quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

JOÃO, O HISTORIADOR

Por Roberto Porto, do Direto da Redação.

João Jobim Alves Saldanha (1917-1990) foi meu companheiro em dois períodos em que passei pela faraônica sede do Jornal do Brasil, no número da Avenida Brasil. João, a rigor, era o que simplesmente poderíamos chamar de contador de histórias, que Sandro Moreyra (1919-1987), seu companheiro de inúmeras jornadas, sabia de cor e salteadas. Sabia e contava relativamente em segredo para todos nós, sempre rindo da presença constante de João em todas efemérides (perdoem o termo) importantes.

A primeira delas, para obedecer a uma certa ordem cronológica, ocorreu em 1912, quando o então ministro da Saúde – botafoguense de coração, Miguel Couto – cedeu, a título precário, o terreno de General Severiano, pois o alvinegro já não tinha mais campo para jogar – todos lhes tinham sido tomados. Quando eu, no JB, estava escrevendo uma matéria especial sobre a venda de General Severiano à Vale do Rio Doce, João aproximou-se de mim e perguntou discretamente:

- Roberto, o que você está escrevendo?

Respondi que era a venda de General Severiano e a consequente ida para Marechal Hermes (no distante subúrbio do Rio). De imediato, João decidiu dar um colorido especial à matéria (a melhor do esporte do ano de 1976 no JB). E passou a me dar detalhes da tomada do terreno, um matagal abandonado.

- Em 1912 – disse João – havia um português que consertava carruagens e tílburis no meio do terreno. E não queria sair. Eu então chamei uma rapaziada, Sandro, inclusive, e tocamos fogo no barracão. Só assim pudemos fazer o campo...

De longe, atento, Sandro esperou João sair de perto de mim e me perguntou:

- O que é que ele contou para você?

Relatei a conversa, mesmo sabendo que era mais uma ‘invenção’ de João.

Sandro ficou estarrecido.

- Como é que o João, que é de 1917 e eu, de 1919, poderíamos tacar fogo num barraco em 1912? Não coloque esse ‘chute’ na matéria, por favor...

É óbvio que eu sabia que era cascata, pois estava consultando a verdadeira enciclopédia de Alceu Mendes de Oliveira Castro – ‘O Botafogo, 1904-1950’.

De outra vez, João tentou nos convencer que estava ao lado de Mao Tsé Tung, quando a Grande Marcha tomou Pequim (hoje Beijing). Sandro desmentiu. Disse que em 1949, ano do ataque, ele estava tomando banho de sol no então quase desconhecido Arpoador. Dias depois, olhando para o horizonte, disse a Sandro que estava relembrando a tomada das praias da Sicília, na Itália, ao lado do marechal inglês Montgomery (1887-1976). Sandro garante que João permanecia pegando uma cor no Arpoador.

Tantas foram as histórias que, certo dia, José Inácio Werneck – sem qualquer culpa no cartório – teria sido ameaçado de levar uns tiros de João, em plena redação. José Inácio – a quem chamo carinhosamente de ‘Moderno’ – chegou assustado à redação. João estava lá, todo alegre, conversou animadamente com ‘Moderno’ e nada ocorreu. Teria sido um mal entendido? Não sei.

Em matéria de João Saldanha tudo era possível... 

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