domingo, 12 de setembro de 2010

E não falamos de flores.
Que pena que onça-pintada não vota. Que pena que o tatu-canastra, o lobo-guará, a águia-cinzenta e o cachorro-do-mato-vinagre não votam.
Enquanto a “agenda ambiental” contenta-se silenciosa em ter papel secundário numa eleição em que nada debate-se à fundo, quem viaja para a Chapada dos Veadeiros (Goiás) testemunha um grito de calor: montanhas e vales com cara de carvão avisam aos navegantes que não agüentam mais. Fogo, muito fogo, o cerrado grita uma agonia anunciada.
Nos 200 e tantos quilômetros que me levam de Brasília à Vila do Moinho marco a velocidade da intervenção desenvolvimentista na natureza. O cerrado que não agüenta de calor é o cerrado que restou - outra parte de cerrado virou soja ou pastagem nos últimos quatro/cinco anos.
Poucos anos em que, viajando semana pós semana, vi a soja ocupando cada palmo de cerrado. Faminta, quase come o asfalto.
Todo o cerrado deve acabar em no máximo 20 anos.
Os grãos geram divisas e empregos, eu sei.
Que pena que a caigata não vota. A lobeira, a guacatonga, a mama-cadela, o araticum, o ipê... que pena, as flores do cerrado não votam!
Metade da vegetação nativa de cerrado já se foi. Crescem aqui e ali uns duvidosos eucaliptos. Aos nossos olhos embriagados pela abundância da Amazônia e por lembranças da Mata Atlântica, o cerrado é primo pobre, retorcido, feinho. Ninguém ouve seu grito.
Farto, o cerrado abriga mais de dez mil espécies vegetais. Segundo maior bioma brasileiro, tem grande variedade de vertebrados terrestres e aquáticos, além de elevada quantidade de invertebrados.
Que pena que nascentes não votam, nem as que brotam aqui no cerrado para formar os principais rios das bacias Amazônica, da Prata e do São Francisco. Que pena, as nascentes não votam!
Todo o cerrado deve acabar em no máximo 20 anos.
* Fico sempre achando a Marina evita ser “monotemática” quando poderia aproveitar seu espaço para dizer ao brasileiro o que é pensar com uma ética e uma ótica de sustentabilidade. O Brasil precisa aprender e incorporar a noção de sustentabilidade. Precisa dinamitar a sensação de que seus recursos são infinitos.
* O Brasil inteiro perde quando estas eleições não redimensionam a agenda ambiental e com ela uma visão do modelo de desenvolvimento que trilhamos/trilharemos. Não estaremos sempre deitados sobre o berço esplêndido da abundância natural sem fim. Um dia, vamos nos arrepender por não ter falado de flores!
* Até aqui, o processo eleitoral confirma tendências: (a) de natureza plebiscitária – mal para o exercício democrático do debate; (b) de conservadorismo na cobertura jornalística – mal para a qualidade da agenda pública. A imprensa deu asas à sua própria partidarização, não re-inventa o ofício e por isso pouco agrega à missão de projetar o Brasil do futuro; e, (c) de apatia das organizações da sociedade civil que não cravaram temas relevantes ao debate. Quer dizer, nada além do Ficha Limpa.
Amém, Ficha Limpa!
De longe, a melhor coisa das eleições 2010... até aqui!
Geraldinho Vieira é jornalista.

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