quinta-feira, 5 de maio de 2011

DO FUNDO DA MEMÓRIA

Por Carlos Chagas
Usurpadores em profusão.
Neste   registro ligeiro  do movimento militar iniciado há  quarenta e sete  anos,  que durou 21, importa ir completando  a crônica daqueles idos.
Impossibilitado de governar em função de uma trombose cerebral, o segundo general-presidente, Costa e Silva, não foi substituído pelo vice-presidente Pedro Aleixo. Uma Junta usurpou o poder, constituída pelos  ministros do Exército, Lyra Tavares, da Marinha, Augusto Rademaker, e da Aeronáutica, Marcio Mello. Foi o patamar institucional  mais baixo que vivemos. Começaram prendendo o vice-presidente, para que não assumisse.  Desvirtuaram o objetivo maior de Costa e Silva, que era revogar o Ato Institucional número 5, que ainda iria durar dez anos.
Cada general indagava “por que eles e não eu?”  Estabeleceu-se  o caos.  Para completar, as esquerdas radicais fizeram o que ninguém  fazia desde 1648, quando da assinatura do Tratado de Vestfália: sequestraram um embaixador, e logo dos Estados Unidos.  Ninguém sabia o que fazer, nem mesmo o governo de Washington, que sem know-how de sequestros de embaixadores, pressionou a Junta Militar para cumprir todas as exigências dos sequestradores e salvar a vida de mr. Charles Burke Elbrick.  Presos políticos foram tirados  das masmorras e mandados para o México. Entre eles o  líder estudantil José  Dirceu. Caminhões do Exército distribuíram gêneros alimentícios pelas favelas cariocas. E o Jornal Nacional divulgou na íntegra  manifesto onde os militares eram chamados de ditadores, torturadores,  subservientes aos interesses americanos e vendidos ao capital internacional.
A crise gerou mais repressão, censura e congêneres,  mas  teve sua solução   na imediata eleição de um novo general-presidente. Eleição direta, por sinal, mas com  uma peculiaridade: só votaram os generais, almirantes e brigadeiros do serviço ativo. Para evitar a escolha do general Afonso Albuquerque Lima, de linha nacionalista, o processo foi garfado e,  no final,  surgiu o nome do general Garrastazú Médici, o  mais apagado de todos.
Na posse,  em cadeia nacional de rádio e televisão, ele prometeu  que ao final de seu  mandato deixaria a democracia definitivamente  restabelecida no Brasil.  Não deixou, porque apenas havia  lido um discurso que não escrevera. O autor foi o então coronel  Octávio Costa.
Em termos institucionais, o governo Médici não avançou, mas retroagiu, registrando-se que pelo menos não cassou um só  mandato  parlamentar.  Não precisava. O Congresso vivia tempos de completo sabujismo e acomodação, apesar de o único partido de oposição, o MDB, começar a dar sinais de reação.
Nunca a censura foi tão abjeta quanto  naqueles quatro anos de  mandato do antigo chefe do SNI. Tudo era proibido, do surto de meningite que  matou muita gente a críticas à política econômica e a referências à próxima sucessão presidencial. Avolumaram-se os sequestros, os assaltos a bancos e os atentados a quartéis, promovida que estava a guerrilha urbana   pela esquerda irresponsável e burra, pois apenas dava pretexto á direita para manter a pata  sobre a nação. Mais prisões, torturas e violência institucionalizada. Foi quando  se ampliou  a concepção de que vivíamos uma guerra interna, a guerra revolucionária.
No plano  material, no entanto, era um sucesso. O Brasil chegou a crescer 11% em cada um daqueles  anos, com desemprego zero.  O presidente Nixon, dos Estados Unidos, chegou a declarar que para onde o Brasil se virasse, iria toda a América Latina.
O ministro da Fazenda, Delfim Neto,  viu-se  chamado de “o mago das finanças”. Quem se dedicasse a qualquer atividade produtiva ganhava dinheiro e aumentava a riqueza nacional. Era o período do “milagre brasileiro”, meio falso mas muito bem marqueteado. A maciça propaganda governamental chegava a cobrir o país com out-doors onde se lia “Brasil, ame-o ou deixe-o”, referência aos montes de adversários que ganhavam o exterior para não ser presos,  torturados ou mortos.  Sempre havia um gaiato para escrever a carvão, em baixo: “o último a sair apague a luz do aeroporto...”
Por ironia, no ano de 1970 o selecionado  nacional de futebol  tornou-se tricampeão do  mundo. Para amargura de quantos se multiplicavam na oposição ao regime, o presidente Médici acertou, na véspera, o resultado da partida  final com a Itália: 4 x 1. Foi a consagração do ditador, que passou a ter seu nome anunciado quando chegava aos estádios para assistir jogos de campeonato. Durante alguns meses,  cem  mil pessoas o aplaudiram de pé,  sempre que entrava no Maracanã, no Morumbi e no Beira Rio.
Depois, as coisas voltaram ao leito  natural, já que a repressão só aumentava. Faça-se justiça, o terceiro general-presidente também recusou a proposta dos áulicos, de reeleição.
O general Ernesto Geisel, então presidente  da Petrobrás, ex-chefe do Gabinete Militar de Castelo Branco, dispôs de diversos fatores para tornar-se o sucessor.  Seu irmão, Orlando Geisel, era o ministro do Exército. Costurando sua candidatura estava o general Golbery do Couto e Silva. Tinha fama de bom administrador e apoio no Alto Comando do Exército, conhecido como duro e inflexível, tanto que jamais concedera um único  habeas-corpus para presos políticos, enquanto ministro do Superior Tribunal Militar. E  contava com a indiferença de   Garrastazú Médici.
Os tempos, porém, começavam a ser outros.  A crise econômica já dava sinais inequívocos, pelo vultoso aumento dos preços do barril de petróleo exportado pelos árabes. Nossa dívida externa crescera vertiginosamente. As cobranças começavam e era necessário trazer a população  para a realidade. Como permanecer transmitindo  a impressão de que tudo ia bem quando a inflação crescia, o desemprego aparecia e as falências se multiplicavam?  Por isso,  o presidente Ernesto Geisel começou  a retirar os censores das redações. Mas sempre sob a ameaça de voltarem,  caso a imprensa não se comportasse.   Quanto ao rádio e à televisão, nem pensar.  Num país de analfabetos, dava dividendos conceder liberdade  vigiada à imprensa escrita, mas tornava-se necessidade  continuar arrochando  vídeos e microfones.

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