Leia aqui o trecho da matéria de Nelson Jobim na revista "Piauí" (feita pela coleguinha Consuelo Dieguez), no qual o ministro da Defesa comentou a discussão da liberação de documentos sigilosos do Estado e diz: “É muita trapalhada, a Ideli é muito fraquinha e Gleisi nem sequer conhece Brasília":
Ao fim da cerimônia, à uma da tarde, Jobim foi para o gabinete do senador Fernando Collor, onde ficou por mais de uma hora conversando sobre a questão da liberação dos documentos sigilosos, projeto do qual o ex-presidente discorda. No amplo gabinete de Collor, enquanto o chefe falava com o senador de Alagoas, seus assessores recordavam episódios do tempo de caserna. Seu assessor parlamentar, o coronel Gonçalves, explicava por que, no meio militar, é mais difícil haver corrupção. “O cara que rouba é desprezado pelos outros”, sustentou. E contou o seguinte caso da sua época de cavalaria.
Um tenente “pelagem sete” roubara o dinheiro da compra de cavalos. Ao ser indagado sobre o que era “pelagem sete”, o coronel pediu para que não interrompessem a narrativa. O fato é que o dinheiro desapareceu do quartel. Como estavam todos de folga, à exceção de um soldado raso de plantão, este acabou levando a culpa. “Sabe como é, chamamos o soldado para um diálogo franco e ele confessou o roubo”, disse. Ao ser indagado se o soldado tinha sido torturado, o coronel pediu novamente para não ser interrompido. Ao seu lado, o almirante Mendes disse: “Anos dourados.”
Gonçalves continuou a narrativa. Afirmou que o tal tenente “pelagem sete” apareceu no quartel de Karmann Ghia, relógio importado, pagando jantar para todo mundo. Logo desconfiaram de que fora ele o autor do roubo, e não o soldado. O tenente foi julgado e condenado. Cumprida a pena de prisão de um ano e oito meses, voltou ao quartel. Foi desprezado pelos camaradas, que só o chamavam de “crioulo safado, pelagem sete”. Na cavalaria, as cores dos animais são classificadas por número. O “pelagem sete” é o cavalo negro.
O coronel passou a discutir a questão de liberação do homossexualismo nas Forças Armadas. Perguntado se havia muitos homossexuais na tropa, reagiu: “Peraí, muitos também não.” Disse não ter posição definida sobre o assunto, mas contou que, numa entrevista que deu a um programa de “uma espécie de Ana Maria Braga de Natal”, foi questionado sobre isso. “Eu respondi com uma pergunta: ‘Se a senhora tivesse um filho louro, alto, de olho azul, gostaria que ele fosse comandado por um gay? Pense bem, no quartel é tudo aberto. Os banheiros não têm porta. Lá, ninguém tem medo de abaixar para pegar o sabonete. Mas, e se for liberado?’” A apresentadora, disse ele, acabou concordando com sua tese de que um comandante gay poderia acabar causando constrangimento ao resto da tropa.
Jobim deixou a sala de Collor e foi para o Ministério, onde almoçou rapidamente. Enquanto comia uma salada, comentou a discussão da liberação de documentos sigilosos do Estado. “É muita trapalhada, a Ideli é muito fraquinha e Gleisi nem sequer conhece Brasília”, falou, referindo-se à ministra das Relações Institucionais e à da Casa Civil.
Disse que o Collor não criaria empecilhos, mas que estava chateado porque, enquanto ele discutia o projeto, foi atropelado por um pedido de urgência na votação, feito pelo senador Romero Jucá, da base governista. “Ele se sentiu desrespeitado, não havia razão para o pedido de urgência”, afirmou Jobim. Na conversa, Collor lhe contou que faria um discurso contra o projeto e Jobim lhe pediu que não o fizesse, no que foi atendido. “Eu disse a ele que havia muito espaço para negociação e que, se ele fizesse o discurso atacando o governo, estreitaria essa possibilidade.” Perguntado sobre por que havia tantas idas e vindas no governo na relação com o Congresso, Jobim não teve dúvidas: “Falta um Genoino para ir lá negociar.”
José Genoino se candidatou a deputado, não se elegeu e, no começo do ano, Jobim o chamou para ser seu assessor. Antes de convidá-lo, porém, informou a presidenta da sua intenção. “Mas será que ele pode ser útil?”, perguntou-lhe Dilma. E ele respondeu: “Presidenta, quem sabe se ele pode ou não ser útil sou eu.”
Jobim acha que há uma resistência muito grande ao ex-deputado no Palácio. Ele é um de seus melhores amigos. Conheceram-se durante a Constituinte e, embora militassem em partidos diferentes, sempre se respeitaram. “O Genoino é muito competente, sabe tudo de legislação e de Congresso”, disse. O ex-deputado trabalha numa sala ao lado do gabinete de Jobim e participa de todos os assuntos do Ministério. “O tema defesa me atrai”, disse ele, que foi guerrilheiro no Araguaia e hoje cultiva uma relação de camaradagem com os militares. “Não podemos olhar a história somente pelo retrovisor. Temos que dirigir olhando também para a frente. Não dá para pensar em revanchismo.”
O projeto de lei de acesso à informação pública foi encaminhado ao Congresso ainda durante o governo Lula, que classificou os documentos entre reservados, secretos e ultrassecretos, que poderiam permanecer nos arquivos até um século. Houve reações de desagrado de todos os lados. A esquerda achava que os documentos referentes aos crimes da ditadura seriam colocados no rol dos ultrassecretos. O Itamaraty temia que questões relativas a fronteiras pudessem causar mal-estar nos vizinhos.
“Parte do PT e da oposição fez um escarcéu, dizendo que o projeto proibia a abertura de documentos sigilosos da época da ditadura”, disse Genoíno. “Mas isso não existe.” Pegou um documento todo marcado, que entregara dois dias antes ao ministro, e leu o seguinte trecho: “Todas as informações e documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticados por agentes públicos não poderão ser objeto de restrição ao acesso.” Esse artigo foi colocado pela presidenta. Ou seja, não haverá sigilo nesses assuntos. As restrições se limitam a questões de fronteiras, como a Guerra do Paraguai, e à vida privada e à honra, que tem uma limitação de 100 anos. Os documentos referentes a questões estratégicas, como tecnologia sensível, centrífugas, enriquecimento de urânio e programa espacial, nem sequer constavam ali. “Muitos senadores estão criando caso por causa dessas questões que nem foram incluídas no projeto”, disse.
O que ficou acertado é que todos os documentos secretos ficarão fechados por 25 anos, e os ultrassecretos por cinquenta anos. Os documentos que se referem à vida privada e honra, por 100 anos. Será escolhida uma comissão com integrantes de vários ministérios para fazer a seleção dos documentos. Documentos referentes a direitos humanos não terão restrição de acesso. Aqueles referentes à tecnologia sensível ficaram de fora. Portanto, não serão divulgados.
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