Por Luiz Carlos Azenha, no Vi o Mundo
No início de 2012 eu completo 40 anos de jornalismo. Prefiro dizer que serão 40 anos de vida de repórter. Entenda, caro leitor que não tem intimidade com uma redação, que os repórteres formam uma tribo à parte.
Ninguém gosta de repórter. O chefe não gosta de repórter porque, na rua, frequentemente o repórter derrota a “tese” do chefe. Explico melhor. O chefe leu em algum lugar, ouviu falar ou acredita piamente numa teoria. Encomenda uma reportagem. Mas o repórter vai lá e descobre que não é bem assim. O conflito resultante produz uma reportagem-frankenstein, quando não uma demissão.
O mesmo podemos dizer do pauteiro, que não tem tanto poder quanto o chefe, mas tem muito mais teorias que ele.
E assim é com o chefe de redação, o chefe de reportagem, os editores em geral e os editores-chefe em particular. Também acontece com os apresentadores que nunca foram repórteres, às vezes nem mesmo jornalistas.
E olhem que estou falando apenas dos colegas de trabalho. Mas o apego à verdade factual também nos custa caro com as fontes, com as autoridades em geral, com os relações públicas e os aspones encarregados de plantar notícias.
Ou seja, caro leitor, a lista de inimigos em potencial de um repórter é ampla.
Razão pela qual os repórteres se dão muito bem com… outros repórteres.
Outro dia um ótimo repórter, o Tony Chastinet, dizia que o Google estava derrotando, aos poucos, o jornalismo.
“Azenha”, disse o Tony, “o pessoal agora acha que faz reportagem pelo Google”.
Ele não falou exatamente assim (um repórter só usa aspas para declarações textuais), mas foi esse o sentido.
O Tony hoje é produtor de TV, ou seja, costuma entregar tudo mastigadinho para aquele que aparece na TV.
Quando ele disse aquilo eu me lembrei do Tim Lopes, que foi meu colega de redação na TV Globo do Rio. Fizemos várias reportagens juntos. O Tim era repórter investigativo e, portanto, dispensava o Google. O Tim descolava pautas conversando com as pessoas. Conversando com as pessoas! Na padaria, no ônibus, no trem de subúrbio, na praia. O Tim era um repórter que conversava com as pessoas! Era muito engraçado vê-lo dividindo redação com jovens que chegavam à Globo trazidos por motoristas particulares…
O Tim costumava brincar: “Se falar em Madureira por aqui tem gente que acha que é uma árvore”. Não, ele nunca disse isso textualmente. Mas brincava com a ideia de jovens jornalistas cariocas que nunca tinha saído da zona Sul.
Não estou entre os saudosistas, que acreditam que tudo era melhor no meu tempo. Os meninos e meninas de hoje chegam às redações muito bem informados, falam dois ou três idiomas, às vezes se especializam desde cedo numa área específica.
A diferença é que antes os remediados eram a imensa maioria nas redações. Ainda que inconscientemente, havia uma boa dose de inconformismo, de rebeldia, de identidade de classe. Hoje nossa profissão é de classe média.
“O Google é o pai do conformismo jornalístico”, diz o Tony Chastinet. “Eles caminham juntos”. Eu continuo inventando aspas, mas foi mais ou menos o que ele quis dizer.
Acho que entendi o sentido: o repórter do passado apoiava sua apuração quase que exclusivamente nas pessoas que encontrava nas ruas, nos ônibus, nas padarias. Hoje ele reproduz de forma bovina as notas oficiais e os press releases e, a título de dar espaço ao “outro lado”, reproduz informações que sabe ser mentirosas.
Ah, sim, e consulta “especialistas” nas ocasiões mais absurdas.
Quando eu era correspondente em Nova York, fiz uma reportagem sobre uma tremenda demonstração de solidariedade humana. Quando estava quase tudo pronto, veio a sugestão: ouça um psicólogo para explicar a solidariedade humana.
Percebi, então, que havia algo de errado com o jornalismo.
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