sexta-feira, 27 de abril de 2012

A CPI COMEÇA DEVAGAR, QUASE PARANDO


Por Carlos Chagas
                                                     Instalou-se quarta-feira a CPI do Cachoeira,  presidida  pelo senador Vital do Rego e   com a presença do relator, deputado  Odair Cunha. Plenário lotado, atenções nacionais voltadas para os 16 senadores e 16 deputados que  integram o grupo, mais os suplentes. Num  país sério, ontem, quinta-feira, como hoje, sexta, seriam dias para a CPI estabelecer seu plano  de ação, definir o ritmo dos trabalhos e a relação de depoentes convocados em sua primeira fase.
                                                        Pois sabem onde se reuniram os parlamentares designados para a investigação do mais recente escândalo político dos últimos anos?
                                                        No aeroporto de Brasília, porque às quintas-feiras ninguém segura deputados e senadores na capital federal, fora algumas exceções. Dois dias perdidos, mas tem pior. Como o Primeiro  de Maio, terça-feira,  é feriado, nem pensar em trabalhos na segunda ou no próprio Dia do Trabalho, ironicamente quando ninguém trabalha. Suas Excelências chegarão na quarta, de manhã e de tarde, até de noite, mas para retornar na quinta a seus estados?  Fica difícil esperar alguma ação concreta da CPI na próxima semana, ainda que milagres sempre posam acontecer.
                                                        Por isso escrevíamos, dias atrás, sobre o risco de a CPI começar  devagar, quase parando. Não se trata de pérfida manobra dos adeptos da impunidade, nem de questiúnculas envolvendo PT, PMDB e governo. Funciona simplesmente a prática  do Congresso, qualquer Congresso, em qualquer tempo. Deve prevenir-se quem manteve esperanças de ver rapidamente  esclarecidas as lambanças  em foco.
                                               Por ironia, o mesmo ritmo desenvolve-se no julgamento dos 38 réus do mensalão, no Supremo Tribunal Federal, e na demora de a presidente Dilma designar os sete integrantes da Comissão da Verdade, no palácio do Planalto.   Ninguém deseja ressuscitar os tempos da Inquisição, que em poucas horas condenava hereges à fogueira. Nem a justiça do período do Terror,  da Revolução Francesa, cortando cabeças aos montes.  Convenhamos, porém, estarem Legislativo, Judiciário e Executivo atuando como jabotis.





LEMBRANÇAS TENEBROSAS

                                               Em outubro de 1966 o então presidente Castello Branco mandou tropa armada invadir o Congresso, mais precisamente a Câmara dos Deputados,  pois o Senado encontrava-se de folga. A causa era a  resistência do presidente da casa, Adaucto Lúcio Cardoso,  diante da cassação de cinco deputados federais, com base no Ato Institucional 2. O corajoso parlamentar pela Guanabara sentiu-se traído, com base numa suposta promessa de Castello de não cassar mandatos enquanto se reunisse a “Assembléia Nacional Constituinte” já convocada. Os biógrafos do primeiro general-presidente negam que ele tivesse prometido não usar  mais os instrumentos de exceção.
                                               De qualquer forma, Adaucto não aceitou as cassações. Continuou dando a palavra e tomando os votos dos cinco deputados. Por cautela, mandou que se hospedassem nas instalações da Câmara, no caso, a Enfermaria.
                                               A imprensa do pais inteiro confluiu para Brasília,  pois passados dois ou três dias, todo mundo previa que o governo militar reagiria para não ser humilhado. Jornalistas, deputados e funcionários permaneciam em vigília, acomodando-se como podiam nas dependências parlamentares e, acima de tudo, vigiando. Grupos designados pelo presidente da Câmara revezavam-se no último andar do anexo, com visão para toda a Esplanada dos Ministérios. A informação era de que logo chegariam os tanques.
                                               Na terceira madrugada  de expectativa um deputado tentou fazer a barba, num dos banheiros, e verificou não haver água. Tinha sido cortada. Pouco depois apagaram-se as luzes. Velas foram providenciadas.
                                               De plantão, lá em cima, com binóculos, alguém detectou movimentação excepcional na plataforma da estação rodoviária. Logo começaram a chegar caminhões do Exército, dos quais pulavam soldados com capacete, espingardas e metralhadoras. Singularmente, não andavam. Davam corridinhas, deitando-se em seguida no vasto gramado e até escondendo-se atrás de postes, de onde apontavam suas armas para o Poder Desarmado.  Tanques  apareceram na avenida que liga a estação rodoviária ao Congresso. Tudo em  lenta progressão, diante da Catedral e dos prédios dos ministérios.
                                               Notou-se  também que  de outras vias demandando a Praça dos Três Poderes chegavam contingentes fardados e embalados. Fuzileiros Navais e  soldados da Polícia Militar do DF.
                                               Fechava-se o círculo e, dentro do  Legislativo, a apreensão   transformava-se em  caos. Funcionárias em ataque de nervos por não poder comunicar-se com suas casas, já que os telefones também haviam sido cortados.  Deputados reconhecendo a necessidade de não resistir, por falta de meios, exceção de Amaral Netto, que a todos mostrava o seu revólver “22”. Jornalistas anotando minuto a minuto o que se passava fora e dentro do prédio.
                                               O sol ia nascendo quando  um jipão estaciona diante da rampa principal do Congresso, dele descendo  um coronel em farda de campanha, capacete, cantil e pistola. Com um apito nos lábios, consulta o relógio e logo dá o sinal, entendido como de atacar. A soldadesca invade o prédio por suas oito diferentes entradas, com  o grito de guerra de  “civis, fora! civis, fora!” Com certa truculência, mas sem disparar um tiro, foram entrando. Empurravam quem encontrassem pela frente.
                                               O coronel, recém chegado do comando da tropa brasileira em São Domingos, era Meira Mattos, da estrita confiança do presidente Castello Branco. Sempre em acelerado, foi subindo a escada de tapetes verdes que leva ao andar do plenário da Câmara.  De repente, o militar estanca  no meio, ao ouvir lá de cima o vozeirão de Adaucto Lucio Cardoso, cercado por jornalistas e deputados: “alto! Quem vem lá?”
                                               Havia um pouco de encenação, pois os dois conheciam-se há muito, eram até  amigos. Meira Mattos perfila-se e responde: “Eu sou o Poder Militar!”  retomando  a subida da escada como se fosse um campeão olímpico. Quando vai atropelar o presidente da Câmara, este recua dois passos para o coronel passar e, ao mesmo tempo, exclama: “Eu sou o Poder Civil e curvo-me à  Sua Majestade, o Poder Militar!”
                                               Logo a Câmara estaria fechada, obrigados deputados, jornalistas e funcionários a, em fila,  identificar-se junto a um sargento postado na principal porta de saída.  Apenas por curiosidade: a frase de  Adaucto Lúcio Cardoso, de propósito, era a mesma pronunciada por Antônio Carlos Ribeiro de Andrada,  presidente da então invadida e fechada Assembléia Nacional Constituinte de 1823.  Ele saía  preso por ordem de D. Pedro I, tirou o  chapéu e curvou-se  diante de um canhão assestado contra o prédio onde os constituintes  se reuniam, sugestivamente a Cadeia Velha.  A propósito, Adaucto não foi preso...

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