Por Carlos Eduardo Navaes, do Jornal do Brasil.
Nosso Ronaldo despediu-se dos gramados com uma frase de nuance poética: “Perdi para meu corpo”.
Sinto-me tentado a repetir a expressão usada pelos assaltantes: “Perdeu, cara!”. Sentado no banco do vestiário, Ronaldo procurou pelo seu corpo e só viu a alma. O corpo desaparecera, levado pela dor, carregando seus pertences, seu talento, suas chuteiras, suas conquistas deixando apenas – para ele e para nós – suas lembranças. Não é pouco. Foram 18 anos de uma trajetória esportiva que nunca seguiu em linha reta, pontuada por transferências, prêmios, amores, cirurgias e “otras cositas más”. A partir da última segunda-feira, no entanto, ao reconhecer a luta perdida para seu corpo, Ronaldo deixou os verdes campos para entrar na História dos vitoriosos.
Ronaldo perdeu para seu corpo, é verdade. Um corpo que de uns tempos para cá parecia saciado, desinteressado pelo futebol, obrigando seu dono a dobrar – triplicar! – os esforços para botá-lo na linha. Ronaldo até pensou que poderia vencê-lo, pois como diziam os gregos antigos: uma mente sã – como a sua – não combina com um corpo insano. Seu corpo, porem, reagia como um potro selvagem mostrando-se difícil de ser domesticado. O desencontro entre corpo e mente foi se acentuando ao longo do tempo – mais ou menos como ocorreu com Roberta Close, por outras razões – e Ronaldo, sem forças para controlar a rebeldia de seu corpanzil, acabou por jogar a toalha. Quando um não quer, dois não jogam futebol. Em uma última tentativa de reconciliação, Ronaldo trocou o tamanho de sua camiseta no Timão – de G para GG – para deixar o corpo mais à vontade. Depois da última partida, porém, perguntou-se: “A quem estou enganando?”
A derrota de Ronaldo para seu corpo, contudo, não foi o que se poderia chamar de acachapante. Pelo contrário: resistiu o quanto pôde, caiu em pé e saiu de cabeça erguida. A cada cirurgia, quando o corpo imaginava que iria largar o futebol, Ronaldo dava a volta, virava o jogo e continuava a encantar as plateias. Foi um duelo de titãs! Ronaldo somente se entregou no instante em que o corpo convocou a dor para entrar em campo.Aí a luta ficou desigual e não deu para suportar. Guga que o diga! Nosso tenista maior também abandonou as quadras empurrado pelo mesmo sofrimento.
Lembro então do alemão Schopenhauer – o filósofo, não o zagueiro do Bayern – que no século 19 declarou que a vida é um constante combate contra a dor (de qualquer espécie). Disse mais: só a dor é positiva. Sentimos a dor, mas não a ausência de dor. Por que você acha que as horas custam a passar ao sentarmos na cadeira do dentista? Se nosso corpo funciona à perfeição, às vezes nem nos damos conta de que ele existe. Mas basta enfiar uma farpinha no dedo mindinho para soar o sinal de alerta.Acrescente-se a isso – continua o filósofo – que, em geral, as alegrias ficam abaixo de nossas expectativas (a não ser que você ganhe a mega-sena) enquanto nossas dores são sempre maiores do que esperávamos sentir. Talvez isso explique por que no momento as muitas alegrias que o futebol de Ronaldo me concedeu estejam menores do que a tristeza de vê-lo pendurar as chuteiras.
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