sexta-feira, 19 de agosto de 2011

DIÁRIO DO NOVO PERU

Por Emir Sader, na Carta Maior.
Antecedentes do novo Peru.
A aridez do deserto, bruscamente rompida pelo imponente lago Titicaca, seguido pela majestosa cordilheira dos Andes eternamente nevada, anuncia que estamos cruzando para a região Pacífico da América Latina. O Peru é dos países andino amazônicos – junto com a Colômbia e a Bolívia – que apresentam os cenários naturais os mais diversos, com as correspondentes contraposições de diferenciações sociais.
A combinação entre a riqueza dos metais preciosos que os colonizadores buscavam com a presença de uma das civilizações mais avançadas do mundo no momento da invasão dos territórios americanos - inca – fez com que o Peru fosse, junto com o México, - com o qual compartilhava aspectos similares, dos metais preciosos com as avançadas civilizações azteca e maia – escolhido pelos colonizadores espanhóis para ser a sede do império nas novas terras, como vice-reinado.
Foi aqui, em Ayacucho, que os exércitos libertadores latino-americanos, dirigidos por San Martin, por O’Higgins, por Sucre, derrotaram definitivamente o Exercito colonizador e expulsaram os colonizadores espanhóis.
A forte presença indígena ainda permitiria ao Peru dar a mais importante contribuição do marxismo latino-americano, com a obra de Jose Carlos Mariategui, pioneiro na articulação das questões de classe com as questões indígenas, que a partir da década passada ganharam grande atualidade, especialmente na Bolívia, no Equador e aqui mesmo no Peru.
Mas somente nos anos 1960, quando o Brasil já entrava na ditadura militar, é que o Peru teve um governo que buscou incorporar, pela primeira vez, os indígenas, secularmente excluídos, discriminados, humilhados e ofendidos. Foi com a novidade do governo de Velasco Alvarado, militar nacionalista, que fez uma reforma agrária mais avançada que a da Revolução Cubana, reconheceu o direito dos indígenas usarem seus idiomas na Justica, introduziu esses idiomas nas escolas.
Foi o bastante para que se tornasse, até hoje, maldito para a direita e a burguesia e classe media de Lima. A esquerda tampouco entendeu o que o fenômeno prenunciava, apesar do chamado de atenção de Fidel sobre o fato de que os dois pilares tradicionais da dominação oligárquica na América Latina – FFAA e Igreja, esta com o Concilio Vaticano II e a teologia da libertação, aquele com o nacionalismo militar – mudavam e isso mudaria a história do continente.
A relação dos indígenas com a sociedade oligárquica peruana teria ainda um episodio dramático com o surgimento de Sendero Luminoso, guerrilha maoísta fundamentalista, que buscou resgatar a representação indígena na forma de um movimento ultra radical, violento até mesmo contra a esquerda que nao se rendia ao movimento. O Peru viveu os anos mais duros da sua história recente, com o movimento popular massacrado no fogo cruzado entre o Sendero e a repressão de Fujimori, que deixou até hoje suas marcas, porque praticamente destruiu sua espinha dorsal.
Se sucederam governantes que impulsionaram o modelo econômico exportador extrativista, que levou ao crescimento continuado da economia com base no dilapidamento das suas riquezas naturais – desta vez incoporando os energéticos ao lado dos metais preciosos -, sem distribuição de renda. O fenômeno se repetiu com Fujimori, Toledo e Alan Garcia: continuidade de alto crescimento econômico, sem distribuição de renda, com Estado mínimo e forte penetração dos capitais estrangeiros.
Como resultado, baixíssima popularidade dos presidentes, todos fragorosamente derrotados na sucessão. (É falso que o Peru tenha sido o pais com maior crescimento econômico nos últimos anos, esse recorde pertence a Argentina.)
Até que não puderam mais eleger neoliberais como presidentes para suceder a neoliberais e o Peru passou a ter como presidente um militar de origem camponesa, Ollanta Humala, que começa a introduzir o Peru no grupo de governos pós-neoliberais, com enormes dificuldades, como veremos a seguir, mas com apoio interno e externo que lhe permite enfrentar esses obstáculos, abrindo nova era na história do Peru.

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