Marcos Coimbra, preside o Instituto Vox Populi e escreve no Correio Braziliense.
Pelo que se lê na imprensa, uma das propostas mais cotadas na comissão do Senado para a reforma política é a que altera nossa legislação eleitoral. O voto distrital está em alta, especialmente na versão do chamado “distritão”. Depois de quase 80 anos, parece que os dias do voto proporcional estão contados.
Desde quando se estruturou como país independente e até a década de 1930 (salvo durante o pequeno intervalo em que esteve em vigor a chamada “Lei do Terço”), o Brasil teve voto distrital. Conhecemos, portanto, seus alcances e limites, o que pode nos ajudar nas discussões atuais. Sempre, é claro, lembrando as imensas diferenças que existem entre os dois momentos.
A história do voto distrital começa, por aqui, em 1855, com a promulgação da Lei nº 842, conhecida como “Lei dos Círculos”. Com ela, a elite política do Império pensava aumentar a representatividade do processo eleitoral, aproximando-o dos votantes (não esquecendo que o voto não era universal, dele sendo excluídos mulheres, escravos e incapazes), e evitar que “as maiorias provinciais sufocassem as maiorias locais”, como afirmou o Marques do Paraná, no Senado, em julho daquele ano.
O que o notável presidente do Conselho de Ministros buscava era um mecanismo que melhorasse a representação das diferentes opiniões existentes no país, que seria inibida se apenas as maiorias de cada província fossem levadas em conta. O voto majoritário provincial (igual ao distritão de hoje, diga-se de passagem) refletiria equivocadamente a realidade, pois em um ou mais distritos a maioria local poderia ser outra. Era preciso, portanto, criar uma forma que permitisse que essas opiniões se expressassem, impedindo a ditadura da maioria.
Na eleição dos deputados gerais (equivalentes aos federais de hoje), o sistema estabelecia que um deputado seria eleito por distrito — o “círculo eleitoral”. Esses tinham como referência as freguesias, sendo sua sede a cidade ou vila mais central, na qual os votantes se reuniam em um colégio (em sentido literal) para escolher quem os representaria. Desejavelmente, a população de homens livres de cada distrito seria igual.
Como se vê, não se inventavam distritos arbitrariamente. Ao contrário, as freguesias tinham significado real, e, embora fossem unidades eclesiásticas, eram reconhecidas pelo Estado para fins administrativos. Ninguém desenhou no mapa, pensando na sua conveniência, um distrito para chamar de seu.
Se formos em frente na adoção do voto distrital, é bom prestar atenção no risco de termos distritos “artificiais”, criados com base em cálculos que levam em conta apenas as vantagens que seus autores pensam auferir do modelo. O gerrymandering, nome que os americanos dão às chicanas usadas para manipular fronteiras entre distritos, teria que ser repelido com rigor.
Como seriam, no entanto, definidos distritos “reais”? As freguesias não existem mais, nem nada parecido. Diferentemente de outros países, nossa vida econômica, social, cultural, política e administrativa nunca girou em torno de distritos (ou quaisquer outras formas de regionalização) que pudessem ser considerados “naturais”. Seria estranho que, apenas na hora das eleições, alguns municípios fossem juntados a outros para escolher um mesmo representante.
A Lei nº 842, ao propor distritos de tamanho tão igual quanto possível, aplicou o clássico princípio de “cada cabeça, um voto”, que é comum nos países que têm voto distrital. Será que é isso que pensam seus defensores hoje?
O tamanho das bancadas estaduais na Câmara é o oposto do que teríamos se o adotássemos. Nossa Constituição super-representa os estados menores (fixando o número mínimo de oito cadeiras para cada um) e sub-representa os grandes (fixando o máximo de 70). Hoje, um deputado de São Paulo representa, em média, cerca de 450 mil eleitores, enquanto outro de Roraima, pouco mais que 30 mil. O voto distrital corrigiria essa distorção, mas à custa de uma drástica redução das bancadas de Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Resta saber se o atual Congresso a aprovaria.
Tentando escapar desses problemas, circula na comissão senatorial a ideia do “distritão”. Ela nada mais é que a adoção pura e simples do voto majoritário nas eleições de deputados. Torcendo os conceitos, os estados seriam considerados distritos, nos quais se elegeriam, por maioria, todos os deputados a que têm direito pela legislação em vigor. Parece-se em muito com o que tivemos de 1846 a 1855.
É o pior dos mundos. Vão-se embora os problemas do voto proporcional, mas, também, as virtudes (fortalecimento dos partidos, representação de minorias, voto ideológico, etc.). Cria-se algo que não traz as vantagens do voto distrital (proximidade entre eleitor e eleito, compromisso do eleito com seu eleitorado, etc.) e que consagra o predomínio do indivíduo sobre os partidos.
Saímos do ruim e vamos para o pior. Ainda bem que o Marquês do Paraná não está aqui para ver o que fazem os estadistas do presente.
Desde quando se estruturou como país independente e até a década de 1930 (salvo durante o pequeno intervalo em que esteve em vigor a chamada “Lei do Terço”), o Brasil teve voto distrital. Conhecemos, portanto, seus alcances e limites, o que pode nos ajudar nas discussões atuais. Sempre, é claro, lembrando as imensas diferenças que existem entre os dois momentos.
A história do voto distrital começa, por aqui, em 1855, com a promulgação da Lei nº 842, conhecida como “Lei dos Círculos”. Com ela, a elite política do Império pensava aumentar a representatividade do processo eleitoral, aproximando-o dos votantes (não esquecendo que o voto não era universal, dele sendo excluídos mulheres, escravos e incapazes), e evitar que “as maiorias provinciais sufocassem as maiorias locais”, como afirmou o Marques do Paraná, no Senado, em julho daquele ano.
O que o notável presidente do Conselho de Ministros buscava era um mecanismo que melhorasse a representação das diferentes opiniões existentes no país, que seria inibida se apenas as maiorias de cada província fossem levadas em conta. O voto majoritário provincial (igual ao distritão de hoje, diga-se de passagem) refletiria equivocadamente a realidade, pois em um ou mais distritos a maioria local poderia ser outra. Era preciso, portanto, criar uma forma que permitisse que essas opiniões se expressassem, impedindo a ditadura da maioria.
Na eleição dos deputados gerais (equivalentes aos federais de hoje), o sistema estabelecia que um deputado seria eleito por distrito — o “círculo eleitoral”. Esses tinham como referência as freguesias, sendo sua sede a cidade ou vila mais central, na qual os votantes se reuniam em um colégio (em sentido literal) para escolher quem os representaria. Desejavelmente, a população de homens livres de cada distrito seria igual.
Como se vê, não se inventavam distritos arbitrariamente. Ao contrário, as freguesias tinham significado real, e, embora fossem unidades eclesiásticas, eram reconhecidas pelo Estado para fins administrativos. Ninguém desenhou no mapa, pensando na sua conveniência, um distrito para chamar de seu.
Se formos em frente na adoção do voto distrital, é bom prestar atenção no risco de termos distritos “artificiais”, criados com base em cálculos que levam em conta apenas as vantagens que seus autores pensam auferir do modelo. O gerrymandering, nome que os americanos dão às chicanas usadas para manipular fronteiras entre distritos, teria que ser repelido com rigor.
Como seriam, no entanto, definidos distritos “reais”? As freguesias não existem mais, nem nada parecido. Diferentemente de outros países, nossa vida econômica, social, cultural, política e administrativa nunca girou em torno de distritos (ou quaisquer outras formas de regionalização) que pudessem ser considerados “naturais”. Seria estranho que, apenas na hora das eleições, alguns municípios fossem juntados a outros para escolher um mesmo representante.
A Lei nº 842, ao propor distritos de tamanho tão igual quanto possível, aplicou o clássico princípio de “cada cabeça, um voto”, que é comum nos países que têm voto distrital. Será que é isso que pensam seus defensores hoje?
O tamanho das bancadas estaduais na Câmara é o oposto do que teríamos se o adotássemos. Nossa Constituição super-representa os estados menores (fixando o número mínimo de oito cadeiras para cada um) e sub-representa os grandes (fixando o máximo de 70). Hoje, um deputado de São Paulo representa, em média, cerca de 450 mil eleitores, enquanto outro de Roraima, pouco mais que 30 mil. O voto distrital corrigiria essa distorção, mas à custa de uma drástica redução das bancadas de Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Resta saber se o atual Congresso a aprovaria.
Tentando escapar desses problemas, circula na comissão senatorial a ideia do “distritão”. Ela nada mais é que a adoção pura e simples do voto majoritário nas eleições de deputados. Torcendo os conceitos, os estados seriam considerados distritos, nos quais se elegeriam, por maioria, todos os deputados a que têm direito pela legislação em vigor. Parece-se em muito com o que tivemos de 1846 a 1855.
É o pior dos mundos. Vão-se embora os problemas do voto proporcional, mas, também, as virtudes (fortalecimento dos partidos, representação de minorias, voto ideológico, etc.). Cria-se algo que não traz as vantagens do voto distrital (proximidade entre eleitor e eleito, compromisso do eleito com seu eleitorado, etc.) e que consagra o predomínio do indivíduo sobre os partidos.
Saímos do ruim e vamos para o pior. Ainda bem que o Marquês do Paraná não está aqui para ver o que fazem os estadistas do presente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário