Enquanto se aguarda uma definição do Governo, um enfoque diferente da abordagem que costumam difundir os ex-secretários de Energia que privatizaram o setor indica as razões pelas quais é válido o atual debate. Uma retomada ao assunto em seis questões.
- Por que a Argentina deveria considerar o petróleo e o gás como recursos estratégicos, de interesse nacional e não como commodities de livre disponibilidade de quem os extrai? Não é mais atrativa esta última alternativa para os investidores estrangeiros?
O comportamento observado pelas empresas privadas energéticas no país, a partir da desregulamentação e privatização dos hidrocarbonetos, tem sido privilegiar a maximização de lucros no curto prazo e a remessa dos lucros ao exterior. Estes conceitos são contraditórios com a necessidade do país de contar com disponibilidade e produção de energia suficiente para garantir o desenvolvimento do aparato produtivo, a um custo que assegure as vantagens competitivas, no mercado interno e no exterior, dos produtos elaborados no país. O cumprimento destes objetivos nacionais demanda um planejamento de longo prazo que considere a exploração racional de recursos, a busca de novas fontes de energia e assegure a disponibilidade no futuro. Daí que, segundo os especialistas consultados, seja imprescindível a consideração dos hidrocarbonetos como recurso estratégico de interesse nacional e não um bem livre de mercado.
- Isto implica excluir a empresa privada da atividade de extração de hidrocarbonetos?
Não. Embora em obediência ao critério anterior de dar prioridade aos objetivos nacionais em matéria energética, as empresas privadas que participem na atividade deveriam ficar alinhadas às diretrizes estabelecidas pelo planejamento estatal para chegar àqueles objetivos. Isto pode significar a obrigação de associar-se ao Estado em cada exploração, com a possibilidade de que a operação técnica fique em mãos privadas, mas com controle da exploração e do destino do recurso em mãos do Estado. Este é o modelo que se aplica, por exemplo, na Venezuela (Pdvsa) e no Brasil (Petrobras).
- Por que a YPF deveria voltar ao Estado?
Porque desde que o Estado perdeu o controle da empresa deixou de cumprir com todos os objetivos estratégicos mencionados. Desde sua criação (1922) até que começou o processo de desregulamentação e privatização (1992), a YPF expandiu a produção e a oferta de energia em todas suas formas, brindou energia abundante e barata, desenvolveu um aparato produtivo industrial e tecnológico de grande importância a nível regional e foi a responsável por descobrir e desenvolver praticamente todas as áreas petrolíferas hoje em produção. Atuava como empresa testemunha em todas as etapas da produção e coordenava, junto às empresas estatais de geração e distribuição elétrica, e distribuição de gás, o conjunto de recursos energéticos para assegurar preços e abastecimento.
Em matéria de combustíveis, regulava a compra de quotas de produção destinadas a cada refinaria através de uma “mesa de cru” que garantia, também neste caso, preços e abastecimento em cada etapa. Se bem que boa parte destas tarefas poderia ser dirigida para outros organismos, levando em conta que os hidrocarbonetos satisfazem quase 90% das necessidades energéticas da economia nacional e a YPF é o principal operador integrado do setor (34% da extração de petróleo e 23% da do gás natural, em dezembro de 2011; 51,7% da capacidade instalada de refinação de cru e 55,2 da oferta de combustíveis líquidos de produção nacional), para muitos especialistas é uma ferramenta imprescindível para cumprir os objetivos de política nacional expressados acima.
- Frente a tantos vaivéns na Bolsa desde janeiro até agora, qual é o preço que deveria ser negociada uma eventual compra da YPF?
O preço em bolsa da YPF é uma equação com um altíssimo componente especulativo. A parte do capital que se opera ou “flutua” no mercado é minoritária e muito pouco representativa do valor da empresa. A Repsol detém 57,5% e o Grupo Petersen 25,5% (família Eskenazi), com o qual o capital “flutuante” é de cerca de 17%. Desta porção, só uma parte ínfima se oferece diariamente no mercado, porque a maioria desses 17% está em mãos de investidores particulares ou institucionais (fundos bancários, carteiras de correntistas) de pouca mobilidade, ou seja, que não são comprados e vendidos diariamente.
YPF é um papel dos denominados de “baixa liquidez”, regularmente de poucas operações. Entretanto, diante da disputa com o Governo e a onda de rumores, a ação adquiriu um alto voo especulativo diário, com operações nem sempre transparentes e movimentos carentes de lógica. Rumores de “intervenção” ou “expropriação” provocaram, por exemplo, fortes baixas (29 de fevereiro, 15%) ou fortes altas (última quinta-feira, 7,4%) em dias diferentes e diante de previsões similares (com respectivos anúncios que se supunha a presidenta da Nação iria fazer nas próximas horas). O “preço de mercado”, nestas condições, passou de 16 bilhões de dólares no ano passado a menos de nove bilhões nesta semana, mas os acontecimentos destes dias voltam a demonstrar que ambas as pontas podem representar uma ficção manejada por especuladores que tiram proveito do desconcerto, tanto quando sobem as ações, como quando elas caem.
- Então, qual é o valor de referência que deveria ser usado para a YPF?
De acordo com o estado contábil da empresa em 31 de dezembro de 2011, o patrimônio líquido (ativos totais menos passivos totais) é de 18,375 bilhões de pesos. A cotação atual (4,40 pesos por dólar) equivaleria a 4,176 bilhões de dólares. Sobre essa base, uma negociação entre o governo nacional e os acionistas principais (neste caso, a Repsol e o Grupo Petersen) deveria levar em conta os passivos ambientais, não contabilizados (danos ao meio-ambiente em zonas de produção ou transporte) e descumprimentos que a empresa possa haver incorrido e possam ser considerados, em consequência, como “passivos contingentes” (reclamáveis pela parte afetada).
- A YPF não implica um custo duplo para o Estado uma vez que, ao pagamento das ações devem-se somar os investimentos necessários que a empresa não fez em mãos privadas? Não seria mais conveniente criar uma nova empresa e começar do zero?
A resposta que os analistas dão em ambos os casos é que não. Com a YPF se parte de uma situação de posição dominante real, porque tem instalações e capacidade produtiva e de distribuição em toda a cadeia, desde o poço (equipes de perfuração e outros serviços) até a rede de postos de gasolina, passando pelas refinarias, oleodutos e frota de transporte, embora não se leve em conta as reservas, que são de propriedade pública. Começar de zero suporia fazer todo esse enorme investimento. Por outro lado, ajustar os números a partir do “valor de livros” e não em respeito de um fictício valor de mercado, implica deixar margem para os investimentos mais urgentes. Além disso, a existência de uma empresa estatal suporia a possibilidade de associar-se com outras firmas privadas, o que atrairia capitais privados que hoje não acedem pela posição dominante da YPF privada na área.
Quem sustenta que um esquema de empresa estatal forte e um programa energético nacional de longo prazo seriam mais atrativos para o capital privado produtivo que o esquema atual (que atrai fundamentalmente capitais financeiros especulativos ao mercado petrolífero), aporta o seguinte dado como argumento: durante o período de 2004 à 2011, as obras em infraestrutura energética concluídas consumiram um investimento de 73,54 bilhões de pesos, geridas pelo Ministério de Planejamento. Desses, 74% corresponderam a investimentos públicos, o resto foi misto ou privado.
Atualmente se encontram em execução obras no mesmo ramo que representam investimentos de 52,36 bilhões de pesos, majoritariamente com aportes públicos. Estas cifras evidenciariam que o Estado tem a capacidade de levar adiante e gerir os investimentos necessários noupstream (prospecção e exploração) e no downstream (refinação e comercialização) para pôr em marcha de imediato o processo de recuperação e dinamização do setor.
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