O ineditismo da situação política no Brasil ainda não foi completamente avaliado. Entre os contentes e descontentes com a realpolitik de Dilma Rousseff que votaram nela e até trabalharam por sua eleição, resta cair a ficha: a política brasileira, com a distensão promovida pela presidenta, pode nunca mais ser a mesma.
Com o fim do governo Lula – e por obra e graça de sua sucessora –, encerrou-se uma guerra que durou décadas, entre a liderança maior do PT e os meios de comunicação de massa. Ontem, essa liderança era exercida pelo ex-operário; hoje, por mais que ele continue sendo um mito, a liderança efetiva do PT é exercida pela chefe da nação.
Dilma pôs a mídia no bolso. Até as rotativas de Folha, Globo, Estadão e Veja sabem que o caminho para o coração desses veículos é Fernando Henrique Cardoso. Amado pelos donos dos grandes meios de comunicação, os gestos de simpatia da presidenta para com ele a fizeram cair nas boas graças de Frias, Marinho, Civita e Mesquita.
O vídeo a seguir mostra o verdadeiro encantamento dos robôs da Globo com o gesto de Dilma de convidar FHC para almoçar com Obama. E a constatação furtiva que fazem de que a ausência de Lula no evento representaria alguma ruptura entre ele e a sucessora. Vale a pena assistir. Em seguida, a análise prossegue.
Entre a militância petista, as opiniões estão divididas. Há o grupo disposto a manter o apoio a qualquer medida que Dilma adote, inclusive as de aparente rendição ao grupo político derrotado nas eleições de 2010 e à imprensa que infernizou o governo Lula, e há o grupo que já mostra grande desconforto com a tal “realpolitik” da presidenta da República.
Um fato é inegável: é muito cedo para saber quem tem razão. A estratégia de Dilma de chegar ao coração da mídia afagando seu golden boy, FHC, pode permitir que seu governo avance muito mais do que o anterior. Sem estar convulsionado por escândalos semanais alardeados pela mídia e pelas infindáveis CPIs sobre nada, o país terá mais condições de progredir.
Por outro lado, a dúvida que assombra os setores descontentes da militância petista é sobre quanto custará o namoro entre Dilma, FHC e a mídia. Há algumas políticas do governo Lula que, se forem levadas em frente, fatalmente provocarão ruptura nesse namoro. Vejamos algumas dessas políticas:
Bolsa Família – Durante todo o primeiro mandato de Lula, houve feroz oposição ao uso de bilhões de reais no programa. Jamais houvera empenho de tal monta de recursos públicos para os pobres. O discurso do “bolsa-esmola” ainda está fresco nas memórias, ainda que Serra e companhia midiática o tenham abandonado após Lula surrá-los em 2006.
Cotas para negros e Prouni – A mídia e os partidos de oposição jamais irão aceitar os programas do governo federal para incluir pobres e sobretudo negros no ensino superior. Essa política permanece inaceitável devido ao fato de que retira maiores chances dos filhos da elite, dando-as àqueles que jamais tiveram expectativa de se formar.
Política externa – A independência dos países ricos através do estabelecimento de laços comerciais preferenciais com África, Ásia e Oriente Médio, em detrimento de Europa e Estados Unidos, foi um dos pontos de maior atrito e, a despeito do discurso mais brando e da postura mais discreta do governo Dilma, o que definirá tudo será a relação comercial com os blocos primeiro e terceiro-mundistas.
Câmbio – A ausência de medidas draconianas para desvalorizar o real, que exportadores e indústria desejam que seja através de controle cambial, é outro fator de discordância aparentemente insanável. O que querem, ao fim, é fixação de taxa de câmbio “competitiva”, o que teria efeitos diretos no feel good factor, pois reduziria o poder de compra do povo e produziria inflação. Mas faria a alegria da Fiesp, por exemplo.
Controle da mídia – Há uma expressão que resume o problema: propriedade cruzada, ou seja, posse de vários tipos de meio de comunicação e nível de audiência que em nenhuma parte do mundo são permitidos na medida em que são permitidos por aqui. Com a proibição da propriedade cruzada, a Globo deixaria de entrar em noventa por cento dos lares brasileiros, seja na mídia eletrônica ou na impressa.
São só alguns exemplos do que mantinha mídia e setores mais conservadores de um lado e o governo Lula de outro. Não haverá almoço, jantar ou desjejum com FHC que façam a Globo aceitar que Dilma ponha fim à imensa propriedade cruzada do império da família Marinho.
Neste momento, portanto, cabe avaliar que Dilma tem uma chance muito boa de fazer o melhor governo da história brasileira. Recebeu um país estabilizado, crescendo, com os cofres abarrotados de dólares, com a credibilidade internacional em alta – e crescendo – e, como se não bastasse, está recebendo da mídia um apoio que só FHC recebeu.
Contudo, como se sabe, apoio da mídia não garante apoio popular. Fosse assim, Lula não teria saído do governo com 87% de bom e ótimo. O ex-presidente arrancou sua popularidade estratosférica do bem-estar social imenso que promoveu. Nesse contexto, pesquisa Datafolha publicada hoje mostra que Dilma ainda terá que “fazer nome” entre o povo.
Com 47% de aprovação, um nível de popularidade que foi antecipado por este blog no mês passado em matéria sobre pesquisa de outro instituto que fora pouco divulgada, Dilma ainda terá que construir sua popularidade. Nesse aspecto, as comparações com a de Lula no começo do primeiro ou do segundo mandato, não cabem.
Por ser a herdeira legítima de Lula, e com o país em situação muito melhor do que em 2003 e 2007, não seria demais esperar que Dilma tivesse bem mais do que os 47% que o Datafolha mostra. Há, pois, que ler o recado da sociedade de que ainda falta a presidenta mostrar a que veio. E nem FHC, nem a mídia poderão ajudá-la nisso.
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