Entre as incógnitas embutidas nas decisões anunciadas pela cúpula do euro desta semana, a mais intrigantes é aquela que informa o corte de 50% da dívida da Grécia. Há outras zonas nebulosas num carretel cujo desenrolar operacional não foi ainda explicitado. Por exemplo, como foi tão simples dotar o fundo de estabilização europeu de 1 trilhão de euros para se contrapor às manadas de credores ariscos que potencializam a insolvência de vários governos e bancos? Se a panacéia do dinheiro chinês explica tudo, por que não foi acionada antes?. Outra: como, subitamente, as necessidades de capitalização de bancos micados pela podridão de suas carteiras caiu de 300 bi de euros, calculados originalmente pelo FMI, para os 100 bi decretados na 4ª feira? Como fica o jornalismo de economia que encampou os cálculos e justificativas ortodoxas para legitimar sacrifícios, perdas e danos sobre milhões de pessoas? Sem dúvida, porém, o calote de 50% da dívida grega é a viga estrutural de todas as dúvidas. Tome-se o exemplo da Argentina. O país decretou um calote de 70% da dívida em 2005 e até hoje é demonizado pela mídia, tendo vetado o acesso a novos empréstimos no mercado mundial. Como então, súbito, a cúpula liderada pela conservadora Angela Merkel abona 50% da dívida grega, a mídia aplaude, as bolsas sobem e os bancos aquiescem, sem um piu? A ser efetivo tudo o que se anunciou na 4ª feira, e não apenas um truque contábil, chega-se a conclusões interessantes: a) o governo de Papandreu não merece mais 24 no poder; açoitou seu povo com sacrifícios devastadores para honrar uma dívida que, de uma penada, caiu à metade, sem que tenha havido mais caos do que o já produzido pelas suas decisões; b) o mesmo raciocício vale para a crise bancária do euro, em nome da qual Espanha, Portugal e outros estão sendo esfarelados com sucessivos cortes de gastos para 'acalmar os mercados'. Se bastava uma penada para impor calotes e recapitalização aos banqueiros, por que, tanto sacrifício inútil, que já arrastou 43 milhões de europeus à vida abaixo da linha da pobreza? Com a palavra, o jornalismo de economia. (Carta Maior; 6ª feira, 28/10/ 2011)
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