Maria Rita Kehl afrontou um dos dogmas da direita brasileira, o de que o voto dos pobres deve valer menos do que o dos ricos. Logo que eu soube do acontecido, escrevi para ela dando-lhe os parabéns, e sugerindo que ela pusesse em seu currículo algo como “colunista do Estadão de xx/xx/xxxx até 03/10/2010, demitida por delito de opinião”.
Flávio Aguiar, Carta Maior
Conheci Maria Rita Kehl em 1975, no Jornal Movimento.
Desde então fomos companheiros fiéis de várias aventuras jornalísticas.
Aprendi muito com ela.
Com seu estilo firme e claro de escrever. Com sua coragem de destoar. E de toar também. Com sua
maneira autêntica de ser, de escrever, e de ler.
Maria Rita é radical, sem ser sectária. É livre. Desde sempre e para sempre.
Por isso não me surpreendeu que sua presença no Estadão acabasse como acabou: em expulsão.
Afinal, Maria Rita afrontou um dos dogmas da direita brasileira, o de que o voto dos pobres deve, sim, valer menos do que o dos ricos e remediados. Uma pregação que a UDN, a velha ou a neo, faz desde que em 1950 o povo reconduziu Getúlio Vargas ao poder.
E logo onde Maria Rita afrontou esse dogma! No bunker da Família Mesquita!
Imagino a cena: na diretoria (ou direitaria?) alguém se deu conta do que saiu nas páginas sacrossantas. Talvez tenha sido um telefonema de fora. Talvez alguém que tomou conhecimento pela repercussão na internet.
Não importa. Sem perda de tempo, as divisões Panzer foram acionadas contra a jornalista, com ajuda da Luftwaffe. Rajadas de metralhadora caíram sobre ela, e depois vieram as explicações mal enjambradas, querendo banalizar o mal feito. “Troca de colunistas”, “coisa normal”, “acontece”... etc. Mas a peneira não tapa o holofote: esse é o conceito de liberdade de imprensa e de expressão que a direita tem, e que reserva para o país.
Que vergonha!
Logo que eu soube do acontecido, escrevi para ela dando-lhe os parabéns, e sugerindo que ela pusesse em seu currículo algo como “colunista do Estadão de xx/xx/xxxx até 03/10/2010, demitida por delito de opinião”.
Para ela, ficou tudo muito bem. Foi um tropeço. Para o jornal, a empresa, no fim de contas, um papelão. A questão pior, agora, fica para os demais colaboradores e colunistas do jornal – pelo menos para aqueles que não pretendam se pautar pela ordem unida da direita brasileira: o que fazer?
Claro que há questões de contrato, etc. Mas nessa vida tudo é passageiro, exceto o cobrador e o motorneiro.
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