Por Carlos Chagas.
É bom prestar atenção: foi nos idos de 1963 a última vez em que a maioria parlamentar rebelou-se contra o Executivo, rejeitando sistematicamente seus projetos de reformas de base. O então presidente João Goulart exasperou-se e decidiu estabelecer as mudanças por decreto. Deu no que deu.
De lá para cá, nos primeiros 21 anos, o Congresso viu-se prisioneiro da ditadura militar, sendo fechado, posto em recesso, tido seus integrantes cassados e, desde o começo, acomodado à truculência. Com a Nova República, tendo perdido antes a prática da independência, deputados e senadores readquiriram aos poucos a coragem para afirmar-se. Foi quando o fisiologismo renasceu. José Sarney trocou sua instável prevalência distribuindo concessões para emissoras de rádio e televisão. E outras. Fernando Collor ainda agora confessou haver desprezado o Legislativo e por isso acabou defenestrado. Itamar Franco recompôs o diálogo através de um governo quase de união nacional sem ceder a imposições, e Fernando Henrique utilizou todos os métodos para comprar a opinião parlamentar, começando pela própria reeleição. O Lula seguiu na mesma trilha, sufocando resistências por meio de benesses.
Dilma Rousseff não poderia ter começado de outra forma, ou seja, aceitou governar engessada pelas instruções e determinações do antecessor, mas, com o passar do tempo, verificou ser ela a maior prejudicada pelo condomínio partidário em que se transformou o seu governo. Seis ministros foram exonerados por acusações de corrupção, um por rebeldia retórica, outros por incompetência. Disposta a mudar o relacionamento com o Congresso, apesar de haver cedido um sem-número de vezes ao modelo que herdou, a presidente imaginou chegada a hora do enfrentamento. É o que acontece agora, ainda com resultados inconclusos. As chamadas bases de apoio governamental insurgem-se e criam problemas, empenhadas em manter e ampliar feudos na máquina administrativa federal.
Quem quiser que arrisque prognósticos, mas certeza, mesmo, só se tem uma: Dilma não pode repetir as experiências de João Goulart nem de Fernando Collor. Mas não deve imitar José Sarney, Fernando Henrique e Lula. Resta-lhe seguir o exemplo de Itamar Franco.
FALTA UM COORDENADOR POLÍTICA.
Se não fosse o Código Florestal nem a Lei da Copa, seria outro pretexto, pois a rebelião dos partidos da base do governo, no Congresso, deve-se à frustração das bancadas e das lideranças de não estarem sendo contempladas como desejariam, no preenchimento de cargos e na distribuição de benesses na administração federal. Estivesse a presidente Dilma submissa aos interesses de seus aliados e nenhuma crise existiria.
É claro que em torno do Código Florestal agrupam-se os deputados e senadores ruralistas, fazendeiros e seus acólitos, não querendo perder situações que a lei até agora lhes garante. Como em torno da Lei da Copa levanta-se a bancada evangélica, crítica não spó da venda, mas da existência de bebidas alcoólicas. O problema é que nem mesmo somados, evangélicos e ruralistas conseguiriam derrotar os projetos. A eles somaram-se os fisiológicos, os magoados com a pouca atenção recebida do palácio do Planalto e os frustrados pela pouca receptividade de suas indicações.
É claro que um pouco de carinho por parte da presidente Dilma romperia parte dessa muralha de papel, mas o fator principal em falta nas prateleiras do governo é um coordenador político de peso, alguém capaz de descobrir soluções de união. Experiência, força e modéstia seriam essenciais para o desempenho dessa função, mas quem?
ATÉ TU, BRUTUS?
Não bastasse o clima de guerrilha entre Legislativo e Executivo, vem o Judiciário intrometer-se na questão. O Tribunal Superior Eleitoral acaba de manter a multa de 5 mil reais sobre a presidente Dilma, sob a acusação de propaganda eleitoral antecipada na campanha de 2010. O caso é banal: em Manaus, em junho daquele ano, o PT amazonense relacionou na televisão algumas obras do governo Lula superpostas à figura da então candidata Dilma, que na última cena agradecia dizendo ter orgulho de fazer parte da equipe responsável pelas realizações. Por conta disso a presidente foi considerada culpada, sendo que apenas o ministro Dias Tofolli votou contra a manutenção da multa.
CORTINA-DE-FUMAÇA.
A crise entre o Congresso e o governo está servindo para o adiamento de decisões relativas às eleições municipais de outubro. Os candidatos a prefeito das capitais, em todos os estados, parecem haver refluído em suas pré-campanhas, aguardando definições nacionais de seus respectivos partidos. O que acontece em São Paulo não é fato isolado, pois repete-se em Belo Horizonte, Rio, Porto Alegre e outras cidades fundamentais para os partidos se posicionarem com vistas às eleições gerais de 2014. Depois, virão as lamentações.
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