terça-feira, 21 de dezembro de 2010

HÁ CINQUENTA ANOS FOI DIFERENTE

Por Carlos Chagas.Vale lembrar como as sucessões são diferentes. Há cinqüenta anos Jânio Quadros tinha sido eleito por incontestável maioria e prendia as atenções tanto pelo seu histrionismo quanto pela falta de definições, excetuadas as tiradas demagógicas dos palanques. Juscelino Kubitschek, de  malas prontas, também era popularíssimo, mas desconfiava do sucessor.
Um amigo comum do que saía e do que entrava, o poeta Augusto Frederico Schmidt, procurou JK  dias antes da posse e confidenciou a má notícia: Jânio havia preparado  violento ataque ao antecessor, acusando-o de deixar a economia nacional em frangalhos, falando até  de improbidade. Leria a catilinária  no momento da transmissão da faixa.
Juscelino mandou chamar o chefe do Cerimonial, embaixador Aloysio Napoleão, pedindo para ver o planejamento da solenidade.  Mudou tudo, fazendo com que os dois presidentes ficassem frente a frente no meio do salão,  não mais do que um metro   separando-os, e  os respectivos ministros e auxiliares bem atrás, muito atrás. E disse a Augusto Frederico Schmidt que se Jânio atingisse a sua honra, daria um passo adiante e um soco na cara dele. Seria um escândalo internacional, comentou, mas estava firmemente decidido a reagir assim. O poeta deu o recado, ainda que ficasse a expectativa de como as coisas transcorreriam. Na hora, Jânio não discursou, fazendo uma  saudação cheia de elogios a Juscelino, que foi embora feliz para a Europa, naquela noite mesmo. Quando o avião da Panair já sobrevoava o Atlântico, o piloto chamou-o à cabine, e passou-lhe os fones de ouvido para que tomasse conhecimento do discurso do novo presidente,  transmitido em  cadeia de rádio e televisão. Era a peça raivosa e cheia de acusações virulentas.
Essa história tem mais um capítulo.  Anos depois, ambos cassados pelo movimento militar, jamais se tinham encontrado quando JK foi ao Guarujá fazer uma palestra. Descansava no quarto do hotel quando Jânio irrompe pela porta, nem lhe dando tempo para levantar.  Senta-se na beirada da cama, segura os braços de Juscelino e exclama:
“Errei, meu amigo, errei! Também, eu nem tinha lido antes o discurso que o Schmidt escreveu para mim...”

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