domingo, 31 de julho de 2011

Julian Assange disse-me há pouco em Londres: “As pessoas falam que a Austrália deu duas pessoas ao mundo: Rupert Murdoch e eu.” Assange, o fundador do site WikiLeaks, que difunde informação oficial divulgada por informadores, respondeu com modéstia ao modo como eu o apresentei para o público de 1800 espectadores no teatro Troxy na capital inglesa. Na apresentação, sugeri que Assange possivelmente havia publicado mais do que qualquer pessoa no mundo. Assange replicou e disse que Murdoch é quem leva esse prémio.
Dois dias depois, explodiu a notícia da intervenção do telefone de Milly Dowler, o que fez com que Murdoch fechasse o jornal News of the World, um dos maiores periódicos do mundo, em apenas uma semana.
Na terça-feira, Rupert Murdoch afirmou diante da Comissão de Cultura, Meios de Comunicação e Desporto da Câmara dos Comuns britânica que aquele era o dia em que se sentia “mais humilde”. Mas o que significa para um homem sem humildade viver o seu dia mais humilde? Talvez o principal resultado da audiência da comissão foi confirmar que Rupert Murdoch não se considera responsável pelas atividades criminosas que estão a ser investigadas, desde suborno à polícia até escutas telefónicas ilegais. Quando lhe perguntaram se era responsável em última instância, a sua resposta foi simples: “Não”. “Quem são os responsáveis então?”, questionaram-lhe. “As pessoas nas quais confiei para administrar o periódico e talvez aqueles em que elas confiaram”, disse.
As negativas monossilábicas contrastaram com a habilidade retórica de seu filho, James Murdoch, que lembrava a comissão a todo instante que não ele não estava ao serviço do News of the World durante os obscuros dias das intervenções telefónicas e subornos. Por outras palavras, James disse basicamente o mesmo: não sei de nada.
A atuação, por agora, parece estar a funcionar. A culpa cairá noutros, mas com certeza o dinheiro continua a entrar no bolso de Murdoch. O preço das ações da News Corp. cresceu durante o dia. O aparente sucesso de Murdoch na audiência pode-se atribuir ao advogado que permaneceu todo o tempo sentado atrás de James com cara de pedra: o vice-presidente Executivo da News Corp., Joel Klein.
Klein é uma das mais recentes incorporações da equipe de direção do império mediático de Rupert Murdoch. Foi contratado, segundo uma nota de imprensa da News Corp., como “alto assessor do Sr. Murdoch para uma ampla variedades de iniciativas, como o desenvolvimento de estratégias empresariais para o emergente mercado educativo”. Klein foi conselheiro da Casa Branca durante a presidência de Bill Clinton.
Algo que provavelmente está mais vinculado com a sua contratação por parte de Murdoch é que até pouco tempo Klein ocupava o cargo de diretor-geral das Escolas da Cidade de Nova York, o maior sistema de ensino dos Estados Unidos, que tem um número de matrículas superior a 1,1 milhões de estudantes em mais de 1.600 escolas. Klein, durante o governo do presidente da Câmara Michael Bloomberg, realizou uma reestruturação polêmica do sistema escolar. O meu colega de “Democracy Now!”, Juan González, que é colunista do New York Daily News (o principal concorrente do New York Post de Murdoch), documentou de forma sistemática os fracassos da gestão de Klein e informou sobre os “numerosos pais e professores que há muito tempo se cansaram do seu estilo autocrático e desrespeitoso”, escreve Juan. A tentativa de Klein de fechar 19 escolas em alguns dos bairros mais pobres da cidade foi revogada pelo Supremo Tribunal do Estado de Nova York.
Mesmo assim, demonstrou-se que as afirmações feitas durante a gestão de Klein de que houve melhoria no desempenho das provas de nivelamento estavam baseadas em qualificações exageradas.
Menos de duas semanas depois de anunciar a contratação de Klein, News Corp. comprou a empresa privada Wireless Generation. Murdoch falou sobre a compra de 360 milhões de dólares: “No que toca o ensino básico, fundamental, e médio, encontramos um sector 500 mil milhões de dólares somente nos Estados Unidos”.
Isso preocupa a titular de uma das principais contas de twitter relacionadas com a educação, Leonie Haimson, mãe de um aluno de uma escola pública de Nova York e directora-executiva da Class Size Matters. Disse ao Democracy Now!: “Após todas essas acusações sobre as escutas telefônicas ilegais e tudo o que foi exposto, realmente preocupa-nos a privacidade dos alunos do estado de Nova York porque qualquer um que tenha acesso a essa informação deverá cuidá-la com atenção. E em segundo lugar, todo o assunto de que se outorguem contratos a grandes empresas preocupa-nos porque obviamente queremos que utilize bem o dinheiro dos contribuintes. Não queremos abrir os cofres públicos para que as empresas de Murdoch façam dinheiro com os nossos filhos”.
As escolas públicas da cidade de Nova York já outorgaram à empresa um contrato de 2,7 milhões de dólares, e o Departamento de Educação do Estado de Nova York está a ponto de outorgar a Wireless Generation um contrato sem concurso por 27 milhões dólares.
A News Corp. anunciou a formação de um Comité de Administração e Normas que será comandado por Joel Klein. Klein, que faz parte da junta directora do News Corp., estará sob as ordens de Viet Dinh, também membro da junta directora e subsecretário do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Dinh foi vice-procurador-geral do governo de George W. Bush e um dos principais autores da Lei Patriota dos Estados Unidos que, entre outras coisas, deu lugar a uma ampliação sem precedentes das escutas telefónicas do governo. Segundo arquivos recentes da Comissão de Títulos e Câmbios, Dinh e outros directores do News Corp. fizeram fila no dia 3 de julho para vender ações. Dinh ganhou cerca de 25 milhões de dólares justamente quando estourava o escândalo.
A News Corp. está longe de se converter num cadáver mediático, ainda que o fim seja tristemente pertinente, dado que o escândalo se iniciou com a revelação da notícia horrível de que News of the World interferiu no correio de voz da vítima de assassinato Milly Dowler, dando falsas esperanças à sua família de que estava viva. O FBI está investigando se os jornais de Murdoch lucraram com a intervenção nos correios de voz das vítimas dos atentados de 11 de Setembro. Os jornalistas norte-americanos devem agora não só debruçar-se na investigação sobre as operações da News Corp. nos Estados Unidos para denunciar os possíveis delitos cometidos pela empresa, mas também a ameaça que os conglomerados midiáticos desenfreados como o império de Murdoch representam para a democracia.
Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para Democracy Now! em espanhol. Tradução para português de Rafael Cavalcanti Barreto, revista por Bruno Lima Rocha, para Estratégia & Análise.

Nenhum comentário: