Por Carlos Chagas.
A vida é sempre mais surpreendente do que a ficção. Na manhã de ontem ninguém imaginava estar o ex-presidente Lula hoje internado num hospital, em São Paulo, com diagnóstico de câncer na garganta. Será submetido a tratamento quimioterápico, evidência de que seu tumor não é tão insignificante que justifique apenas radioterapia, mas, no reverso da medalha, não parece tão grave a exigir cirurgia imediata. Esta, se fosse a opção, abriria a hipótese de o ex-presidente perder ou ter reduzida de muito a sua voz. E a voz sempre foi o instrumento político mais eficaz do Lula, ele que pouca atenção dá à palavra escrita.
Coube ao próprio primeiro-companheiro determinar, ontem, ampla transparência de informações sobre seu estado de saúde. A presidente Dilma Rousseff foi das primeiras a ser informada, no caso, pelo dr. Eduardo Kalil, um dos médicos que cuida dela e do ex-presidente, inclusive há dois anos quando Dilma se viu acometida de câncer linfático, do qual se encontra recuperada.
Em poucos minutos a notícia espalhou-se por São Paulo, pelo Brasil e o mundo. A presidente Dilma encomendou logo uma nota oficial de solidariedade, que passou por duas versões. A primeira, sem ser catastrófica, era sentimentaloide. Ela preferiu encomendar a quem entende do assunto um texto mais sóbrio, voltado para a certeza da recuperação do antecessor.
O Lula passou o sábado internado, sendo pela manhã submetido a uma biopsia. Ficou inconsciente por algumas horas. Recuperando-se, foi alimentado e demonstrou excelente ânimo. Parte do tumor de três centímetros, incrustado na glote, foi retirada para exames que apenas amanhã serão conhecidos, mas o tratamento já parece definido: quimioterapia por três meses, sem necessidade de internação. O ex-presidente poderá permanecer em casa, em São Bernardo, dirigindo-se ao hospital apenas nos dias de sessões.
Claro que haverá seqüelas físicas, como aconteceu com Dilma Rousseff e com o falecido vice-presidente José Alencar. Os cabelos caem, talvez também a barba. Nada disso terá conseqüências, caso o tratamento seja bem sucedido e o ex-presidente possa logo apresentar-se com a voz e a imagem que o caracterizam.
A pergunta que se faz é referente às consequências políticas da doença do Lula. Claro que ele se manterá afastado das tertúlias envolvendo as eleições para a prefeitura de São Paulo. Paulo Haddad não perde o patrono, mas precisará evoluir sozinho por algum tempo no cipoal de ambições do PT paulista. Bem que Martha Suplicy poderia arrefecer um pouco a sofreguidão de sua candidatura, em sinal de respeito ao chefe enfermo.
No plano nacional, é cedo para especulações. Mas o Lula, faz muito, vem declarando que em 2014 a vez é de Dilma Rousseff tentar a reeleição. Rejeita sua candidatura imediata para o retorno ao poder, indicado a lógica que mais rejeitará, mesmo depois de recuperado.
Ganhou o país o diagnóstico de que se o Lula não fumasse suas cigarrilhas, mesmo fora dos holofotes da imprensa, estaria livre do câncer. Trata-se de precipitação de alguns ingênuos. Porque Winston Churchill fumou charutos até os quase oitenta anos e morreu de velhice. Claro que o fumo faz mal, mas classificá-lo como algoz do primeiro-companheiro cheira mal. Os desígnios da natureza continuam imperscrutáveis, senão não estaríamos chorando a agressão do câncer sobre criancinhas.
Em suma, todas as manifestações são para que o ex-presidente se recupere. Adversários e correligionários sabem que o Brasil precisa dele. E se o Padre Eterno já nos levou Tancredo Neves numa hora imprópria, não repetirá o erro sem que desconfiemos de suas intenções...
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