Tom Jobim dispensa palavras
Ruy Castro, na Folha de São Paulo.
Caso raro no cinema brasileiro, as palavras não têm do que se queixar nos filmes de Nelson Pereira dos Santos. Eles são escritos com capricho, há uma permanente busca de verniz “literário” por trás da dinâmica visual e, não por acaso, ninguém até hoje adaptou tão bem Machado de Assis, Graciliano Ramos e Nelson Rodrigues. Aliás, trata-se de um cineasta com assento na Academia Brasileira de Letras, e perfeitamente à vontade nela.
O paradoxal é que, quando Nelson resolve fazer filmes sem palavras, também atinge pontos altos.
Foi o caso de “Vidas Secas” (1963), em que 90% do filme transcorre em opressor silêncio -e poucas vezes um filme brasileiro “disse” tanto. Agora é “A Música Segundo Tom Jobim”, com imagens de arquivo em que cantores e instrumentistas interpretam Jobim, sem uma única linha de texto.
Não há narração em “off”, nem “talking heads” dizendo platitudes, nem os artistas dialogando banalidades. Não há nem sequer caracteres com os nomes dos intérpretes, títulos das músicas e datas das imagens, exceto no final, quando rolam os créditos. As únicas palavras no filme são as das letras das canções. Foi uma opção de Nelson e de sua codiretora Dora Jobim, neta de Tom -apostaram tudo na força da música.
Apostaram e ganharam. A ordem das canções é cronológica ou quase, mas a alternância de interpretações antigas e modernas provoca surpresa e encantamento durante 86 minutos -são constantes os suspiros e exclamações da plateia. Revela também a eternidade daquela música e de seus intérpretes. Os cortes de cabelo, o estilo das sobrancelhas, a largura das lapelas, tudo pode ter mudado, mas não há ninguém datado ali.
Como pode ficar datada Elizeth Cardoso cantando “Eu Não Existo sem Você”, tendo ao violão um jovem e atento João Gilberto? Ou Sylvinha Telles em “Samba de uma Nota Só”, Nara Leão em “Dindi”, Maysa em “Por Causa de Você”? Ou o pianista Erroll Garner em “Garota de Ipanema”? E qual o melhor “Insensatez”? O de Alayde Costa, na aurora da bossa nova, em 1959, ou o de Judy Garland, perto de sua morte, dez anos depois? Os pontos altos são muitos. O “Águas de Março” de Tom e Elis Regina. Cynara e Cybele cantando “Sabiá” no Maracanãzinho, em 1968. Diana Krall, Jane Monheit e Stacey Kent provando a perene contemporaneidade de Jobim. E o próprio Tom, em muitas sequências, buscando a magia secreta de cada acorde, como se não tivesse sido ele que a produzira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário