Cavendish, dono da Delta: “Vou quebrar!”
Acusado de abastecer empresas do esquema de Carlos
Cachoeira, o empreiteiro Fernando Cavendish nega qualquer irregularidade. Ele
concedeu ontem entrevista exclusiva à Folha.
Em uma conversa gravada, o senhor disse que, se colocar R$
30 milhões na mão de político, ganha negócio. O senhor já pagou suborno?
Nesta conversa, eu debatia com sócios da Sygma, empresa [da
área de petróleo e gás] que adquirimos por R$ 30 milhões. Eles não performavam.
Eu os chamei para renegociar o preço. E me gravaram clandestinamente. Eu queria
dizer: ‘Olha, R$ 30 milhões, se eu fosse fazer projetos políticos, doações de
campanha…’ Ganho qualquer negócio. A expressão foi muito ruim. Ficou horrível,
horrível. E agora vou encarar uma CPI da pior forma possível.
Já pediram propina ao senhor? E o senhor pagou?
Olha só, o que se pede são apoios políticos, para campanhas,
que é uma coisa legitimada, oficializada e que várias empresas fazem. Se apoio projetos, faço doações, não é que depois vá ganhar
[licitações para obras]. Mas posso estar pelo menos bem representado, tenho a
oportunidade de ter informação dos futuros investimentos, das prioridades
políticas.
Por que megaempresas fazem doações a campanhas? Vão ter
informação. Não é normal? Não é toma lá dá cá. Tem licitação.
A relação de empreiteiras e políticos no Brasil são
historicamente promíscuas.
Toda relação entre seres humanos que buscam a intimidade do
dia a dia, de trabalho, gera às vezes alguns desvios. Essa intimidade, essa
promiscuidade, não são só as construtoras que fazem isso. Só que tem um
problema: a gente mexe com dinheiro público. E aí não podemos errar, não
podemos pecar.
O senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) é sócio oculto da
Delta, como diz o Ministério Público?
Não. Nunca vi o Demóstenes. Ninguém é sócio da Delta. Põe
isso na sua cabeça. Já inventaram dezenas de sócios para a Delta. [O
ex-governador do Rio Anthony] Garotinho foi sócio da Delta, o [ex-prefeito do
Rio] Cesar Maia foi sócio. Esquece isso. Não existe. É factóide.
A Delta teria abastecido empresas fantasmas de Cachoeira em
Goiás e, através delas, pago propina.
A empresa tinha um diretor no Centro-Oeste, Claudio Abreu.
Sou presidente do conselho, no Rio. Não sei o que está acontecendo em Goiás, no
Nordeste, no Norte.
O Claudio conheceu o Carlos Augusto Ramos [Carlinhos
Cachoeira]. Eu sei quem cada um tá conhecendo? O que me importa são os
resultados, os números, que me enviam em relatórios semestrais. Eu não pouso em
Goiânia há cinco anos.
Eu sabia por alto que ele conhecia [ Cachoeira]. Para mim,
era um empresário, era um cara bem visto no Estado. Eu não conheço os caras do
Rio, vou conhecer de Goiás?
Nesse período todo de escuta, não tem uma única conversa que
dê um indício de que eu tinha um conhecimento dessa movimentação.
O Claudio, nessa amizade, extrapolou os limites da atuação
dele na Delta.
Conheceu Cachoeira?
Tive um encontro casual no bar de um hotel, o Claudio estava
lá e me apresentou, muito rápido.
O Claudio Abreu nunca informou que dava dinheiro para o
esquema do Cachoeira?
Nunca. Ele era sócio de terceiros, ia comentar comigo? A
gente abriu uma auditoria para investigar essa movimentação.
Foram R$ 39 milhões. Não deu para perceber?
A empresa rodou nesses dois anos, 2010 e 2011, R$ 5 bilhões.
Tem 46 mil fornecedores. Esse dinheiro nesse universo, é imperceptível.
A Delta é acusada também de favorecimento no Distrito
Federal. O senhor conhece o governador Agnelo Queiroz?
Nunca vi. Eu tenho um crédito lá de R$ 30 milhões para
receber, no contrato do lixo. A gente lá só apanha. Se eu tivesse ajudado na
campanha dele, precisava de Dadá [araponga do esquema Demóstenes], de
fulaninho, de beltraninho, contando história lá embaixo?
E o governador de Goiás, Marconi Perilo?
Não conheço, nunca vi.
Por que a Delta contratou o ex-ministro José Dirceu como
consultor?
Um diretor nosso conheceu um assessor do José Dirceu. E
falou pra mim: ‘Quer conhecer o José Dirceu?’ Só que fizeram um contrato de R$
20 mil. Até hoje não consegui entender. Mas o imbecil lá resolveu fazer isso.
Tanto é que, quando soube, eu disse: ‘Pode parar essa porra!’ Eu estive com
José Dirceu uma vez só. Ele falou sobre a Índia, outros países. E foram dizer
que a Delta é o que é por causa dele. Isso é esdrúxulo.
Como a Delta conseguiu tanta obra no PAC?
Mas essa é uma sacanagem. Quando o PAC foi proposto,
anunciaram R$ 250 bilhões de investimentos em quatro anos. Quando fizeram um
levantamento aí em um site, houve a indicação de que a Delta estava liderando o
PAC. A gente tinha faturado uns R$ 400 milhões em 2009. Mas isso era em
investimentos dos ministérios. Virei líder do PAC.
Sabe quanto vão custar [as hidrelétricas de] Santo Antonio,
Belo Monte, Jirau? Só Santo Antonio corresponde ao faturamento de dez anos da
Delta. Como posso, com essa minha conta de retalho, de ‘trocentos’ contratinhos
que, somados, dão R$ 800 milhões, liderar o PAC? Estou liderando p. nenhuma.
Mas fica bonito, na hora de bater no PT, dizer que o líder do PAC está cheio de
problemas. Esquece. Eu devo estar em décimo no ranking do PAC.
O senhor é amigo do governador do Rio, Sergio Cabral. E, no
governo dele, ganhou R$ 1,4 bilhão em contratos.
Não é justo falarem isso, não é decente. Eu cresci muito
mais no governo do Rio antes de ele assumir. Em 2001, 80% da carteira da Delta
era do Estado do Rio.
Conheci Sergio Cabral há dez anos, por meio das nossas
esposas. Eu admiro ele como governante, amigo, pai, filho, irmão. É um puta
sujeito. No acidente de helicóptero em que morreram as pessoas que eu mais amo
[sua mulher e filho, em 2011], eu estava com ele [Cavendish e Cabral iam a uma
festa na Bahia]. Tá bom. Mas não comecei a estar com ele depois de ser
governador. Nós eramos a maior empreiteira do Rio antes do governo Cabral, com
Cesar Maia e Garotinho. Eu era chamado o rei do Rio. Hoje a maior é a
Odebrecht.
A Delta cresceu no Rio?
Quando assumi a Delta, em 1995, levando a empresa de Recife,
onde foi fundada, para o Rio, tínhamos 200 funcionários. O DNER era
praticamente nosso único cliente. Nossas primeiras obras foram na prefeitura do
Rio, na gestão do Cesar Maia.
Ele abriu o mercado. Não exigia qualificação técnica mais
restritiva que exigisse empresas maiores. Para nós foi ótimo. A gente sabia
trabalhar com custo baixo, produtividade e ter um preço muito competitivo. Só
existe uma forma, pelo menos para a Delta, que era uma empresa nova, de ganhar
as concorrências: disputando preço.
Isso foi dito pelo filho do Cesar Maia [Rodrigo Maia, do
DEM]: “Graças à Delta, nós tivemos essa economia de orçamento”. Em todas as
áreas em que atuamos, quem oferece preço baixo é a Delta.
Eu não sou mais querido por isso, não. Eu sou mais odiado.
Esse nível de agressividade sempre foi na contramão da cultura do mercado.
Muitos se enganam, dizem que eu sou um cara muito articulado
politicamente. Mentira! Eu sou o grande articulador, lobista profissional? Isso
é uma mentira.
De que estados vêm seus maiores faturamentos?
Do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde fazemos obras de
conjuntos habitacionais, urbanização. Fizemos também a ampliação da Marginal
[Tietê].
O escândalo prejudica os negócios?
Vou quebrar.
Será?
Vou quebrar. Quando a mídia vem com essa intensidade, existe
uma reação imediata de órgãos de controle. Agora virei leproso, né? Agora eu só
tenho defeitos, eu sou bandido.
O cliente [governo], que é um cliente político, abre
sindicâncias para mostrar isenção. Suspende pagamentos.
Cria-se um clima péssimo na empresa. Os bancos vão suspender
toda a nossa linha de crédito. Aí vem a Receita Federal. Todos precisam mostrar
que a empresa tem que ser fiscalizada em todos os níveis. Não tenho caixa. Se
eu não receber antes de acabar meu dinheiro, eu quebrei.
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