Marcos Coimbra, do Correio Brasiliense
Terça-feira, na apresentação da Mensagem ao Congresso Nacional de 2011, Dilma inovou, mesmo mantendo algumas tradições estabelecidas pelos últimos presidentes.
A principal mudança não estava apenas em sua presença para ler e entregar em mãos o documento. Nunca foi hábito de nossos presidentes comparecer ao parlamento na abertura das sessões legislativas, para se pronunciar sobre o Brasil e apresentar suas metas.
Nada de parecido ao costume norte-americano do discurso a respeito do “State of the Union”, feito todos os anos pelo presidente ao Congresso desde a década de 1910, quando Woodrow Wilson o inaugurou. Lá, a Constituição obriga o Executivo a informar anualmente o Legislativo sobre sua visão e prioridades, mas ele foi o primeiro a fazê-lo através de manifestação pessoal. Daí em diante, todos os sucessores repetiram o gesto.
Aqui, temos norma parecida, mas ela não é cumprida dessa forma. A praxe é a Mensagem ser entregue ao presidente do Congresso pelo chefe da Casa Civil, dispensada a leitura. O presidente da República só a leva se quiser. Como Lula, que o fez apenas uma vez, em 2003.
Logo no começo da apresentação, Dilma deixou aberta a possibilidade de que sua ida não fosse a única. Disse que encaminhava a Mensagem “pela primeira vez neste mandato”, o que pode ser interpretado como sinal de sua disposição de voltar.
Essa seria uma mudança significativa no modo como se relacionam os Poderes em nosso sistema político. A solenidade estabelece uma nítida fronteira entre Executivo e Legislativo, ressaltando sua diferença e a independência respeitosa que deve prevalecer na sua convivência.
Embora esses sejam princípios de nossa Constituição, na prática, a regra tem sido outra. Desde a redemocratização, os dois Poderes se misturaram mais do que deveriam, em casamentos sempre indesejáveis. Institucionalizar sua diferenciação é salutar para a democracia e a formação cívica do povo. Todos os passos que Dilma der nessa direção serão bem-vindos.
Ela fez uma coisa que nenhum de seus predecessores havia feito: citou nominalmente o presidente que a antecedeu. Na apresentação da Mensagem, o nome de Lula foi mencionado, ainda que apenas uma vez, algo que poderia surpreender quem esperava que aparecesse mais frequentemente.
Não é estranho que Collor não falasse de Sarney, Itamar de Collor, ou Lula de Fernando Henrique. Mas é curioso que FHC, em 1995, na sua primeira Mensagem, só se referisse ao hoje senador Itamar Franco como “meu antecessor”, sem dizer seu nome (logo acrescentando que ele próprio havia sido o ministro responsável pelo “êxito do programa de estabilização econômica”, assim reivindicando a paternidade exclusiva do Real).
Apesar de várias discrepâncias, as Mensagens de Dilma e Fernando Henrique são semelhantes em um ponto. Na parte relativa à política externa, ambas só deram destaque à América do Sul, com menções ao Mercosul, à ALCSA (ele) e à Unasul (ela). Nenhum dos dois achou que devia pagar tributo a outras regiões ou países, ao contrário do que andaram cobrando de Dilma alguns comentaristas da oposição, que não gostaram de ela não ter mencionado os Estados Unidos na sua fala.
Quem, aliás, leu o que publicou nossa “grande imprensa” sobre a ida de Dilma ao Congresso pode ter ficado com uma impressão equivocada. O que mais vimos foram críticas apressadas e superficiais, de quem, aparentemente, sequer se deu ao trabalho de procurar saber o que ela disse.
As Mensagens ao Congresso Nacional não são obras de filosofia política ou tratados de sociologia. Não se destinam a apresentar interpretações inovadoras de nossa realidade econômica, social ou cultural. Não são feitas para que sejam recebidas com palmas e entusiasmo. São, apenas, uma informação que o Poder Executivo presta ao Legislativo sobre como vê o país e quais seus objetivos no ano.
O governo Dilma mostrou como pretende se relacionar com o Congresso, detalhando seu diagnóstico e suas propostas. A primeira Mensagem que encaminhou, com suas 416 páginas, foi bem mais que o rápido cumprimento de uma formalidade. Apenas na apresentação que a presidente leu, dedicou, por exemplo, cinco parágrafos às enchentes de janeiro no Sudeste e às providências que o governo está tomando para evitar a repetição de tragédias, quatro à educação e quatro à saúde (para comparar: na apresentação da sua primeira Mensagem, FHC usou uma vez as palavras educação e saúde — sem qualquer explicação sobre o que imaginava fazer — enquanto destinou 14 parágrafos para falar da economia, tema fundamental naquele momento).
Cada governo tem suas prioridades. O importante é que as deixe claras para o Congresso.
*Marcos Coimbra, sociólogo, preside o Instituto Vox Populi e escreve para o ‘Correio Brasiliense”.
A principal mudança não estava apenas em sua presença para ler e entregar em mãos o documento. Nunca foi hábito de nossos presidentes comparecer ao parlamento na abertura das sessões legislativas, para se pronunciar sobre o Brasil e apresentar suas metas.
Nada de parecido ao costume norte-americano do discurso a respeito do “State of the Union”, feito todos os anos pelo presidente ao Congresso desde a década de 1910, quando Woodrow Wilson o inaugurou. Lá, a Constituição obriga o Executivo a informar anualmente o Legislativo sobre sua visão e prioridades, mas ele foi o primeiro a fazê-lo através de manifestação pessoal. Daí em diante, todos os sucessores repetiram o gesto.
Aqui, temos norma parecida, mas ela não é cumprida dessa forma. A praxe é a Mensagem ser entregue ao presidente do Congresso pelo chefe da Casa Civil, dispensada a leitura. O presidente da República só a leva se quiser. Como Lula, que o fez apenas uma vez, em 2003.
Logo no começo da apresentação, Dilma deixou aberta a possibilidade de que sua ida não fosse a única. Disse que encaminhava a Mensagem “pela primeira vez neste mandato”, o que pode ser interpretado como sinal de sua disposição de voltar.
Essa seria uma mudança significativa no modo como se relacionam os Poderes em nosso sistema político. A solenidade estabelece uma nítida fronteira entre Executivo e Legislativo, ressaltando sua diferença e a independência respeitosa que deve prevalecer na sua convivência.
Embora esses sejam princípios de nossa Constituição, na prática, a regra tem sido outra. Desde a redemocratização, os dois Poderes se misturaram mais do que deveriam, em casamentos sempre indesejáveis. Institucionalizar sua diferenciação é salutar para a democracia e a formação cívica do povo. Todos os passos que Dilma der nessa direção serão bem-vindos.
Ela fez uma coisa que nenhum de seus predecessores havia feito: citou nominalmente o presidente que a antecedeu. Na apresentação da Mensagem, o nome de Lula foi mencionado, ainda que apenas uma vez, algo que poderia surpreender quem esperava que aparecesse mais frequentemente.
Não é estranho que Collor não falasse de Sarney, Itamar de Collor, ou Lula de Fernando Henrique. Mas é curioso que FHC, em 1995, na sua primeira Mensagem, só se referisse ao hoje senador Itamar Franco como “meu antecessor”, sem dizer seu nome (logo acrescentando que ele próprio havia sido o ministro responsável pelo “êxito do programa de estabilização econômica”, assim reivindicando a paternidade exclusiva do Real).
Apesar de várias discrepâncias, as Mensagens de Dilma e Fernando Henrique são semelhantes em um ponto. Na parte relativa à política externa, ambas só deram destaque à América do Sul, com menções ao Mercosul, à ALCSA (ele) e à Unasul (ela). Nenhum dos dois achou que devia pagar tributo a outras regiões ou países, ao contrário do que andaram cobrando de Dilma alguns comentaristas da oposição, que não gostaram de ela não ter mencionado os Estados Unidos na sua fala.
Quem, aliás, leu o que publicou nossa “grande imprensa” sobre a ida de Dilma ao Congresso pode ter ficado com uma impressão equivocada. O que mais vimos foram críticas apressadas e superficiais, de quem, aparentemente, sequer se deu ao trabalho de procurar saber o que ela disse.
As Mensagens ao Congresso Nacional não são obras de filosofia política ou tratados de sociologia. Não se destinam a apresentar interpretações inovadoras de nossa realidade econômica, social ou cultural. Não são feitas para que sejam recebidas com palmas e entusiasmo. São, apenas, uma informação que o Poder Executivo presta ao Legislativo sobre como vê o país e quais seus objetivos no ano.
O governo Dilma mostrou como pretende se relacionar com o Congresso, detalhando seu diagnóstico e suas propostas. A primeira Mensagem que encaminhou, com suas 416 páginas, foi bem mais que o rápido cumprimento de uma formalidade. Apenas na apresentação que a presidente leu, dedicou, por exemplo, cinco parágrafos às enchentes de janeiro no Sudeste e às providências que o governo está tomando para evitar a repetição de tragédias, quatro à educação e quatro à saúde (para comparar: na apresentação da sua primeira Mensagem, FHC usou uma vez as palavras educação e saúde — sem qualquer explicação sobre o que imaginava fazer — enquanto destinou 14 parágrafos para falar da economia, tema fundamental naquele momento).
Cada governo tem suas prioridades. O importante é que as deixe claras para o Congresso.
*Marcos Coimbra, sociólogo, preside o Instituto Vox Populi e escreve para o ‘Correio Brasiliense”.
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