Sócrates, os perdedores e a crise.
A notícia da morte de Sócrates me chegou, no domingo, via "Le Monde", antes mesmo que eu tivesse tempo para ligar meu iPad e começar a me informar sobre o que acontecia no mundo.
Foi uma surpresa: jornais estrangeiros só ligam para jogadores brasileiros, mesmo em atividade, quando eles se transferem para a Europa. Ex-jogadores, então, só se tiverem sido campeões do mundo ou brilhado na Europa. Sócrates não preenchia nenhuma das duas condições.
Foi uma surpresa: jornais estrangeiros só ligam para jogadores brasileiros, mesmo em atividade, quando eles se transferem para a Europa. Ex-jogadores, então, só se tiverem sido campeões do mundo ou brilhado na Europa. Sócrates não preenchia nenhuma das duas condições.
Que tenha sido incensado no Brasil, foi não só justo como fácil de explicar. Primeiro, brasileiro adora beatificar os mortos, mesmo os que não foram nada santos em vida. Sócrates não foi santo, mas tinha características admiráveis, não só como jogador. Para o meu gosto, aliás, a característica mais admirável era a de transgressor.
Transgressor dentro de campo com seus passes de calcanhar, que, em qualquer outro, seriam firula condenável. Transgressor fora de campo, ao erguer a bandeira da democracia em um país sob ditadura e em um esporte cujo comando se parece às dinastias autoritárias do mundo árabe.
Transgressor, no Brasil, merece mesmo a beatificação. Um país com tantas carências e tão acomodado precisa de alguém que o chacoalhe --precisa de muitos, aliás.
Agora que ele tenha merecido idêntica beatificação no exterior não deixa de ser surpreendente. Afinal, fez parte de uma geração de notáveis jogadores que, não obstante, foi perdedora --de Sócrates a Zico, de Falcão a Júnior, passando pelo técnico Telê Santana. Perderam duas Copas e, no caso de Sócrates, só conseguiu um título, o de campeão paulista, torneio a que a mídia estrangeira não dá a menor importância.
Minha surpresa só se desfez quando li o necrológio de Sócrates escrito por um craque do jornalismo esportivo espanhol, Cayetano Ros, de "El País":
"[Sócrates] foi o capitão de uma equipe inesquecível, Brasil na Espanha-82, uma das três seleções que, junto a Hungria em 1954 e Holanda em 1974, apaixonaram o mundo sem ter ganho nada".
Bingo. Fico particularmente feliz de ver que, ao menos no futebol e uma vez na vida, os perdedores escrevem a história. É bom que seja assim não só por uma questão de justiça mas também porque, de repente, os "maus" podem sair ganhadores e a história que eles escreverão não será a correta. É o que está acontecendo, por exemplo, na crise do capitalismo contemporâneo, cuja história está sendo escrita pelos tais mercados. E não há um Sócrates para quebrar o molde e produzir uma narrativa alternativa.
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