O gasto público mais estéril e de menor efeito benéfico para o conjunto da sociedade é o gasto de natureza financeira. Se a intenção do governo é realmente liberar recursos para infra-estrutura e gastos de natureza social, que se promova a redução da taxa de juros para diminuir o impacto de gastos financeiros no orçamento.
Paulo Kliass, da Carta Maior.
Cada vez mais eu me surpreendo com a força com que as idéias conservadoras e ortodoxas conseguem se impor e atravessar fronteiras ideológicas antes consideradas mais autênticas e preservadas das influências típicas dos que atuam, propõem e operam segundo os interesses das chamadas classes dominantes. Em suma, os que reproduzem a todo instante os desejos e as necessidades do capital, em especial daquele vinculado ao ramo das finanças.
Mais uma vez estava me preparando para escrever sobre um tema mais prospectivo, algo mais tranqüilo. Mas a leitura dos jornais desse início de final de semana não me permitiram escapar de tratar das manchetes que certamente dominarão os debates dos dias a seguir. O núcleo duro da equipe da Presidenta Dilma acaba de anunciar - de forma dura, séria e solene - que o governo vai promover um cote de R$ 50 bilhões no Orçamento da União para o ano de 2011.
Na verdade, os verdadeiros desdobramentos operacionais de tal decisão não estão completamente claros nem mesmo regulamentados por medidas de menor importância hierárquica. Afinal, quais serão mesmo as conseqüências práticas de tal ato governamental? Muitos políticos experientes, particularmente os parlamentares com muitos mandatos de atuação no interior do Congresso Nacional, não se preocupam muito com a matéria. Dizem que já viram tal cena montada uma enorme quantidade de vezes, com diferentes atores, múltiplos personagens, diretores de diversas tendências, produtores de origens variadas, mas com final quase sempre parecido. Ou seja, muita encenação e pouco resultado prático. Trata-se, de acordo com eles, de um jogo de cartas marcadas entre os representantes dos Poderes Executivo e Legislativo. Uma espécie de “me engana que eu gosto” e que no frigir dos ovos pouco ou quase nada muda de forma substancial. O governo tenta demonstrar uma faceta de “austeridade e responsabilidade”, alguns congressistas reclamam da “dureza” das medidas e depois “tudo como dantes no quartel de Abrantes”. Um alto custo político inicial para quem anuncia e depois até dezembro tudo se ajeita.
Mas, afinal, a que vem o anúncio de tal medida, mal passados 40 dias sob a presidência de Dilma Roussef? Ao que tudo indica, trata-se de um novo passo na mesma direção da triste notícia de algumas semanas atrás, quando o Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central (BC) resolveu elevar a taxa oficial de juro, a SELIC, de 10,75% para 11,25% ao ano. Em tese, um retrocesso em relação ao período de maior afastamento das condições menos rígidas da ortodoxia monetária, tal como verificado ao longo dos anos 2008 a 2010.
O discurso oficial se baseia em um tripé de argumentações. Em primeiro lugar, a voz fica empolada para discorrer a respeito da necessidade de uma condução responsável da política fiscal e monetária. Em segundo lugar, cria-se um cenário aterrorizante com o risco potencial do retorno da inflação a níveis mais elevados, como ocorria nos anos 1980 e 90. Finalmente, fala-se na necessidade de buscar o equilíbrio orçamentário e na geração do todo poderoso superávit primário. Pronto! Diante de um quadro tão catastrofista quanto esse, aí realmente ao governo não restaria mesmo outra alternativa a seguir.
Porém, o fato é que tal argumentação e os elementos para análise caberiam muito bem e adequadamente na boca dos assessores das entidades vinculadas ao setor financeiro, que estão formados e habituados a trabalhar e a raciocinar de acordo com os interesses do capital. Mas não oferecem a menor sinceridade ou autenticidade quando proferidas por representantes do governo capitaneado por um partido que diz defender os interesses dos trabalhadores!
De acordo com autoridades envolvidas com a decisão, trata-se de uma medida que também tem por objetivo fazer com que o governo consiga atingir com maior facilidade a meta de superávit primário. E aqui, mais uma vez, revela-se com toda a evidência a maneira quase vergonhosa com que se rende à carga ideológica do conservadorismo tupiniquim. Ora, como explicar a existência dessa preocupação tão pungente com tais metas na forma de apurar a contabilidade entre receitas e despesas públicas? Ainda mais agora, nesse período pós crise econômico-financeira internacional, em que as próprias instituições multilaterais – a exemplo do FMI e do Banco Mundial, entre outras – iniciam um lento, complexo e difícil processo de avaliação e de auto-crítica (sim, podem acreditar! Pode parecer incrível, mas é verdade!) de todas as políticas de ajuste levadas a cabo ao longo das últimas décadas pelos continentes afora.
Mais uma vez estava me preparando para escrever sobre um tema mais prospectivo, algo mais tranqüilo. Mas a leitura dos jornais desse início de final de semana não me permitiram escapar de tratar das manchetes que certamente dominarão os debates dos dias a seguir. O núcleo duro da equipe da Presidenta Dilma acaba de anunciar - de forma dura, séria e solene - que o governo vai promover um cote de R$ 50 bilhões no Orçamento da União para o ano de 2011.
Na verdade, os verdadeiros desdobramentos operacionais de tal decisão não estão completamente claros nem mesmo regulamentados por medidas de menor importância hierárquica. Afinal, quais serão mesmo as conseqüências práticas de tal ato governamental? Muitos políticos experientes, particularmente os parlamentares com muitos mandatos de atuação no interior do Congresso Nacional, não se preocupam muito com a matéria. Dizem que já viram tal cena montada uma enorme quantidade de vezes, com diferentes atores, múltiplos personagens, diretores de diversas tendências, produtores de origens variadas, mas com final quase sempre parecido. Ou seja, muita encenação e pouco resultado prático. Trata-se, de acordo com eles, de um jogo de cartas marcadas entre os representantes dos Poderes Executivo e Legislativo. Uma espécie de “me engana que eu gosto” e que no frigir dos ovos pouco ou quase nada muda de forma substancial. O governo tenta demonstrar uma faceta de “austeridade e responsabilidade”, alguns congressistas reclamam da “dureza” das medidas e depois “tudo como dantes no quartel de Abrantes”. Um alto custo político inicial para quem anuncia e depois até dezembro tudo se ajeita.
Mas, afinal, a que vem o anúncio de tal medida, mal passados 40 dias sob a presidência de Dilma Roussef? Ao que tudo indica, trata-se de um novo passo na mesma direção da triste notícia de algumas semanas atrás, quando o Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central (BC) resolveu elevar a taxa oficial de juro, a SELIC, de 10,75% para 11,25% ao ano. Em tese, um retrocesso em relação ao período de maior afastamento das condições menos rígidas da ortodoxia monetária, tal como verificado ao longo dos anos 2008 a 2010.
O discurso oficial se baseia em um tripé de argumentações. Em primeiro lugar, a voz fica empolada para discorrer a respeito da necessidade de uma condução responsável da política fiscal e monetária. Em segundo lugar, cria-se um cenário aterrorizante com o risco potencial do retorno da inflação a níveis mais elevados, como ocorria nos anos 1980 e 90. Finalmente, fala-se na necessidade de buscar o equilíbrio orçamentário e na geração do todo poderoso superávit primário. Pronto! Diante de um quadro tão catastrofista quanto esse, aí realmente ao governo não restaria mesmo outra alternativa a seguir.
Porém, o fato é que tal argumentação e os elementos para análise caberiam muito bem e adequadamente na boca dos assessores das entidades vinculadas ao setor financeiro, que estão formados e habituados a trabalhar e a raciocinar de acordo com os interesses do capital. Mas não oferecem a menor sinceridade ou autenticidade quando proferidas por representantes do governo capitaneado por um partido que diz defender os interesses dos trabalhadores!
De acordo com autoridades envolvidas com a decisão, trata-se de uma medida que também tem por objetivo fazer com que o governo consiga atingir com maior facilidade a meta de superávit primário. E aqui, mais uma vez, revela-se com toda a evidência a maneira quase vergonhosa com que se rende à carga ideológica do conservadorismo tupiniquim. Ora, como explicar a existência dessa preocupação tão pungente com tais metas na forma de apurar a contabilidade entre receitas e despesas públicas? Ainda mais agora, nesse período pós crise econômico-financeira internacional, em que as próprias instituições multilaterais – a exemplo do FMI e do Banco Mundial, entre outras – iniciam um lento, complexo e difícil processo de avaliação e de auto-crítica (sim, podem acreditar! Pode parecer incrível, mas é verdade!) de todas as políticas de ajuste levadas a cabo ao longo das últimas décadas pelos continentes afora.
Mais uma vez, parece estarmos face ao comportamento típico do “bom mocismo”, que tão bem caracterizou o primeiro mandato do Presidente Lula, quando a cadeira do Ministro da Fazenda era ocupada pelo atual Chefe da Casa Civil, Antonio Palocci. Lá no início de 2003, poucas semanas após a posse de Lula, sua equipe surpreendeu o Brasil e o mundo, ao oferecer - assim de mão beijada - sem nenhuma exigência oficial por parte de nenhuma instituição do mundo financeiro internacional, uma elevação unilateral da meta de superávit primário. Na verdade, uma demonstração inequívoca de uma postura: abrir mão da defesa dos interesses nacionais em favor dos interesses da banca privada internacional.
Quem quiser que faça sua pesquisa. Nada como uma “gugouzada” para recuperar a memória histórica. A sincronicidade chama a atenção para essa medida anunciada agora no dia 9 de fevereiro. É que no dia 7 de fevereiro de 2003, uma semana antes da chegada de uma equipe do FMI ao Brasil, para demonstrar quão
Quem quiser que faça sua pesquisa. Nada como uma “gugouzada” para recuperar a memória histórica. A sincronicidade chama a atenção para essa medida anunciada agora no dia 9 de fevereiro. É que no dia 7 de fevereiro de 2003, uma semana antes da chegada de uma equipe do FMI ao Brasil, para demonstrar quão
sérios eram os propósitos do governo recém-empossado, Palocci anunciava que o Brasil iria realizar um esforço fiscal ainda maior, elevando o superávit primário de 3,75% para 4% do PIB. Uma loucura!
Mas por que tamanha preocupação dos sucessivos governos com tal conceito, o tão famoso superávit primário? Na verdade, trata-se de uma sofisticação de natureza retórica para um propósito nada nobre.
Normalmente, quando se discute e se analisa a política econômica de um País, um dos aspectos a serem considerados é o equilíbrio nas contas públicas. Em síntese, como anda a relação entre tudo aquilo que o Estado arrecada e o que ele gasta. Se o nível de despesas vem se revelando estruturalmente mais elevado do que a capacidade de levantar recursos, isso pode significar que o nível da dívida pública poderia estar aumentando ou ainda (como acontecia mais no passado) o governo poderia estar lançando mão da emissão de moeda para fazer face às suas necessidades e isso poderia ter algum efeito inflacionário no futuro. Em princípio, nada contra. É sempre bom mesmo estar atento a esses indicadores e fazer os alertas necessários para as possíveis correções de rumo.
Porém (e sempre tem um porém), o pulo do gato surge com o conceito mesmo do “superávit primário”. Que vem a ser uma forma matreira e esperta de retirar um tipo muito especial de gasto público – os gastos de natureza financeira. Ou seja, os gastos que o Estado realiza que estão relacionados com o pagamento de juros e demais serviços da dívida pública. Assim, aqueles mesmos que defendem com todo o ardor a “seriedade e a austeridade na condução da política fiscal” – leia-se, contenção dos gastos públicos, são os mesmos que criaram o conceito de “superávit primário” e não mais apenas o tradicional de “superávit fiscal”. Ué, mas não se trata de apenas um outro adjetivo para designar o mesmo fenômeno? Não! Quando se calcula o superávit primário, não estão incluídas as despesas financeiras. Moral da estória: a autoridade econômica deve ter toda a liberdade e a obrigação para gastar e honrar todos os compromissos com o setor financeiro, associados ao pagamento do volume astronômico de juros previsto no Orçamento. Depois de calculadas e efetuadas essas despesas sem nenhum tipo constrangimento, aí sim. Vamos, então, começar a avaliar a necessidade de austeridade na condução das contas públicas, pois afinal o nível de despesas está muito exagerado, o País não suporte esse volume de gastos e blá-blá-blá.
E, assim, mais uma vez voltamos ao nosso trivial debate sobre a suposta impossibilidade de conceder o reajuste no salário mínimo tal como merecido pela grande maioria de nossa população, sobre a recusa em alterar o mecanismo de cálculo para se conceder aposentadorias sem o famigerado fator previdenciário, sobre o cancelamento de nomeações novos servidores já aprovados em concursos públicos, entre tantos outras gastos públicos essenciais ao desenvolvimento nacional.
Se o governo está mesmo preocupado com os gastos públicos, que os encare como um conjunto e estabeleça a prioridade na forma da despesa a ser reduzida. Com toda a certeza, o gasto público mais estéril e de menor efeito benéfico para o conjunto da sociedade é o gasto de natureza financeira. Mas, como essa verdade dói e grita, a forma escamoteada de fugir de tal realidade é encher a boca e deitar falação a respeito do “superávit primário”. Uma forma travestida de transferir recurso público para o setor privado, que já superou a cifra de R$ 1 trilhão desde aquele anúncio de fevereiro de 2003. Em suma: o gasto com juros é nobre e intocável. Os demais devem ser cortados.
E uma lembrança para finalizar: se a intenção do governo é realmente liberar recursos para infra-estrutura e gastos de natureza social, que se promova a redução a taxa de juros para diminuir o impacto de gastos financeiros no orçamento. A próxima reunião do COPOM será realizada nos dias 1° e 2 de março. No caso, se houver mesmo vontade política, basta um telefonema da Presidenta Dilma ao Presidente do BC, Alexandre To
Mas por que tamanha preocupação dos sucessivos governos com tal conceito, o tão famoso superávit primário? Na verdade, trata-se de uma sofisticação de natureza retórica para um propósito nada nobre.
Normalmente, quando se discute e se analisa a política econômica de um País, um dos aspectos a serem considerados é o equilíbrio nas contas públicas. Em síntese, como anda a relação entre tudo aquilo que o Estado arrecada e o que ele gasta. Se o nível de despesas vem se revelando estruturalmente mais elevado do que a capacidade de levantar recursos, isso pode significar que o nível da dívida pública poderia estar aumentando ou ainda (como acontecia mais no passado) o governo poderia estar lançando mão da emissão de moeda para fazer face às suas necessidades e isso poderia ter algum efeito inflacionário no futuro. Em princípio, nada contra. É sempre bom mesmo estar atento a esses indicadores e fazer os alertas necessários para as possíveis correções de rumo.
Porém (e sempre tem um porém), o pulo do gato surge com o conceito mesmo do “superávit primário”. Que vem a ser uma forma matreira e esperta de retirar um tipo muito especial de gasto público – os gastos de natureza financeira. Ou seja, os gastos que o Estado realiza que estão relacionados com o pagamento de juros e demais serviços da dívida pública. Assim, aqueles mesmos que defendem com todo o ardor a “seriedade e a austeridade na condução da política fiscal” – leia-se, contenção dos gastos públicos, são os mesmos que criaram o conceito de “superávit primário” e não mais apenas o tradicional de “superávit fiscal”. Ué, mas não se trata de apenas um outro adjetivo para designar o mesmo fenômeno? Não! Quando se calcula o superávit primário, não estão incluídas as despesas financeiras. Moral da estória: a autoridade econômica deve ter toda a liberdade e a obrigação para gastar e honrar todos os compromissos com o setor financeiro, associados ao pagamento do volume astronômico de juros previsto no Orçamento. Depois de calculadas e efetuadas essas despesas sem nenhum tipo constrangimento, aí sim. Vamos, então, começar a avaliar a necessidade de austeridade na condução das contas públicas, pois afinal o nível de despesas está muito exagerado, o País não suporte esse volume de gastos e blá-blá-blá.
E, assim, mais uma vez voltamos ao nosso trivial debate sobre a suposta impossibilidade de conceder o reajuste no salário mínimo tal como merecido pela grande maioria de nossa população, sobre a recusa em alterar o mecanismo de cálculo para se conceder aposentadorias sem o famigerado fator previdenciário, sobre o cancelamento de nomeações novos servidores já aprovados em concursos públicos, entre tantos outras gastos públicos essenciais ao desenvolvimento nacional.
Se o governo está mesmo preocupado com os gastos públicos, que os encare como um conjunto e estabeleça a prioridade na forma da despesa a ser reduzida. Com toda a certeza, o gasto público mais estéril e de menor efeito benéfico para o conjunto da sociedade é o gasto de natureza financeira. Mas, como essa verdade dói e grita, a forma escamoteada de fugir de tal realidade é encher a boca e deitar falação a respeito do “superávit primário”. Uma forma travestida de transferir recurso público para o setor privado, que já superou a cifra de R$ 1 trilhão desde aquele anúncio de fevereiro de 2003. Em suma: o gasto com juros é nobre e intocável. Os demais devem ser cortados.
E uma lembrança para finalizar: se a intenção do governo é realmente liberar recursos para infra-estrutura e gastos de natureza social, que se promova a redução a taxa de juros para diminuir o impacto de gastos financeiros no orçamento. A próxima reunião do COPOM será realizada nos dias 1° e 2 de março. No caso, se houver mesmo vontade política, basta um telefonema da Presidenta Dilma ao Presidente do BC, Alexandre To
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