domingo, 24 de abril de 2011

LÁ E CÁ

Enquanto a novela dos direitos de transmissão no Brasil caminha para um desfecho previsível - beneficiando os de maior poder financeiro e, sobretudo, político -, a Itália vive um princípio de caos por causa da receita vinda da televisão. Por causa dos diferentes interesses, a liga da Serie A escancarou nesta semana um racha entre os grandes e os médios/pequenos.
No ano passado, entrou em vigor a Lei Melandri-Gentiloni, que obrigou os clubes a negociarem coletivamente os direitos, após onze anos de venda individual. O decreto previa uma série de critérios de avaliação para a divisão do dinheiro.
Do total obtido com a TV, 40 por cento seriam divididos de maneira igual entre os clubes. O restante seria repartido de acordo com o mérito esportivo e o que se chama na Itália de "bacino di utenza", algo como "área de influência" ou "campo de alcance" de cada equipe.
Os 30 por cento do mérito esportivo obedecem a três critérios: 5 por cento de acordo com a classificação da temporada anterior (20 pontos para o campeão, 19 para o vice e assim por diante), 15 por cento de acordo com a soma dos últimos cinco campeonatos e outros 10 por cento segundo uma classificação histórica dos clubes no pós-guerra (de 1946 em diante).
A discórdia foi gerada pelo tal "bacino di utenza", que tem 5 por cento ligados à população da cidade de cada clube (até aí tudo bem), e os demais 25 por cento de acordo com o tamanho das torcidas.
Medir a área de influência de um clube, sabe-se, é algo controverso. Até porque o texto da lei não cita especificamente os "tifosi", torcedores, e sim os "sostenitori", na tradução literal, apoiadores. É na interpretação deste termo que residem as diferenças entre grandes e pequenos.
Na assembleia realizada no dia 15 de abril, quinze dos 20 clubes da Serie A votaram a favor da contratação de três institutos de pesquisa (Crespi, Doxa e Sport und Markt) para realizar a verificação do campo de alcance dos times, considerando parâmetros como bilheteria, consumo de produtos e até leitura de jornais locais. Votaram contra Milan, Inter, Juventus, Roma e Napoli.
Para o bloco dos grandes, o interesse é uma verificação simples do tamanho das torcidas, desconsiderando as variáveis defendidas pelos pequenos. Que, por sua vez, consideram plausível alguém se declarar torcedor da

Na Itália, dinheiro da televisão provoca racha grandes e pequenos. Entenda o caso.

Juventus e ter um carnê para assistir ao Lecce, por exemplo. O "G-5" afirma que a lei foi concebida para privilegiar o tamanho das torcidas, e que apenas por uma questão política não se usou o termo "tifosi" no texto da lei. E entendem que só se torce mesmo por um time.
O dinheiro em jogo é considerável, já que a receita total da Serie A com a televisão beira os 900 milhões de euros por temporada. A mudança na definição sobre os critérios pode afetar o tamanho do bolo para os grandes clubes em dezenas de milhões. E é na divisão destes 25 por cento do "bacino di utenza" que eles esperam recuperar o que teoricamente perderiam com o fim da negociação individual.
Os grandes argumentam que uma divisão menos favorável a eles pode prejudicar ainda mais a competitividade dos clubes que representam a Itália nos torneios europeus - uma realidade cruel, que viu a Alemanha tomar o terceiro lugar no ranking quinquenal da Uefa. Além disso, está próxima a implantação do fair-play financeiro concebido por Michel Platini, o que limitará a possibilidade de injeção financeira por parte dos donos nos clubes.
"Esta tentativa por parte de 15 clubes de interpretar a lei da própria maneira tornará os times italianos ainda menos competitivos na Europa do que já são hoje", afirmou Adriano Galliani, do Milan.
Ernesto Paolillo, diretor da Inter, seguiu o mesmo caminho: "Estão tirando recursos dos clubes que mais investem no futebol, repartindo-os para quem investe muito menos, sem levar em conta o potencial e apelo dos maiores clubes. Assim o futebol italiano se empobrecerá e não será mais competitivo com o do exterior. As ligas inglesa e espanhola serão de outro planeta em relação à italiana".
Os pequenos protestam contra a tentativa de firmar uma visão elitista do futebol e se sentem sufocados, já que as dificuldades para se fazer futebol fora das metrópoles é imensa. Acreditam que os clubes mais tradicionais tenham medo de ver o domínio questionado caso os menores tenham poder de investimento.
Tommaso Ghirardi, presidente do Parma, tomou a frente no grito dos menores: "Que os grandes façam uma liga europeia e deixem os outros 15 clubes disputarem o campeonato italiano dos pobretões. Quem quer destruir o futebol não é quem faz sacrifícios pelos seus clubes e luta diariamente por seus balanços e na tabela de classificação".
Tanta briga por um pedaço do bolo da TV é sinal da extrema dependência dos clubes italianos deste modelo. Ao contrário de ingleses e alemães, por exemplo, os estádios são obsoletos, raramente estão lotados e não são máquinas de receita. A Juventus deve inaugurar na próxima temporada sua nova arena com conceitos internacionais, mas é necessário que outros sigam o exemplo.
Com evidente força política dentro da liga, o "G-5" conseguiu uma moção para avaliar a executabilidade (perdoem o titês) do plano aprovado por três quartos dos clubes. 
O Conselho da liga é formado por dez dirigentes, sendo que os cinco representantes dos grandes (Adriano Galliani, do Milan, Rosella Sensi, da Roma, Claudio Lotito, da Lazio, Aurelio De Laurentiis, do Napoli, e Ernesto Paolillo, da Inter) obviamente votaram contra. Os outros cinco (Maurizio Zamparini, do Palermo, Tommaso Ghirardi, do Parma, Riccardo Garrone, da Sampdoria, Gino Pozzo, da Udinese, e Pietro Lo Monaco, do Catania) votaram a favor. 
Com o impasse, o presidente da Lega Serie A, Maurizio Beretta, se absteve e decidiu tentar novo acordo para a reunião do dia 3 de maio. É possível que os pequenos apresentem uma moção de desconfiança contra Beretta, que deixará em breve a função para assumir cargo em uma instituição financeira.
Os grandes também estão dispostos a jogar duro. Além de um apelo à corte de justiça da federação italiana, ameaçam o bloqueio de mercado (nenhum deles contrataria jogadores dos demais clubes na próxima janela de transferências) e até pensam em recuperar o dinheiro perdido negociando direitos alheios ao campo de jogo. Para ter imagens e som de entrevistas com técnicos e jogadores, por exemplo, as televisões teriam de pagar.
Quando houve a divisão da Lega Calcio, separando a Serie A da Serie B, havia a sensação de que a união dos clubes levaria à esperança de dias melhores no futebol italiano, com o empurrãozinho da nova lei. No entanto, com o atual impasse, um quarto da receita total de uma temporada pode ficar retido até que o caso se resolva, possivelmente na justiça.
Enquanto não houver noção de bem comum, fica difícil evoluir. Lá e cá.

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