quinta-feira, 17 de março de 2011

VAI-VAI, OU MELHOR, VEM-VEM

João Carlos Martins*
Quando a diretoria da Vai-Vai me convidou para ser o homenageado do Carnaval de 2011, respondi que seria um sonho, mas era necessário analisar o convite racionalmente.
Meu primeiro sentimento foi o de não prejudicar a escola com um tema relacionado à música clássica, que poderia não ter o apelo popular de que uma escola de samba necessita. Consultei um grande amigo, Antonio Zimmerle, grande conhecedor do Carnaval, que me incentivou dizendo que somente a menção à “música clássica” já seria uma vitória para nós, músicos eruditos.
Na segunda reunião com a diretoria, respondi que não só aceitava o convite mas seria um homenageado que se integraria como nunca na comunidade do Bexiga.
Naquele momento, o Neguitão, o Malufinho, o Ameriquinho e eu nos abraçamos com lágrimas e gritamos: “Rumo ao 14º campeonato!”.
A partir daí, minha vida em 2010 teve três objetivos.
Em primeiro lugar, solidificar cada vez mais a excelência musical, sem o paternalismo estatal, da Bachiana Filarmônica Sesi-SP, que, por mais de uma vez, honrou o nome do Brasil no Lincoln Center, em Nova York, para 2.800 pessoas.
Outra meta foi a de continuar minha peregrinação pelas periferias e pequenas cidades do Brasil levando música para quem raramente tem condições de conhecer Bach e Villa-Lobos. Nesses lugares, já são 1.500 crianças para as quais estamos dando aulas de iniciação musical e descobrindo diamantes.
E, finalmente, como membro da comunidade, e não apenas como um homenageado, entrar com tudo para honrar o convite da Vai-Vai.
Conseguimos atrair novos públicos, realizando apresentações com músicos populares extraordinários e um repertório que incluiu desde Bach e Villa-Lobos até Tom Jobim e Piazzolla. Muitas dessas pessoas certamente voltarão para ouvir as nove sinfonias de Beethoven que a Bachiana Filarmônica Sesi-SP executará em 2011.
Somos poucos os músicos clássicos no Brasil, e rivalidades não levarão a nada, mas a união ajuda a carregar a nossa bandeira.
Foi então que a Vai-Vai levou a nossa causa para o Brasil, de norte a sul e de leste a oeste, com um enredo fantástico de Alexandre Lousada em forma de sinfonia.
Tivemos o nome de Bach cantado por uma multidão emocionada no Sambódromo, o mestre Tadeu fazendo o breque da bateria exatamente em cima do nome do mestre Kantor, o Sergei Eleazar de Carvalho ao violino, em um samba genial extraordinariamente interpretado por Wander Pires.
Eu não fui uma lição de vida para a Vai-Vai, mas a comunidade foi uma lição de vida para mim. Até fantasias vendi para ajudar na luta dramática da escola para entrar grandiosa na avenida. Quantas vezes ficamos rezando para não chover nos dias de ensaio, a fim de arrecadar mais alguns trocados.
Ana Hickman, Maria Rita, Marcelo Negrão, Cafu e Luiz Tejon puderam ver o presidente Neguitão colocar o seu antecessor Tobias no meu carro e mostrar uma escola unida, enquanto este velho maestro, chorando no alto, pensava: “Vem, Vem, Brasil, é a música clássica na avenida”.
*João Carlos Martins é maestro, diretor artístico da Bachiana Filarmônica Sesi-SP, e escreveu para a ‘Folha’.

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