ser seu companheiro de chapa na eleição municipal de 2004. Recém-saído da derrota para Lula e já pensando em voltar a ser candidato a presidente, Serra queria mostrar-se capaz de reeditar a coalizão PSDB/PFL, que havia dado a FHC suas duas vitórias. Estava na hora de descartar a velha imagem de esquerdista estatizante e sinalizar que não tinha problemas de convívio com a direita.
Para demonstrar isso, dispunha-se a dar ao DEM a Prefeitura de São Paulo, pois era óbvio que não permaneceria no Palácio do Anhangabaú mais que o mínimo dos 15 meses em que lá ficou (apesar das juras de que não sairia). Dito e feito, Serra renunciou, Kassab assumiu e o DEM ganhou uma cadeira que muito dificilmente conquistaria sozinho.
A fim de reforçar o recado, Serra foi mais longe. Em 2008, apesar de o PSDB ter Alckmin como candidato à prefeitura, preferiu isolar o correligionário e pôs suas fichas na reeleição de Kassab. Deu certo e Serra saiu daquela eleição com a sensação de que havia manobrado com habilidade para a seguinte, a única que o interessava.
Hoje, Gilberto Kassab, esse símbolo do político liberal contemporâneo, emite sinais curiosos. Primeiro, disse que iria deixar o DEM e rumar para o PMDB. Depois, que faria um partido novo, mas apenas como um truque para chegar ao PSB, sendo o socialismo seu verdadeiro destino.
É difícil imaginar algo mais deseducativo e que mais evidencie os problemas de nosso sistema político. Em plena hora em que Senado e Câmara se reúnem para buscar caminhos para aperfeiçoar as instituições e fazer andar a reforma política, o prefeito da maior cidade do país e dileto discípulo de uma das principais lideranças da oposição mostra que os partidos (e suas hipotéticas ideologias) são irrelevantes. O que importa são os projetos individuais de poder.
Qual será a insatisfação de Kassab com o DEM? Terão os companheiros traído subitamente os princípios do liberalismo? O que teria havido com o DEM nos últimos meses, tão grave que um militante de mais de uma década se vê prestes a largar a legenda? Se não saiu quando estourou o escândalo do mensalão do governo Arruda, por que agora?
Seria possível responder a essas perguntas com outra: tivesse Serra vencido a eleição presidencial, estaria Kassab deixando o partido? Ou a vontade de mudar de ares é fruto da perda espaço do serrismo no DEM?
Nas dúvidas de Kassab sobre seu destino político e sobre o que vai fazer ano que vem (e nas próximas eleições para o governo do estado em 2014), percebem-se as digitais do mestre. O que parece é que, mais uma vez, Serra tenta montar o tabuleiro para o jogo da sucessão de Dilma.
Ninguém sabe se vai funcionar o projeto PDB, o partido-baldeação que está sendo cogitado, nem se o PSB acolherá o incerto número de políticos dispostos a embarcar nele. A chicana e o grau de artificialidade são tamanhos que é até possível que a Justiça Eleitoral se sinta ofendida com a esperteza.
O certo é que alguém imagina que vai lucrar com ela. Ganha uma bolinha de papel quem descobrir.
*Marcos Coimbra, sociólogo, preside o Instituto Vox Populi e escreve para o ‘Correio Braziliense’.
Desde o início do ano, são insistentes as notícias de que Gilberto Kassab vai abandonar o DEM, partido ao qual esteve filiado nos últimos 15 anos e pelo qual se elegeu deputado federal, vice-prefeito e prefeito da capital. Antes, atuara na interseção empresarial-política, com seu primeiro mentor, Guilherme Afif, com quem militou na Associação Comercial de São Paulo. Pelo antigo Partido Liberal, havia obtido um mandato de vereador, apoiado pelos colegas corretores de imóveis.
É possível não se impressionar com essa biografia, mas ninguém pode acusá-la de ser incoerente. Em qualquer quesito, Kassab sempre foi um político com clara identidade liberal, na acepção em que a expressão é usada em nosso vocabulário político, como sinônimo de direita moderna.
Aliás, foi esse perfil que levou Serra a convidá-lo a ser seu companheiro de chapa na eleição municipal de 2004. Recém-saído da derrota para Lula e já pensando em voltar a ser candidato a presidente, Serra queria mostrar-se capaz de reeditar a coalizão PSDB/PFL, que havia dado a FHC suas duas vitórias. Estava na hora de descartar a velha imagem de esquerdista estatizante e sinalizar que não tinha problemas de convívio com a direita.
Para demonstrar isso, dispunha-se a dar ao DEM a Prefeitura de São Paulo, pois era óbvio que não permaneceria no Palácio do Anhangabaú mais que o mínimo dos 15 meses em que lá ficou (apesar das juras de que não sairia). Dito e feito, Serra renunciou, Kassab assumiu e o DEM ganhou uma cadeira que muito dificilmente conquistaria sozinho.
A fim de reforçar o recado, Serra foi mais longe. Em 2008, apesar de o PSDB ter Alckmin como candidato à prefeitura, preferiu isolar o correligionário e pôs suas fichas na reeleição de Kassab. Deu certo e Serra saiu daquela eleição com a sensação de que havia manobrado com habilidade para a seguinte, a única que o interessava.
Hoje, Gilberto Kassab, esse símbolo do político liberal contemporâneo, emite sinais curiosos. Primeiro, disse que iria deixar o DEM e rumar para o PMDB. Depois, que faria um partido novo, mas apenas como um truque para chegar ao PSB, sendo o socialismo seu verdadeiro destino.
É difícil imaginar algo mais deseducativo e que mais evidencie os problemas de nosso sistema político. Em plena hora em que Senado e Câmara se reúnem para buscar caminhos para aperfeiçoar as instituições e fazer andar a reforma política, o prefeito da maior cidade do país e dileto discípulo de uma das principais lideranças da oposição mostra que os partidos (e suas hipotéticas ideologias) são irrelevantes. O que importa são os projetos individuais de poder.
Qual será a insatisfação de Kassab com o DEM? Terão os companheiros traído subitamente os princípios do liberalismo? O que teria havido com o DEM nos últimos meses, tão grave que um militante de mais de uma década se vê prestes a largar a legenda? Se não saiu quando estourou o escândalo do mensalão do governo Arruda, por que agora?
Seria possível responder a essas perguntas com outra: tivesse Serra vencido a eleição presidencial, estaria Kassab deixando o partido? Ou a vontade de mudar de ares é fruto da perda espaço do serrismo no DEM?
Nas dúvidas de Kassab sobre seu destino político e sobre o que vai fazer ano que vem (e nas próximas eleições para o governo do estado em 2014), percebem-se as digitais do mestre. O que parece é que, mais uma vez, Serra tenta montar o tabuleiro para o jogo da sucessão de Dilma.
Ninguém sabe se vai funcionar o projeto PDB, o partido-baldeação que está sendo cogitado, nem se o PSB acolherá o incerto número de políticos dispostos a embarcar nele. A chicana e o grau de artificialidade são tamanhos que é até possível que a Justiça Eleitoral se sinta ofendida com a esperteza.
O certo é que alguém imagina que vai lucrar com ela. Ganha uma bolinha de papel quem descobrir.
*Marcos Coimbra, sociólogo, preside o Instituto Vox Populi e escreve para o ‘Correio Braziliense’.
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