terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Quem assistiu ao Jornal da Globo do primeiro dia útil desta semana deve ter passado por várias emoções seguidas, entre o começo e o fim da primeira matéria daquela edição do telejornal. A expressão do rosto do âncora Willian Waack ao anunciar uma “difícil realidade” no mercado de trabalho, foi desanimadora. Mas só até assistir à matéria que sobreviria.
Saí para comprar cigarros no início da madrugada desta terça-feira e eis que flagro o porteiro do meu prédio assistindo, em sua TV portátil, à abertura do telejornal. Em vez de ir direto à jaula em que a pessoa fica presa para entrar ou sair de um condomínio que também é cercado por fios elétricos de alta tensão, sendo dotado de um aparato de segurança digno de campo de concentração, acheguei-me a ele, como que prevendo o que viria pela telinha.
Entra a locução de Waack:
Pleno emprego e baixa taxa de desemprego são números positivos que escondem uma difícil realidade (…)”.
Uau! O que é que viria por ali, pensei. Talvez uma denúncia sobre aviltamento das condições de trabalho, apesar do “pleno emprego” que passaria a ser comentado.
Só poderia ser isso, porque “difícil realidade”, para mim – e, como se verá a seguir, também para o porteiro do meu prédio –, era quando não havia emprego e os patrões podiam escolher até engenheiros para trabalhar como lixeiros – alguém se lembra das reportagens da Globo sobre pessoas formadas que, na era FHC, entravam em filas para se candidatar a vagas de lixeiro?
A denúncia sobre a tal “difícil realidade”, porém, não dava conta de qualquer aviltamento das condições de trabalho. Muito pelo contrário, informava o telespectador de que estão melhorando as condições de trabalho oferecidas pelos patrões em praticamente todos os setores da economia, com oferta de melhores salários e maiores benefícios.
E continuava a locução desanimadora do âncora Waack:
“(…) a dificuldade para achar trabalhadores qualificados leva as empresas a uma disputa que emperra o crescimento da economia”.
Entra a locução da segunda âncora do telejornal, Cristiane Pelajo:
Esse é um dos problemas do mercado de trabalho brasileiro que o Jornal da Globo começa a tratar agora na série Emprego”.
A reportagem não mostra problema nenhum. É até bem feitinha, aliás. Mostra uma situação dourada na economia brasileira. Situação que um homem da minha idade, já na quinta década de vida, jamais vira neste país.
Leia ou assista, abaixo, a reportagem do Jornal da Globo que revela um país em que o trabalho se valoriza porque, agora, o empresariado não pode mais contratar pelo salário que quer, mas pelo salário que o trabalhador aceite. Em seguida, apresento a conclusão que o tal porteiro verbalizou sobre a “difícil realidade” brasileira.
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JORNAL DA GLOBO
7 de fevereiro de 2011
Empresas têm dificuldade para encontrar trabalhadores qualificados
No Brasil, o desemprego está numa baixa histórica. Mas nem sempre quem está atrás de uma vaga tem o perfil para ser contratado. Faltam quantidade e qualidade no mercado de trabalho.
Fábio Turci.
São Paulo, SP
A sinfonia de um país funcionando. Quanto mais trabalhadores fazendo o seu barulho, mais o conjunto é afinado. Nos últimos oito anos, o Brasil nunca teve tanta gente no ritmo como agora.
O desemprego está numa baixa histórica e as empresas continuam contratando. Em São Paulo, o Centro de Solidariedade ao Trabalhador tem 18 mil vagas.
“Dezoito mil vagas abertas é um numero bastante significativo comparando com os anos anteriores, nossa media era 10 mil, 12 mil vagas, então tivemos um boom de junho pra cá”, explica a gerente de atendimento ao trabalhador, Izilda Leal Borges.
“Está tendo muita oportunidade de trabalho, tem pessoas que estavam muito tempo parada e conseguiu emprego rápido”, diz a cabeleireira Tatiana Bezerra da Silva.
“O Brasil está vivendo esta situação de pleno emprego pelo fato de estar abrindo muitas oportunidades de trabalho, muitos empregos novos em áreas novas, em regiões novas, atividades novas e estão absorvendo as pessoas que se dispõem a trabalhar”, explica o professor de relações de trabalho da Fea- Usp, José Pastore.
É o atestado de que uma economia vai bem. Mas o pleno emprego também desafia a capacidade do país de produzir mão de obra.
De um lado, as empresas seguem crescendo e abrindo vagas. De outro, uma pequena parcela da população ainda está desempregada e quer trabalhar. Mas a conta não fecha – nem com os jovens que estão chegando. Isso porque nem sempre quem está atrás de uma vaga tem o perfil pra ser contratado. Por exemplo, uma empresa precisa de uma secretária. Aparecem poucas candidatas. Uma não fez o curso, a outra não fala inglês, a terceira não tem experiência. Falta quantidade e qualidade no mercado de trabalho.
“Tem gente que não está conseguindo emprego mesmo com tanta oferta. Quem não consegue emprego é porque não tem qualificação”, explica Izilda.
“Mesmo numa situação de pleno emprego, há muitos casos em que as empresas não conseguem contratar o profissional adequado para a atividade a ser desempenhada. O Brasil está neste caso em vários setores e várias profissões”, avisa José Pastore.
Uma área comercial de São Paulo resume o que acontece hoje no mercado de trabalho brasileiro. Tem muita empresa precisando de funcionário. Agora, pra encontrar a pessoa certa…
“Eu precisava de pessoas com experiência, só que eu não encontro ninguém, então agora o meu objetivo é qualquer pessoa que queira trabalhar não importa que tenha experiência”, afirma a dona de padaria Dina Matias.
Três meses procurando um manobrista e um projetista de cozinhas e nada. “A impressão que nós temos é que a maioria deles estão empregados, estão trabalhando e só há mobilidade quando um deles sai de uma empresa e quer mudar ou quer ir pra outro lugar”, conta o gerente de loja Ricardo Montanha.
Mas isso, pra economia do país, é uma conta de soma zero. Resolve o problema de uma empresa, mas cria um problema pra outra.
“Nosso encarregado de obras foi capturado por outra construtora e isso acontece não só com encarregado, está acontecendo com várias outras funções dentro da empresa e isso está dando um problema muito sério na produtividade das obras em geral”, justifica o diretor técnico da construtora Milton Bigucci Junior.
Quando visitamos a obra de um prédio residencial, o azulejo já devia ter sido colocado até o 15º andar – o último. Estava no 6º. O gesso era pra estar pronto até o 8º andar. Não tinha passado do 3º.
Como não consegue segurar todos os funcionários, a construtora reformou o cronograma.
Pra evitar atrasos, as novas obras vão começar seis meses antes do habitual.
“Nós iniciamos a obra antes tendo a certeza que nós vamos perder alguém no caminho, não é uma previsão, é uma certeza, porque essa demanda está muito alta e tende a aumentar na nossa opinião”, fala Milton.
Encontramos empresas que foram vencidas pelo cansaço. Uma delas, no interior de São Paulo, precisa de um operador de máquinas. Procurou por seis meses. Desistiu. O trabalho é operar uma beneficiadora – que separa o milho das impurezas.
“Nós testamos algumas pessoas, mas eles se encaixam como auxiliar de serviços gerais, mas como operador mesmo, que possa assumir as responsabilidades que esses equipamentos exigem e o grau de risco também nós infelizmente não conseguimos”, diz o gerente comercial da Agrosema, João Luis de Sousa.
Agora, com o início da safra e muito milho pra estocar, sobrou para os outros funcionários.
“Nós trabalhamos oito horas por dia, agora sem o operador a gente vai ter que trabalhar 12 por 12, eu trabalho 12 horas e o outro encarregado trabalha 12 horas”, diz o operador de máquina Carmo Macedo Júnior.
“A empresa está visando um crescimento de 30% esse ano, pra crescer, nós temos também que ter profissional qualificado”, afirma João Luis.
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O porteiro e eu ainda permanecemos em silêncio por alguns longos segundos, ao término da apresentação da matéria. Então fiz uma provocação àquele pernambucano de 46 anos, com instrução fundamental mínima. Travou-se o seguinte diálogo:
– Que droga, hein, cara! Que “difícil realidade”, gente!
– Ô, seo Edu, desculpa eu discordar do senhor, mas situação difícil era antigamente, quando eu vim pra São Paulo e morei até debaixo da ponte porque não achava emprego.
– Mas e os empresários, coitados! Não viu aquele que só quer crescer 30% este ano e não encontra mão-de-obra?
– Pô, seo Edu, desculpa, mas eu não tenho pena de patrão, não. E se ele vai crescer 30% a situação dele não tá nada difícil. Difícil é o sujeito não encontrar trabalho, pô!
– Mas… Cara… Pelo que a Globo mostra, a situação do país está uma merda.
– Tá não, seo Edu. Tá ótima. Tem um monte de gente estudando. Vai ter gente pra trabalhar, lá na frente. Eu não estudo, mas tô pensando… O senhor sabia que me convidaram pra trabalhar no “Lambda”?
– O prédio aí de cima?
– Sim senhor! Ofereceram R$ 1.300. Só não vou por causa dos bicos, aqui, que dão mais que o salário.
O porteiro do prédio pintou um apartamento, recentemente, e cobrou R$ 2.800.
– Mas, então, por que a Globo diz que a situação é difícil – inquiri, mantendo a provocação
– Seo Edu, a Globo está reclamando em nome dos patrões, que gostam de pagar salário baixo. Agora, pra conseguir empregado, tem que pagar mais.
– Ah, tá. Agora entendi. Bem, boa noite, cara. Bom serviço…
– Valeu, seo Edu. E não esquenta a cabeça com a Globo, tá?
– Ok, vou confiar em você, bicho. Fiquei até mais tranqüilo, agora.

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