sexta-feira, 3 de setembro de 2010

FIDEL CASTRO - ( PARTE II )

SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA FIDEL CASTRO.
"Não tenho dúvida de que ocorrerão grandes mudanças no México"
Na segunda parte da entrevista à jornalista Carmem Lira Saade, do La Jornada, Fidel Castro comenta suas recentes declarações a respeito de uma fraude que teria ocorrido nas últimas eleições presidenciais mexicanas prejudicando o candidato Andrés Manuel López Obrador.
Carmem Lira Saade - La Jornada - Tradução: Katarina Peixoto
- Diga-me, o que tanto a máfia está dizendo de tudo o que escrevi? (sobre o México) - pergunta Fidel
Não é só a máfia, né? São mais os desconcertados com essas Reflexiones, comandante. Nem precisa dizer do desgosto que proporcionou ao governo mexicano.
- Não tinha nenhum interesse em criticar o governo... Para quê iria me meter com o governo? Por gosto? Se eu me dedicasse a me meter com governos, a dizer as coisas más ou equivocadas que consideram que têm feito, Cuba não teria relações.
Diz-se que com seus elogios e reconhecimento abertos o que você deu a Andrés Manuel López Obrador foi um beijo do diabo… e se perguntam por que torna públicas tanto as declarações de Carlos Ahumada à Justiça cubana como os detalhes de sua singular relação com Carlos Salinas de Gortari. Suspeitam que haveria uma intenção oculta.
- Não, não, não. Eu tive a sorte de me encontrar com o livro de Andrés Manuel. Alguém me deu no final da sessão da Assembléia. Eu o li rápido e sua leitura me inspirou a escrever o que escrevi.
O que o inspirou?
- Inteirar-me do que fizeram com a terra, com as minas, do que fizeram com o petróleo...Inteirar-me do roubo, do saque que esse grande país sofreu, da barbaridade que foi cometida (e que hoje se vê no México)...
Há desconfianças de um e de outro lado que insistem em que, por trás desse enredo há outros propósitos.
- Não. Eu não tinha planejado escrever o que escrevi; não estava em meus planos. Eu tenho agenda livre.
Pois levantou muita poeira, aviso-o. Acusam-no de ter desatado todo um escândalo político e chovem as
críticas porque dizem que, seja para o bem seja para o mal, comandante, você se meteu no processo eleitoral mexicano…
Ah, sim? - pergunta, muito animado – Então há críticas contra mim? Que bom, que bom! Manda para mim! E de quem são as críticas?
De muitos, menos de um. O único – dos envolvidos – que não disse uma só palavra é Carlos Salinas...
Porque é o mais inteligente, sempre o foi, além de mais hábil – disse, exibindo um sorriso malicioso...Por sua expressão, parecia que já estava esperando a resposta de Salinas. Ou quem sabe até um livro.
Depois, passa a repetir algumas passagens de suas Reflexiones: que sim, Salinas tinha sido solidário com Cuba; que sim, quando (1994) atuou como mediador (designado por Clinton) entre os Estados Unidos e a ilha “se portou bem e funcionou realmente como mediador e como aliado dos Estados Unidos…”.
Conta que quando Salinas obteve do governo cubano o aceite para se refugiar nesse país e até adquirir legalmente uma casa se viam com determinada frequência e trocavam pontos de vista, etc.
Cheguei a pensar que ele nunca tentou me enganar – disse, ironicamente.
Verdade? - pergunto. Por acaso Salinas comentou ou o consultou sobre a decisão de seu governo de abrir-se à relação com organizações terroristas declaradas, como era o caso da Fundación Nacional Cubano Americana, criada com o propósito exclusivo de derrubar o regime castrista e assassinar a seu presidente, Fidel Castro?
Pela primeira vez na história das relações entre os dois países, um governo do México abria as portas da casa presidencial a Jorge Mas Canosa, por sua vez presidente dessa organização paramilitar, velha inimiga da Revolução cubana.
O que você trouxe a esta casa foi um assassino, disse a Carlos Salinas, naquela ocasião, durante uma entrevista com La Jornada. Salinas concordou com a cabeça, concedendo-me razão. Mas de imediato se justificou, dizendo que o que seu governo buscava era participar, com a pluralidade cubana, no diálogo que se estava realizando para aproximar as partes.
Quero lhe dizer que o México é sumamente respeitoso dos processos internos que os cubanos decidem, assegurou, então.
Mas o que venha a ocorrer a Cuba não vai ser alheio aos mexicanos; nós, os mexicanos não podemos estar ausentes das transformações que se dêem nesse país, porque repercutirão no México e em toda a América Latina. Temos de manter esta comunicação com todo o leque de opiniões... (La Jornada, agosto de 1992).
Opiniões? O México necessitava da opinião de um criminoso para enriquecer seu diálogo com os países vizinhos? – pergunto agora.
Fidel abaixa a cabeça e pergunta, como para si mesmo:
Por nos fez isso? “Ele tinha se portado como amigo de Cuba. Com ele se negociava os assuntos políticos ou econômicos pendentes, enfim...Dava a impressão de que não tinha problemas conosco. Por que demônios tinha de receber esse bandido?” Perguntava-se, um tanto desconcertado.
Mas não quer mais falar. Fazia tempo que tinha virado a página ou tinha reservado para o momento em que – depois do balanço necessário – decidisse tornar de conhecimento público o fim de sua relação com o ex-presidente mexicano, como ocorreu com o seu Reflexión, o gigante das sete léguas.
Cuba nunca quis entregar a documentação filmada que provaria o complô contra López Obrador, como o PRD lhe pediu, num certo momento.
Com isso não poderíamos ser complacentes – explica. Enviamos toda a documentação à autoridade que solicitou a extradição (a chancelaria mexicana). Outra atitude não teria sido séria – sublinha.
Depois, Fidel encerrou gravemente esse assunto, como muitos outros que tinham tido que esperar.
Por que a menção a López Obrador nestes momentos quase pré-eleitorais?
- Porque eu tinha uma dúvida sobre ele. Eu queria dizer-lhe que (ainda que não tenha concordado em entregar a documentação solicitada) não estávamos em nenhum complô contra ele, nem (estivemos) coligados com ninguém para lhe causar dano. Que, como disse em meu texto, tenho honra de compartilhar seus pontos de vista.
Aí é precisamente onde dizerm que lhe deu o beijo do diabo, comandante.
- Ah, sim?! Que não posso nem falar de convidá-lo a Cuba, é verdade? - disse sorrindo, maliciosamente. Estaria arriscando muito, não é assim? Toda a quadrilha lhe cairia em cima, para desacreditá-lo e tirar-lhe votos.
Como há 50 anos, nos primeiros tempos da Revolução, em que viajar a Cuba era toda uma ousadia. Uma foto na chegada ou na saída do aeroporto do México em direção a La Habana podia custar perseguição, golpes, prisão...
Fidel mantém esse sorriso e aconselha:
- Não se preocupem tanto, vocês mexicanos, com essas coisas. Tudo isso vai mudar. Não tenho a menor dúvida de que, mais rápido do que imaginam, ocorrerão grandes mudanças no México.

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