Exma. Sra. Dilma Rousseff, presidente eleita do Brasil,
Senhora, diante do êxito da recente intervenção pontual ocorrida no Rio, peço-lhe que retire as Forças Armadas dos morros.
Talvez vosmecê não se lembre de mim. Em 1968, como general de Exército, eu era ministro do Superior Tribunal e relatei o habeas corpus de um jovem mineiro, militante de sua organização subversiva.
Na ocasião, condenei o “desvirtuamento das funções de elementos integrantes das gloriosas Forças Armadas que se atribuem exercício de missões policiais que não lhes pertencem”.
O tempo mostrou que eu estava enganado. O policialismo, a tortura, os assassinatos e a política de extermínio vinham de cima, de generais, ministros e presidentes.
Depois de ter sido libertado, o rapaz cujo habeas corpus relatei participou de diversas reuniões com a senhora, ainda uma menina de 21 anos. Um dos jovens desse grupo foi preso e assassinado em 1971. Outro matou-se quando viu que seria capturado. Tinham 32 anos.
Um outro jovem saiu aspirante da Academia Militar das Agulhas Negras em 1961, aos 26 anos. Em 1968, foi promovido a capitão. Designado para o DOI-Codi de São Paulo, tornou-se um torturador. A senhora o conheceu. Seus assentamentos não registram má conduta. Em tudo o que fez teve o estímulo de seus comandantes. A maioria dos oficiais que serviram nos DOIs recebeu a Medalha do Pacificador. Nenhuma delas foi cassada.
Quando se tratou de botar a tropa na rua, os civis estimularam os militares, e os generais ficaram envaidecidos pelo aplauso. Com a agonia da ditadura, os empresários que financiavam a repressão militar e os generais que a comandavam atiraram a responsabilidade sobre capitães e majores.
No episódio de militarização das operações policiais do Rio, em 2008, verificou-se a vulnerabilidade do comando da nossa tropa. Um tenente de 25 anos que servia no quartel-general entregou três jovens detidos a traficantes do morro da Mineira, que os mataram.
Onze militares participaram da ação e foram classificados pelo governador Sérgio Cabral como “marginais”. O moço está preso. Havia mais a apurar. Por que, dois dias depois do ocorrido, o comando endossou uma versão mentirosa do episódio? Quem foi punido pela patranha?
Lembremos que moradores do morro jogaram pedras contra o QG, como forma de protesto.
Há autoridades civis e militares que comparam a ação desencadeada no Rio com a participação da tropa brasileira nas forças da ONU que estão no Haiti. O paralelo é enganoso.
A tropa brasileira no Haiti está aquartelada em Porto Príncipe. Seus soldados não podem ser ameaçados por bandidos ou policiais corrompidos. Lá, eles não têm endereço, irmã, nem pais. A senhora acha que um soldado que vive em Vigário Geral nada tem a temer?
O soldado de primeira classe que está numa das entradas do morro do Alemão recebe um soldo de R$ 963 mensais. (O rendimento médio do trabalho no Rio é de R$ 1.359.)
O mesmo soldado, integrando a força de paz do Haiti, conserva os R$ 963 e recebe mais US$ 972 mensais das Nações Unidas.
Ações dessa envergadura não devem ser apresentadas à sociedade manipulando-se a boa-fé alheia.
Cumprimento-a em meu nome e no de minha amada mulher, Naída,
General Pery Constant Bevilaqua.
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